sábado, 10 de fevereiro de 2018

Considerações sobre o Contrato Social III: Hobbes


A teoria do contrato social teve forte recepção no pensamento filosófico moderno. Podemos atribuir à filosofia política de Thomas Hobbes o amadurecimento e disseminação dessa teoria, trazendo grande contribuição para o pensamento político posterior. No entanto, o contratualismo não é uma teoria fundada na modernidade, ele tem bases profundas na antiguidade clássica como pudemos ver nos posts anteriores. Nesse trabalho iremos nos centrar na base do contrato proposto por Hobbes no Leviathan.
Hobbes no Leviathan irá apresentar o estado de natureza humano no capítulo XIII. Segundo ele, o homem é igual por natureza tanto nas faculdades do corpo como na do espírito[1]. Se todos os homens possuem força e inteligência semelhantes, então estão na mesma condição natural. Na natureza não há qualquer tipo de poder capaz de coagi-los a agir segundo regras e, dessa forma, todos têm direito a todas as coisas. Isso levará a disputa entre os homens e a discórdia, sendo esta de três tipos:
 (i) competição – por lucro
 (ii) desconfiança – para manter a própria segurança
 (iii) glória – pela reputação
Os homens, sem um poder comum capaz de mantê-los em temor respeitoso, estão em estado de guerra de todos contra todos[2], pois nenhuma lei pode ser feita antes de se ter concordado quanto à pessoa que deverá fazê-la. O estado de natureza se caracteriza pelas paixões dos homens chamadas de direito natural e a razão que determina a lei natural. De acordo com a definição de Hobbes, direito natural é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; já a lei natural é um preceito ou regra geral, estabelecida pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua própria vida ou privá-la dos meios necessários para a preservar, ou omitir aquilo que se pense melhor contribuir para a preservar[3]. Dessa maneira a melhor maneira de se preservar a vida é buscando-se a paz. A paixão que faz o homem tender para a paz é o medo da morte e a razão irá conduzi-lo a preservar a sua própria vida. No entanto, se certo e errado não têm lugar na condição natural, como Hobbes explica no cap. XIII, então as leis da natureza, que ele concebe como requerimentos da moralidade, não poderiam ser aplicadas fora do Estado. O Estado é o mais perfeito artifício criado pelo homem e representa a união de todos os homens juntos. Sua criação, apesar de não ser natural, se faz por analogia à natureza. Enquanto os homens possuem corpos físicos dados pela natureza, o Estado é um corpo político criado a partir da arte humana[4]. Faz-se a necessidade de se determinar os meios para a constituição da sociedade civil.
Os fundamentos, para a construção do corpo político, se dão através de um pacto de todos os homens com todos os homens para a formação de um terceiro, isto é, o soberano. O pacto não é feito entre o povo e o soberano, pois as pessoas não possuem nenhuma unidade para serem chamadas de ‘povo’ antes da existência da sociedade, assim como, o soberano só passa a existir depois do pacto. O soberano, portanto, não faz parte do pacto, pois foi formado a partir deste, e, devido a isso, não tem de responder pelo pacto que foi formado. O soberano é a representação do corpo político e o seu poder é chamado de poder soberano e este consiste no poder e na força que cada um dos membros lhe transferiu por meio do pacto[5]. O poder soberano tem três principais características:
(i) ele é irrevogável – nenhum dos contratantes do pacto pode revogá-lo, pois uma vez que todos cederam seus direitos ao soberano, somente ele teria o poder para destituir o corpo político.
(ii) ele é ilimitado – o poder soberano é o maior poder que os homens podem atribuir a outros homens. O poder é absoluto porque se outro poder o limitasse, o soberano seria o poder limitador e não o limitado.
(iii) ele é indivisível – pelo mesmo motivo o poder soberano não pode ser dividido, pois seria uma maneira de limitá-lo.
As leis civis baseiam-se nas leis naturais, leis estas que conduziriam ao pacto instaurador do Estado como poder soberano. A justiça como um requerimento moral é derivada do requerimento moral de procurar a paz. A justiça é um requerimento moral porque transferência de direitos é um meio de fazer a paz, direitos são transferidos através de contratos, e a justiça é um meio de manter os contratos.
Em Hobbes o contrato permite que os males do estado de guerra instaurado pelo estado de natureza seja instinto através da formação de um poder comum que cause a todos um temor que leve a obediência e a paz promovendo, dessa maneira, a saúde e a segurança do corpo político. O princípio pelo qual ele parte para a formação do contrato supõe um problema de natureza humana. Tal natureza seria ávida por bens, o que levaria os homens a uma constante disputa entre eles. No entanto, as consequências do contrato são distintas, já que Hobbes pretende conceber as bases formais para a construção do Estado como uma entidade acima de todos os homens sem se preocupar com o tipo de governante que vá gerenciar esse Estado, pois, seja qual for o governante, a sua função permanece a mesma em evitar o estado de guerra e na manutenção da ordem. O que, talvez, crie um tipo de paradoxo, pois aquele que controla o nómos para regular a phýsis é aquele que pode agir livremente segundo seu desejo. Isso pode ser visto se compararmos a leitura de Platão do contrato.

BIBLIOGRAFIA

HOBBES, T. Leviatã. Organizado por Richard Tuck. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

________. Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Bruno Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

HOEKSTRA, K. Hobbes on the Natural Condition of Mankind. In: SRINGBORG, P. The Cambridge Companion to Hobbes’s Leviathan, 2007, p. 109-127.





[1] HOBBES, T. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo Martins Fontes, 2008, p. 106. Demais citações à obra serão abreviadas por Lev.
[2] Lev., p. 109.
[3] Lev., p. 112.
[4] Lev., p. 112.
[5] HOBBES, T. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Bruno Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2010, XIX.10. As citações desta obra são seguidas de capítulo e parágrafo.