América Latina em
revolta
“Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais
crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para
conhecê-la e para conhecer os mitos que
enganam e que ajudam a manter a
realidade da estrutura dominante.”
crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para
conhecê-la e para conhecer os mitos que
enganam e que ajudam a manter a
realidade da estrutura dominante.”
(Paulo Freire)
A América
Latina urge em fogo e revolta! Diversas manifestações recentes dos nossos ‘hermanos’
demonstram uma total insatisfação com medidas neoliberais em seus países.
Eleições na Argentina, Uruguai e Bolívia, protestos no Chile, Equador e
Venezuela são uma demonstração crescente de que há uma forte contraposição
popular ao Estado liberal burguês. Sabemos que uma revolta não é a mesma coisa
que uma revolução. Uma revolução depende de uma série de circunstâncias
sociais, mas o momento é de uma enorme rebelião popular na América Latina e os
protestos atuais, mesmo estando longe de transformarem radicalmente seus
países, já indicam o início de uma mudança vindoura e libertadora do jugo implacável
do capitalismo.
A tentativa
de retorno do peronismo na Argentina se concretizou com a vitória, no último
dia 27, de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, encerrando a gestão de Mauricio
Macri. No Uruguai, Martínez tenta manter a Frente Ampla na presidência do
Uruguai – a coalizão de partidos esquerdistas está no poder desde 2005. Na Bolívia,
Evo Morales mantém-se mais uma vez como presidente do país. No Equador, as
políticas liberais impostas ao país pelo FMI fez com que o povo equatoriano saísse
às ruas em uma movimentação massiva que pode culminar com a queda de seu
Presidente, Lenín Moreno. A Venezuela sofre há meses uma grave crise econômica
e política desde a última eleição para presidente e que levou à vitória de
Nicolás Maduro. A crise se agravou ainda mais com a formação de um ‘governo
paralelo’ pelo autoproclamado presidente Juan Guaidó e as sanções comerciais
impostas pelo governo dos EUA.
No entanto,
nesse momento, a rebelião mais poderosa é a do Chile, que começou na capital
Santiago como uma campanha coordenada de estudantes e de trabalhadores para
evitar pagar o metrô de Santiago em resposta a recentes aumentos de preços,
levando a confrontos abertos com a polícia nacional. Em 18 de outubro, o
presidente do Chile, Sebastián Piñera, anunciou um estado de emergência e um
toque de recolher em 19 de outubro, o que piorou ainda mais o teor dos protestos.
Por enquanto, não há qualquer tipo de acordo entre governo e manifestantes, o
que significa dizer que os protestos continuaram por um tempo indeterminado.
Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Derechos Humanos (INDH) foram cerca
de 1512 prisões no interior do país, 898 em Santiago e sua região
metropolitana, 535 pessoas feridas (210 com ferimentos de bala), 10 pedidos de
amparo, 55 reclamações por tortura, 5 por homicídio e 17 torturas com conotação
sexual.
***
E o Brasil nisso tudo?
Desde o final da eleição presidencial e o início do governo Bolsonaro,
que o Brasil vem passando por diversas mudanças estruturais para a redução de
direitos do cidadão. Além da reforma trabalhista, feita no governo Temer, tivemos
cortes no orçamento da educação, que afetou a pesquisa e o ensino em diversos
setores, além da derradeira reforma da previdência, prejudicando milhões de
brasileiros. Até mesmo direito a privacidade está em xeque depois da assinatura
do decreto presidencial 10046/19. Entretanto, o brasileiro segue no mesmo passo
como se nada estivesse acontecendo. Há aqueles que ainda fazem pior e programam
manifestações para defender a retirada dos nossos direitos, o que beira o
cúmulo do ridículo.
Esse legado
brasileiro vem desde os tempos de colônia, já que o Brasil nunca teve uma
revolta bem-sucedida e todas as suas conquistas foram guiadas pela elite seja essa
elite política, intelectual ou militar. O povo sempre ficou de fora das
decisões centrais do país. O que leva a crer que esse marasmo brasileiro ainda
vai se manter por muito tempo. Enquanto isso, segundo dados recentes do IBGE, adesigualdade social e a concentração de renda seguem crescendo no país.
Desde que
tivemos o governo do presidente João Goulart destituído e um projeto de nação
interrompido pelo golpe militar em 1964, ainda não tivemos um presidente capaz
de retomar um projeto desenvolvimentista da nação brasileira. João Goulart foi um
homem que desafiou as elites do país propondo reformas de base, que incluíam
uma melhoria para a população brasileira em geral, um projeto para a
alfabetização da população coordenado por Paulo Freire e fazer a necessária
reforma agrária. Segundo seu discurso feito na Central do Brasil, a reforma
agrária seria implementada em 60 dias, no entanto, ele foi destituído do poder
em 18 dias após o discurso, o que não o permitiu iniciar as reformas
prometidas. Mais de vinte anos de regime militar tornaram o povo pacato e na
espera sempre de tempos melhores. Espera essa que nos custa caro, pois trouxera
junto um esquecimento de como se luta para se ter uma vida melhor.
Para Paulo
Freire, o processo de conscientização leva à libertação e essa libertação só
pode ser atingida através da ação. Um olhar crítico para a realidade significa perceber
que o mundo que nos cerca é plural e se quisermos desvelar o mundo tal como ele
é, precisamos antes reconhecer essa pluralidade e a aceitar nosso protagonismo.
Conscientização é desmitologizar, isto é, conhecer a fundo os mitos enganadores
que nos cercam e que tentam estabelecer, através da ideologia, a dominação do
povo. A mudança sempre será um incomodo para o conservador. No entanto, é preciso
pensar de maneira crítica para se mostrar que é próprio da vida a mudança. E
essa só pode vir através da práxis formadora e transformadora de si mesmo.
Até quando Brasil?
Até quando Brasil?