Defendo neste artigo que são implausíveis as teorias que não admitem a existência de propriedades independentes da nossa categorização do mundo. Não tenho aqui um objetivo positivo, no sentido de dar uma solução para o problema de saber o que são propriedades, mas antes argumentar que uma teoria que não admite propriedades enfrenta problemas intransponíveis. Seguidamente, apresentarei as teorias que parecem poder dar uma solução ao problema e algumas dificuldades que elas enfrentam.
O que significa dizer que um dado indivíduo (ou um particular) tem uma propriedade? Há uma noção pré-teórica de propriedades; por exemplo, na frase “Sócrates é humano” aplicamos corretamente o predicado “humano” ao nome “Sócrates.” O que significa dizer que o indivíduo designado pelo nome “Sócrates” tem a propriedade de ser humano, ou dizer que ele é do tipo humano? Temos outros exemplos de propriedades, talvez mais paradigmáticos. Dizemos que um indivíduo a tem determinada massa M, ou dizemos que um indivíduo b tem determinada carga elétrica C. E a pergunta se levanta novamente: o que é ter uma propriedade como M ou C?
Há duas formas gerais de se dar uma explicação dessa noção pré-teórica de propriedades:
- Por um lado, podemos admitir que tais entidades existem independentemente da nossa categorização do mundo. A propriedade de ser humano, por exemplo, existe independentemente da nossa concepção daquilo que é ser humano; é um atributo dos indivíduos humanos. Entre os filósofos que aceitam a existência de propriedades haverá algumas divergências quanto à natureza dessas entidades. Além disso, não estamos, com estas considerações apenas, comprometidos com uma teoria dos universais1, pois podemos defender que tais entidades são particulares; deste ponto de vista não haveria uma propriedade de ser humano, mas várias: em cada ser humano seria uma propriedade diferente, pertencente a um único indivíduo.
- Por outro lado, podemos admitir a noção pré-teórica de propriedades, mas não admitir que essas entidades têm uma existência independente da nossa categorização do mundo. Temos, portanto, de reduzir a noção de propriedade às noções de classes, predicados, conceitos ou semelhança entre indivíduos. Nesse caso, o fato de um indivíduo ter a propriedade de ser humano tem de ser reduzido ao fato de ser membro da classe de humanos, ou ao fato de o predicado “humano” (uma entidade linguística) se aplicar corretamente a ele, ou ao fato de HUMANO ser um conceito nas nossas mentes, ou ainda, ao fato de que certos indivíduos se assemelham e por isso merecem ser denominados “humanos.”
A principal motivação de teorias do tipo 2 é o fato de serem ontologicamente mais econômicas, pois tentam postular apenas uma categoria de entidades: indivíduos (ou particulares); enquanto as teorias do tipo 1 postulam, além da categoria dos indivíduos, também a categoria das propriedades, que são os atributos, ou as características dos indivíduos. Considero que as teorias do tipo 2 enfrentam problemas insuperáveis. Assim, paga-se um preço elevado pela suposta economia ontológica. Para mostrar isso, comecemos pela teoria do nominalismo das classes.
Este artigo pode ser lido na íntegra aqui.
Citação: Figueiredo, R. A. (2010). "Propriedades: uma defesa e alguns enigmas". Crítica. Artigo eletrônico publicado em 14/07/2010 e encontrado em <http://criticanarede.com/html/defesadaspropriedades.html>