Retorno ao Contrato
Social
Em
editorial de 03 de abril de 2020, o Financial Times, jornal publicado no
Reino Unido, disse que o “vírus expõe a fragilidade do contrato social”.
Defende com isso uma maior intervenção do Estado na economia e medidas que
possam assegurar o bem-estar da população, reduzindo as desigualdades geradas
pela pandemia. E conclui:
Reformas radicais - invertendo a direção política predominante das últimas quatro décadas - precisarão ser colocadas sobre a mesa. Os governos terão que aceitar um papel mais ativo na economia. Eles devem ver os serviços públicos como investimentos, e não como passivos, e procurar maneiras de tornar os mercados de trabalho menos inseguros. A redistribuição estará novamente na agenda; os privilégios dos idosos e ricos em questão. As políticas até recentemente consideradas excêntricas, como renda básica e impostos sobre a riqueza, terão que estar na mistura. (Financial Times)
Já
escrevemos alguns artigos neste blog sobre o contrato social: suas origens gregas, Platão, Hobbes e Rousseau. Agora vamos ao ponto de ruptura do contrato. Desde o advento do
liberalismo econômico com Adam Smith que podemos ver a fragilidade imposta ao
Estado para que esse não intervisse na economia. A chamada mão invisível
smithiana nos coloca o preceito de que o mercado seria autorregulável e,
portanto, não precisaria de nenhum tipo de intervenção.
Dessa forma, o Estado
soberano deveria ser reduzido ao mínimo possível, como explica Smith:
De acordo com o sistema de liberdade natural, o soberano só tem três
tarefas a atender; três tarefas de grande importância, de fato, mas simples e
inteligíveis ao entendimento comum: primeiro, a tarefa de proteger a sociedade
da violência e invasão de outras sociedades independentes; segundo, a tarefa de
proteger, tanto quanto possível, todo membro da sociedade da injustiça ou
opressão de qualquer outro de seus membros, ou a tarefa de estabelecer uma
exata administração da justiça; e terceiro, a tarefa de erigir e manter certas
obras públicas e instituições públicas que nunca seria do interesse de nenhum
indivíduo, ou pequeno número de indivíduos, erigir e manter, porque o lucro
nunca pagaria a despesa a qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos,
se bem que frequentemente façam mais do que compensar para uma grande
sociedade. (Adam Smith. A Riqueza das Nações)
Isto quer
dizer que o Estado deveria ser reduzido a três atribuições básicas:
1. Defesa –
através da polícia e forças armadas.
2.
Contratos – para o estabelecimento da justiça através dos contratos civis.
3.
Administração – através do sistema público burocrático.
Com o
surgimento do neoliberalismo no século XX, temos uma intensificação das regras
do mercado sobre o poder político. Medidas de austeridade são a norma e o mercado
financeiro ganha cada vez mais força. As empresas dominam o legislativo com
seus lobistas e se aumentam as medidas econômicas que beneficiam o sistema bancário.
O bem-estar social diminui e o Estado perde o domínio sobre as decisões socioeconômicas.
A crise imposta ao Estado social pela lógica neoliberal não é recente e nem tem
como causa o coronavírus. O desmonte estatal já vem sendo praticado há tempos
pelos governos, de maneira, que vemos como grande um grande cinismo o recente
editorial do Financial Times. O contrato social foi enfraquecido por um
longo tempo e agora não será fácil recuperar o poderio estatal frente os
ditames do mercado. Um novo contrato social precisa ser estabelecido para o bem
da população. Esse deve ser um contrato cidadão, que respeite em primeiro lugar
o povo e retire do mercado as decisões soberanas da nação. Como nos lembra
Hobbes em seu Leviathan, o medo é um motivo legítimo para se estabelecer
um contrato. O contrato social tem um novo inimigo, mas um velho medo, sendo
este o medo da morte. É sobre esse afeto que devemos agora montar os arcabouços
morais que irão assegurar à população o direito básico da vida.
(Luiz Maurício Bentim)
Referências
HOBBES, T. Leviathan, or, Matter, Form, and Power of a
Commonwealth Ecclesiastical and Civil. Edited by Nelle Fuller. Chicago:
The University of Chicago; Encyclopaedia Britannica, 1952.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. (Ebook)
THE EDITORIAL BOARD. Virus lays bare the frailty of the social contract. Financial Times, 03 de abril de 2020. Disponível em: https://www.ft.com/content/7eff769a-74dd-11ea-95fe-fcd274e920ca.
Acesso em: 12/04/2020.