terça-feira, 7 de abril de 2020

A Caverna de Platão: Dualismo Reinventado


A Caverna de Platão: Dualismo Reinventado

A presente crise pelo qual o mundo passa devido à epidemia do vírus covid-19, trouxe um recolhimento da maioria das pessoas aos seus lares. A recomendação é que se exerça o confinamento e o isolamento social como melhor maneira de prevenir a disseminação do vírus. Desse modo, as pessoas devem ficar em seus lares de origem e sair o mínimo possível de casa. O vírus ganhou seu nome científico de SARS-CoV-2 (Coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2) e tem um alto nível de contágio. A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu que a doença respiratória provocada pela infecção do novo coronavírus deverá ser chamada de Covid-19. O nome da doença resulta das palavras “corona”, “vírus” e “doença” com indicação do ano em que surgiu (2019).
O confinamento exigido das pessoas, fez com que o processo de virtualização se intensificasse ainda mais, pois uma vez que as pessoas não poderiam mais se encontrar fisicamente, passaram a conversar ainda mais pelas redes sociais. Somado a isso, houve um aumento do número de pessoas trabalhando em casa, assim como cursos de Ensino a Distância (EaD). Isso me fez refletir ainda mais sobre o significado desse distanciamento social e a intensificação das relações virtuais. Seria um novo tipo de individualismo ou apenas um partilhamento virtual? Acabei me tornando ainda mais realista do que idealista. O mundo está lá fora, independente de nós. E vai continuar a estar, mesmo que não voltemos para ele. Acho que a peste nos trouxe uma espécie de novo dualismo metafísico, que também pode ser chamado de dualismo contemporâneo. Mas o que seria o dualismo?


Dualismo é uma concepção filosófica que tende a explicar a realidade dividindo-a em dois campos distintos, de maneira que possa explicar as contradições ou diferenças existentes. Um clássico exemplo de dualismo é a teoria platônica sobre mundo, em que haveria o campo da sensibilidade, passível de mudança e, por isso, perecível e incognoscível; e o campo da inteligibilidade, imutável, eterno e cognoscível. Platão irá chamar os objetos do campo inteligível de “formas” ou “ideias”, sendo esses objetos o que há de mais real no mundo. Há nessa distinção uma hierarquia própria, sendo os objetos inteligíveis ontologicamente anteriores e a causa que explica os objetos sensíveis. Em resumo, podemos dizer que forma/ideia é a unidade inteligível da multiplicidade do sensível. De maneira que para cada conjunto de coisas existente no mundo existe uma essência única. Exemplo: todas as cadeiras existentes no mundo têm a mesma essência inteligível de ser cadeira e, por isso, o conceito de cadeira pode ser inteligido pelo intelecto sem que para isso precisemos de nenhuma cadeira sensível. Alguns irão chamar a teoria platônica de “teoria dos dois mundos”, no entanto, apesar de bastante comum nos manuais de filosofia (por ser mais fácil de explicar), consideramos equivocada essa denominação, pois Platão está pensando a dicotomia existente no próprio mundo, não dividindo este. Feito esses esclarecimentos, voltemos à crise.
Uma vez que deixamos o real e passamos apenas a viver o virtual, criamos um novo dualismo metafísico entre os objetos virtuais e os objetos mundanos. Estamos imersos cada vez mais no meio virtual, o que aumentou consideravelmente com a pandemia de covid-19. O real foi deixado de lado pela a maioria das pessoas e entregue aos governos para comandar as nossas vidas e determinar como devemos agir diante da crise viral que nos assola. Alguns chegaram a usar o mito da caverna de Platão para dizer que não devemos deixar a Caverna, mas permanecer nela para a nossa própria segurança. Ousar sair seria perigoso, pois poderíamos nos contaminar com o novo coronavírus. No entanto, isso é uma jogada dos políticos contra as massas, fazendo-as acreditar nas sombras e imagens como sendo a verdade sobre os objetos que, de fato, nos manipulam. Desse modo, as massas não são capazes de perceber que a Caverna é a maneira pela qual os políticos exercem controle sobre a maioria, cerceando sua liberdade e determinando como deve viver. Em relação à imagem da Caverna, a metáfora é imprecisa se pensarmos que Platão nos diria para ficar na caverna. A caverna é o próprio vírus, sensível, mutável e mortal. O campo inteligível, que se encontra fora da caverna não tem vírus, pois inclui somente o que sempre é: o Bem, valor máximo e an-hipotético.
Os governantes estão a fazer de seus governos suas próprias cavernas, isto é, bolhas virtuais em que podem facilmente instaurar a dominação, o controle e a exceção como regra para melhor manipular os cidadãos e fazer deles marionetes sobre o seu domínio. O vírus, apesar de toda a sua periculosidade, nada mais é do que um meio para realizar o real fim de dominação dos governantes. Contra isso, é preciso que saiamos da Caverna e resgatemos o real!

(Luiz Maurício Bentim)