A (Impossível) Genealogia
do Coringa (I)
Gostaríamos
de iniciar aqui a nossa análise sobre o novo filme do Coringa. Para quem não
conhece, o Coringa é o principal vilão do Batman publicado pela editora
estadunidense DC Comics. Foi criado por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane
e apareceu pela primeira vez em Batman #1 (Abril de 1940). O novo filme
intitulado “Coringa” trata da controversa origem do vilão que nunca foi bem
explicada nos quadrinhos. Iremos dividir nosso trabalho em partes com o intuito
de esclarecer aos poucos a nossa interpretação. Nesta primeira parte, vamos
apresentar uma breve leitura sobre o filme e sobre a modo como ele foi
construído.
O filme se
diferencia por focar na caracterização psicológica do personagem, deixando a
ação de lado, ao contrário da maioria dos filmes de heróis. Há no filme uma tentativa
de humanizar o personagem com explicações psicológicas e sociais para a sua
derradeira "transformação". Primeiramente dando-lhe um nome “normal”:
Arthur Fleck. A tentativa de nomear (ou renomear, melhor dizendo) o personagem
é uma das maneiras de tentar caracterizá-lo como um alguém humano que passou
por certo sofrimento até virar definitivamente o seu duplo ou o seu verdadeiro
‘eu’ como alguns podem interpretar. Dessa forma, o personagem passa a ideia de ser
um sujeito qualquer que foi levado ao ápice da loucura para se tornar o
Coringa. O conflito do personagem é reforçado por um forte distúrbio
psicológico, uma mãe doente e mentalmente perturbada, a ausência paterna e um
possível complexo de Édipo. Em resumo, um prato cheio para qualquer
psicanalista freudiano.
Em segundo
lugar, podemos falar da necessidade de uma explicação causal para o personagem.
De maneira que o personagem tenha que ser uma construção histórico-social do
mundo em que ele vive. Quanto a isso, a opção do diretor foi por uma leitura
caótica do mundo, onde muitas pessoas têm muito pouco e vivem na falta de bens básicos
para a sua sobrevivência, assim como sofrem de uma profunda carência afetiva,
enquanto um pequeno número de pessoas super ricas detêm a maior parte da
riqueza local. Gotham City é o típico cenário para retratar o mundo
contemporâneo neoliberal em que grande parcela da população está a margem do sistema
e, portanto, não participa do consumo mundial, enquanto uma pequeníssima
parcela concentra a maior parte da riqueza total.
É nesse
contexto de concentração de renda, violência e distúrbio que o personagem do
Coringa ganha destaque quando mata três funcionário da empresa Wayne. É como
se, nesse momento, o personagem começasse a se libertar de seus grilhões e,
como um Prometeu Liberto, ele ganhasse consciência sobre a realidade a sua
volta e a necessidade de agir diretamente sobre o mundo para transformá-lo. O
mundo não é fruto de um delírio da sua psiquê em conflito, mas é o resultado de
uma razão neoliberal que adoece e faz sofrer todos aqueles que estão à margem
da sociedade. É preciso fazer sofrer agora o outro lado da moeda: é preciso
fazer com que os ricos colham os resultados do sofrimento que causaram. Isso
fica claro com o estouro do movimento popular dos palhaços.
Os assassinatos
cometidos por Fleck no metrô serão o mote que impulsionará a população da
cidade a usar a máscara do palhaço como uma forma de protesto dos pobres contra
os ricos. O Coringa acaba por se tornar símbolo revolucionário e representante
máximo da luta de classes. Nesse sentido, há uma clara opção do diretor em
polarizar Gotham City com disputas entre ricos e pobres da cidade, mais
propriamente entre os adeptos da família Wayne e os adeptos do movimento dos
palhaços.
Olhando por
esse lado, consideramos que o filme cumpre o seu papel e demonstra coerência
com a caracterização do personagem do Coringa como fruto desse mundo desigual,
injusto e caótico. No entanto, essa visão acaba por reduzi-lo a uma visão
simplista demais para dar conta de um personagem tão complexo. É preciso
adentrar de maneira mais árdua a nossa crítica sobre o filme e aprimorar a
nossa investigação sobre o Coringa. Isso é o que pretendemos na próxima coluna.
(Luiz Maurício Bentim)
Direção: Todd Phillips
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De
Niro.
Gênero: Drama
Título original: Joker
Distribuidor: WARNER BROS.
Ano de produção 2019