quarta-feira, 30 de outubro de 2019

América Latina em revolta


América Latina em revolta




“Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais
crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para
conhecê-la e para conhecer os mitos que
enganam e que ajudam a manter a
realidade da estrutura dominante.”
(Paulo Freire)

A América Latina urge em fogo e revolta! Diversas manifestações recentes dos nossos ‘hermanos’ demonstram uma total insatisfação com medidas neoliberais em seus países. Eleições na Argentina, Uruguai e Bolívia, protestos no Chile, Equador e Venezuela são uma demonstração crescente de que há uma forte contraposição popular ao Estado liberal burguês. Sabemos que uma revolta não é a mesma coisa que uma revolução. Uma revolução depende de uma série de circunstâncias sociais, mas o momento é de uma enorme rebelião popular na América Latina e os protestos atuais, mesmo estando longe de transformarem radicalmente seus países, já indicam o início de uma mudança vindoura e libertadora do jugo implacável do capitalismo.

A tentativa de retorno do peronismo na Argentina se concretizou com a vitória, no último dia 27, de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, encerrando a gestão de Mauricio Macri. No Uruguai, Martínez tenta manter a Frente Ampla na presidência do Uruguai – a coalizão de partidos esquerdistas está no poder desde 2005. Na Bolívia, Evo Morales mantém-se mais uma vez como presidente do país. No Equador, as políticas liberais impostas ao país pelo FMI fez com que o povo equatoriano saísse às ruas em uma movimentação massiva que pode culminar com a queda de seu Presidente, Lenín Moreno. A Venezuela sofre há meses uma grave crise econômica e política desde a última eleição para presidente e que levou à vitória de Nicolás Maduro. A crise se agravou ainda mais com a formação de um ‘governo paralelo’ pelo autoproclamado presidente Juan Guaidó e as sanções comerciais impostas pelo governo dos EUA.
No entanto, nesse momento, a rebelião mais poderosa é a do Chile, que começou na capital Santiago como uma campanha coordenada de estudantes e de trabalhadores para evitar pagar o metrô de Santiago em resposta a recentes aumentos de preços, levando a confrontos abertos com a polícia nacional. Em 18 de outubro, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, anunciou um estado de emergência e um toque de recolher em 19 de outubro, o que piorou ainda mais o teor dos protestos. Por enquanto, não há qualquer tipo de acordo entre governo e manifestantes, o que significa dizer que os protestos continuaram por um tempo indeterminado. Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Derechos Humanos (INDH) foram cerca de 1512 prisões no interior do país, 898 em Santiago e sua região metropolitana, 535 pessoas feridas (210 com ferimentos de bala), 10 pedidos de amparo, 55 reclamações por tortura, 5 por homicídio e 17 torturas com conotação sexual.
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E o Brasil nisso tudo?


Desde o final da eleição presidencial e o início do governo Bolsonaro, que o Brasil vem passando por diversas mudanças estruturais para a redução de direitos do cidadão. Além da reforma trabalhista, feita no governo Temer, tivemos cortes no orçamento da educação, que afetou a pesquisa e o ensino em diversos setores, além da derradeira reforma da previdência, prejudicando milhões de brasileiros. Até mesmo direito a privacidade está em xeque depois da assinatura do decreto presidencial 10046/19. Entretanto, o brasileiro segue no mesmo passo como se nada estivesse acontecendo. Há aqueles que ainda fazem pior e programam manifestações para defender a retirada dos nossos direitos, o que beira o cúmulo do ridículo.
Esse legado brasileiro vem desde os tempos de colônia, já que o Brasil nunca teve uma revolta bem-sucedida e todas as suas conquistas foram guiadas pela elite seja essa elite política, intelectual ou militar. O povo sempre ficou de fora das decisões centrais do país. O que leva a crer que esse marasmo brasileiro ainda vai se manter por muito tempo. Enquanto isso, segundo dados recentes do IBGE, adesigualdade social e a concentração de renda seguem crescendo no país.
Desde que tivemos o governo do presidente João Goulart destituído e um projeto de nação interrompido pelo golpe militar em 1964, ainda não tivemos um presidente capaz de retomar um projeto desenvolvimentista da nação brasileira. João Goulart foi um homem que desafiou as elites do país propondo reformas de base, que incluíam uma melhoria para a população brasileira em geral, um projeto para a alfabetização da população coordenado por Paulo Freire e fazer a necessária reforma agrária. Segundo seu discurso feito na Central do Brasil, a reforma agrária seria implementada em 60 dias, no entanto, ele foi destituído do poder em 18 dias após o discurso, o que não o permitiu iniciar as reformas prometidas. Mais de vinte anos de regime militar tornaram o povo pacato e na espera sempre de tempos melhores. Espera essa que nos custa caro, pois trouxera junto um esquecimento de como se luta para se ter uma vida melhor.
Para Paulo Freire, o processo de conscientização leva à libertação e essa libertação só pode ser atingida através da ação. Um olhar crítico para a realidade significa perceber que o mundo que nos cerca é plural e se quisermos desvelar o mundo tal como ele é, precisamos antes reconhecer essa pluralidade e a aceitar nosso protagonismo. Conscientização é desmitologizar, isto é, conhecer a fundo os mitos enganadores que nos cercam e que tentam estabelecer, através da ideologia, a dominação do povo. A mudança sempre será um incomodo para o conservador. No entanto, é preciso pensar de maneira crítica para se mostrar que é próprio da vida a mudança. E essa só pode vir através da práxis formadora e transformadora de si mesmo.
Até quando Brasil?