segunda-feira, 5 de julho de 2010

Educação como Manutenção da Segurança Humana

O objetivo deste texto é mostrar que a educação deve ser entendida em termos de segurança humana, em detrimento de ser entendida apenas como um direito básico. Quero deixar claro que fatores educacionais influenciam na segurança que temos para viver nossas vidas dignamente. Para isso, então, partirei do conceito de segurança humana, desenvolvido pelo falecido ex-primeiro ministro do Japão Obuchi Keizo e por Amartya Sen, e dos conceitos de desenvolvimento, capacidades, funcionamentos, liberdades substantivas e liberdades negativas, desenvolvidos por este último.

Primeiramente, o desenvolvimento deve ser visto como a expansão das capacidades para realizar coisas que temos razão para valorizar. Essas coisas que temos razões para valorizar chamaremos de funcionamentos. Quanto mais aumenta a capacidade para realizar funcionamentos, mais são expandidas as liberdades substantivas, ou seja, mais liberdade temos para realizar coisas que temos razão para valorizar. Estas são primeiramente possibilitadas pelo direitos de não-interferência concedidos pelas liberdades negativas . E, finalmente, a segurança humana, conforme entendida por Keizo e Sen, deve ser compreendida como a mensuração e o enfrentamento das ameças à sobrevivência, à vida cotidiana e à dignidade humanas, por meio do investimento nas capacidades básicas que propiciam essas liberdades.

Para a manutenção da segurança da vida humana, três inseguranças devem ser evitadas: a insegurança social, a insegurança econômica e a insegurança política. A primeira tem a ver com os meios que utilizamos para adquirir as habilidades necessárias para a vida digna em sociedade; a segunda com os meios que utilizamos para produzir, consumir e trabalhar; e a terceira com os meios que utilizamos para participar nas decisões públicas da comunidade. Uma sociedade onde falta um sistema de saúde ou um sistema de ensino adequados, onde faltam acordos para a obtenção de bons trabalhos para seus cidadãos, ou onde faltam as estruturas para que os diversos grupos e indivíduos tenham voz política, é uma sociedade onde as pessoas têm menos segurança para viverem suas vidas.

A promoção da segurança de um povo pelo seu governo ocorre por meio da formação da autonomia dos indivíduos que formam esse povo e da facilitação justa e vantajosa dos diversos tipos de interações entre esses indivíduos. A falha em desempenhar esses papéis enfraquece os valores sociais e a crença na justiça dos indivíduos expostos à insegurança. E a insegurança, se persistente, leva à justificação da falta de crença na justiça e, consequentemente, a uma falta de capacidades de realizar funcionamentos pelos meios considerados legais; o que representaria um aumento na insegurança e no número de crimes, pois os meios ilegais para levar a vida prejudicam a segurança de outras pessoas e são crimes.

A autonomia de um indivíduo é constituída de sua capacidade de interação social e de realizar decisões informadas e independentes. Para obter tal coisa certas capacidades básicas devem ser adquiridas por todos os indivíduos, como as capacidades de: ler, escrever, fazer contas, entender as ciências e a tecnologia, entender decisões políticas e administrativas, entender o sistema legal e jurídico, ser hábil em alguma função, ter infra-estrutura básica de saneamento, saúde, educação, emprego e acesso à produção e ao consumo.
Como pode-se perceber, a facilitação é uma condição externa para a autonomia e ocorre por meio da criação das estruturas para fazer fluir ordenadamente as relações que elas regulam. A condição interna da autonomia é obtida por meio da aquisição de capacidades cognitivas e técnicas. Se as condições internas e externas da autonomia estiverem sendo cumpridas em uma pessoa, então essa é uma pessoa é autônoma e sua segurança humana não está sendo violada, pois possui as capacidades (habilidades/ conhecimentos e meios) para levar uma vida digna.

