A teoria do
contrato social teve forte recepção no pensamento filosófico moderno. Podemos
atribuir à filosofia política de Thomas Hobbes o amadurecimento e disseminação
dessa teoria, trazendo grande contribuição para o pensamento político posterior.
No entanto, o contratualismo não é uma teoria fundada na modernidade, ele tem
bases profundas na antiguidade clássica como pudemos ver nos posts anteriores.
Nesse trabalho iremos nos centrar na base do contrato proposto por Hobbes no Leviathan.
Hobbes no Leviathan irá
apresentar o estado de natureza humano no capítulo XIII. Segundo ele, o
homem é igual por natureza tanto nas faculdades do corpo como na do espírito[1]. Se
todos os homens possuem força e inteligência semelhantes, então estão na mesma
condição natural. Na natureza não há qualquer tipo de poder capaz de coagi-los
a agir segundo regras e, dessa forma, todos têm direito a todas as coisas. Isso
levará a disputa entre os homens e a discórdia, sendo esta de três tipos:
(i) competição –
por lucro
(ii) desconfiança
– para manter a própria segurança
(iii) glória –
pela reputação
Os homens, sem um poder
comum capaz de mantê-los em temor respeitoso, estão em estado de guerra
de todos contra todos[2],
pois nenhuma lei pode ser feita antes de se ter concordado quanto à pessoa que
deverá fazê-la. O estado de natureza se caracteriza pelas paixões dos homens
chamadas de direito natural e a razão que determina a lei
natural. De acordo com a definição de Hobbes, direito natural é a liberdade
que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para
a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; já a lei natural é
um preceito ou regra geral, estabelecida pela razão, mediante o qual se proíbe
a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua própria vida ou privá-la dos
meios necessários para a preservar, ou omitir aquilo que se pense melhor
contribuir para a preservar[3].
Dessa maneira a melhor maneira de se preservar a vida é buscando-se a paz. A
paixão que faz o homem tender para a paz é o medo da morte e a razão irá
conduzi-lo a preservar a sua própria vida. No entanto, se certo e errado não
têm lugar na condição natural, como Hobbes explica no cap. XIII, então as leis
da natureza, que ele concebe como requerimentos da moralidade, não poderiam ser
aplicadas fora do Estado. O Estado é o mais perfeito artifício criado pelo
homem e representa a união de todos os homens juntos. Sua criação, apesar de
não ser natural, se faz por analogia à natureza. Enquanto os homens possuem
corpos físicos dados pela natureza, o Estado é um corpo político criado a
partir da arte humana[4].
Faz-se a necessidade de se determinar os meios para a constituição da sociedade
civil.
Os fundamentos, para a
construção do corpo político, se dão através de um pacto de todos os homens com
todos os homens para a formação de um terceiro, isto é, o soberano. O pacto não
é feito entre o povo e o soberano, pois as pessoas não possuem nenhuma unidade
para serem chamadas de ‘povo’ antes da existência da sociedade, assim como, o
soberano só passa a existir depois do pacto. O soberano, portanto, não faz
parte do pacto, pois foi formado a partir deste, e, devido a isso, não tem de responder
pelo pacto que foi formado. O soberano é a representação do corpo político e o
seu poder é chamado de poder soberano e este consiste no poder
e na força que cada um dos membros lhe transferiu por meio do pacto[5].
O poder soberano tem três principais características:
(i) ele é irrevogável –
nenhum dos contratantes do pacto pode revogá-lo, pois uma vez que todos cederam
seus direitos ao soberano, somente ele teria o poder para destituir o corpo
político.
(ii) ele é ilimitado – o
poder soberano é o maior poder que os homens podem atribuir a outros homens. O
poder é absoluto porque se outro poder o limitasse, o soberano seria o poder
limitador e não o limitado.
(iii) ele é indivisível
– pelo mesmo motivo o poder soberano não pode ser dividido, pois seria uma
maneira de limitá-lo.
As leis civis baseiam-se
nas leis naturais, leis estas que conduziriam ao pacto instaurador do Estado
como poder soberano. A justiça como um requerimento moral é derivada do
requerimento moral de procurar a paz. A justiça é um requerimento moral porque
transferência de direitos é um meio de fazer a paz, direitos são transferidos
através de contratos, e a justiça é um meio de manter os
contratos.
Em Hobbes o contrato
permite que os males do estado de guerra instaurado pelo estado de natureza
seja instinto através da formação de um poder comum que cause a todos um temor
que leve a obediência e a paz promovendo, dessa maneira, a saúde e a segurança
do corpo político. O princípio pelo qual ele parte para a formação do contrato supõe
um problema de natureza humana. Tal natureza seria ávida por bens, o que
levaria os homens a uma constante disputa entre eles. No entanto, as
consequências do contrato são distintas, já que Hobbes pretende conceber as
bases formais para a construção do Estado como uma entidade acima de todos os
homens sem se preocupar com o tipo de governante que vá gerenciar esse Estado,
pois, seja qual for o governante, a sua função permanece a mesma em evitar o
estado de guerra e na manutenção da ordem. O que, talvez, crie um tipo de paradoxo,
pois aquele que controla o nómos para regular a phýsis é aquele
que pode agir livremente segundo seu desejo. Isso pode ser visto se compararmos
a leitura de Platão do contrato.
BIBLIOGRAFIA
HOBBES, T. Leviatã. Organizado por Richard Tuck. Tradução de
João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
________. Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de
Bruno Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
HOEKSTRA, K. Hobbes on the Natural Condition of
Mankind. In: SRINGBORG, P. The Cambridge Companion to Hobbes’s
Leviathan, 2007, p. 109-127.
[1] HOBBES, T. Leviatã.
Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo
Martins Fontes, 2008, p. 106. Demais citações à obra serão abreviadas por Lev.
[2] Lev., p. 109.
[3] Lev., p. 112.
[4] Lev., p. 112.
[5] HOBBES, T. Os Elementos da
Lei Natural e Política. Tradução de Bruno Simões. São Paulo: Martins
Fontes, 2010, XIX.10. As citações desta obra são seguidas de capítulo e
parágrafo.