segunda-feira, 12 de maio de 2014

Saindo do forno...



Depois da publicação do excelente Representar e Intervir, de Ian Hacking, a EDUERJ lança um clássico da filosofia da ciência, A teoria física: seu objeto e sua estrutura, do físico, historiador e filósofo da ciência, Pierre Duhem (1861-1916). É nesta obra, de 1906, que Duhem apresenta a tese da subdeterminação (que mais tarde foi popularizada e fortalecida por Quine): para qualquer teoria que dê conta das nossas experiências (ou dos fenômenos), sempre haverá outra teoria (possivelmente incompatível) que igualmente dá conta das mesmas experiências. Essa tese provém da ideia de que as previsões feitas por uma teoria são consequências da conjunção dos enunciados dessa mesma teoria mais um conjunto de hipóteses auxiliares. Assim, se a previsão for verdadeira, não podemos saber exatamente qual parte da conjunção é confirmada; do mesmo modo, se for falsa, não podemos saber exatamente quais enunciados são falsos. A subdeterminação surge justamente porque é sempre possível alterar alguns enunciados da teoria (ou rejeitar algumas hipóteses auxiliares) de modo a serem compatíveis com as nossas experiências.  

Outra ideia defendida por Duhem é o instrumentalismo sintático não-eliminativista. Ele sustenta que o objetivo da ciência não é fornecer explicações da realidade observável. É, antes, fornecer uma estrutura matemática, ou modelo, que organize e classifique as nossas experiências; ou seja, salvar os fenômenos. A razão disso é que ele pensa que explicar um fenômeno envolve sempre o apelo à realidade por trás dos fenômenos, algo que está fora do alcance do nosso poder de observação. Os enunciados teóricos (sobre inobserváveis), como não podem ser confirmados pela experiência, têm um papel apenas instrumental: são convenientes ou não para a construção de um modelo. Esse instrumentalismo é não-eliminativista porque Duhem rejeita a ideia de que poderíamos eliminar os enunciados teóricos fazendo-se paráfrases contendo apenas termos observáveis. Em suma, tudo o que importa para uma teoria é a sua adequação empírica, i.e., a verdade dos enunciados observacionais. 
O livro é muito bem argumentado e recheado de exemplos históricos. Leitura obrigatória.