Na obtenção de habilidades e conhecimentos, condição interna da autonomia, é possível verificar que a educação exerce um papel fundamental. Por isso, exerce também imensa função na manutenção da segurança da vida humana. Ela serve para evitar a insegurança social, através da transmissão das habilidades, conhecimentos, informações e razoáveis princípios morais , que permitem a interação social. Para com a insegurança econômica, se a educação estiver em congruência com a produção e com o emprego especializados exigidos pelo mercado global, as habilidades disseminadas pelo sistema educacional farão os indivíduos serem capazes de aproveitar as oportunidades nacionais e internacionais advindas da globalização. E ainda, com relação à segurança política, a educação é capaz tanto de passar princípios de tolerância a fim de evitar o choque de civilizações, quanto o de disseminar as práticas e os conhecimentos necessários para o exercício da participação democrática na vida pública da comunidade.

Não quero indicar que a educação é condição suficiente para a manutenção da segurança humana, mas afirmo que com certeza ela é condição necessária. Um determinado indivíduo ou grupo de pessoas que não tenha acesso à educação ou que tenha acesso a uma má educação tem sua vida empobrecida automaticamente, pois é reduzida sua capacidade de realizar funcionamentos. E como decaiu (ou não realizou o potencial) uma capacidade básica, muitas oportunidades não poderão ser aproveitadas e outras capacidades não poderão ser adquiridas; o que implica menos liberdade substantiva para essa pessoa e menor capacidade para adquirir capacidades.

Então, uma pessoa sofrendo insegurança social, econômica e política, por causa da falta de educação ou má educação, ou seja, tendo menos liberdade substantiva (e, por isso, menos bem-estar) e poucas capacidades para adquirir as capacidades para sair de sua situação, é uma pessoa que não tem voz política, não tem habilidades para obter um bom emprego, não conhece as leis nem os processos legais e nem tem as informações adequadas para tomar uma decisão sábia.

Isto é um empobrecimento justamente pelo fato que restringem a liberdade de uma pessoa de viver dignamente em sociedade e de participar de suas decisões públicas. E é um empobrecimento ainda mais perverso pelo fato de restringir a capacidade de adquirir capacidades e de aproveitar oportunidades. A pobreza é multifacetada em suas restrições de capacidades justamente por isto: as restrições de capacidades básicas geram restrições de capacidades para adquirir capacidades. Assim, a subnutrição diminui a capacidade de adquirir conhecimento/habilidade, a falta de conhecimento/habilidade diminui a capacidade de obter um bom emprego, a falta de um bom emprego diminui a capacidade de obter uma boa renda, a falta de uma boa renda diminui a capacidade de obter boa educação e alimento, e assim por diante.

O que proponho, seguindo o pensamento de Amartya Sen, é que a educação vista apenas como um direito básico não efetiva todas as suas potencialidades, e acaba sendo uma má educação. Isso é assim, pois se as disciplinas consideradas o conteúdo da educação (no caso, a alfabetização e o conhecimento científico básico) são transmitidas a todas as pessoas, então o direito à educação está cumprido. Quando, de outro modo, virmos a educação como forma necessária de manter a segurança humana, então atentamos mais especificamente para o conteúdo da educação, tentando disseminar as habilidades e conhecimentos que promovam a aquisição de capacidades, o aproveitar de oportunidades e a segurança de levar uma vida digna socialmente, economicamente e politicamente.

Referências Bibliográficas

GARRETT, Jan. Amartya Sen's Ethics of Substancial Freedom. 2005. Arquivo eletrônico encontrado em: http://www.wku.edu/~jan.garrett/ethics/senethic.htm
CID, Rodrigo. O Conceito de Razoabilidade na Democracia in “Seminário Internacional de Ética e Direitos Humanos”; org. Núcleo de Direitos Humanos da UFOP. Ouro Preto, 2007a.
RAWLS, John. O Direito dos Povos; tr. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
SEN, Amartya. Inequality Reexamined. Oxford: Clarendon Press, 1992.
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