sexta-feira, 23 de julho de 2010

Resenha de Trechos do Ensaio acerca do Entendimento Humano de John Locke

LIVRO II

CAPÍTULO XVII: INFINIDADE

Locke introduz falando que irá mostrar o que a mente atribui à idéia de infinidade e como essa é formada. Assinala, então, que o finito e o infinito são modos de quantidade de idéias como espaço, duração e número. Para aqueles que agora citariam Deus, ele diz que seus aspectos infinitos são remetidos à sua continuidade ou onipresença, ou ainda às suas qualidades morais, pois podemos multiplicá-las o quanto quisermos, embora não possuamos nenhuma idéia dessa infinidade; dessa forma, diferenciando as idéias e os meios de concebê-las da própria coisa, afirmando que passará a tratar das idéias e meios de conceber a infinidade.

Infinito e finito, como modos de quantidade, são citados aqui como modificações da extensão e duração. Diz como se dá a apreensão do finito: através da apreensão sensível de comprimentos limitados, a saber: as porções de extensão e as convenções sobre os períodos de sucessão. Pergunta-se como se dá apreensão das idéias ilimitadas de eternidade e imensidade, já que não nos relacionamos com objetos dessa grandeza. Alguém que tenha a idéia de algum comprimento fixo pode somar ela a ela mesma, nunca encontrando motivos para terminar a soma; e estando em qualquer ponto dela, estaria tão distante do fim quanto quando começou. Esse é o poder para aumentar uma idéia, que se utilizado na idéia de espaço, apreenderíamos a idéia de espaço infinito.

Posiciona-se contra Descartes ao afirmar que nossas idéias não são provas da existência das coisas e, então, frisa que falará do modo como a mente apreende o espaço infinito, a saber, ilimitado. Embora estejamos sempre ao redor de espaços fechados de certa forma, não conseguimos compreender que possa não haver nada depois desses, sempre pensamos na continuidade dos mesmos. Se tomarmos a idéia uniforme de espaço, perceberemos que a mente pode se mover indefinidamente; assim apreendendo a falta de limites do espaço: o espaço ilimitado.

O poder de repetir idéias de espaço nos remete à idéia de imensidade, enquanto pela repetição de idéias de comprimento de duração apreendemos a idéia de eternidade; ambas vindas da impossibilidade de chegar ao fim do número percebido. Para aqueles que acreditam na existência de algo, ele aponta para sua anterior prova da existência necessária de um ser que seja eterno em duração.

Infinidade do espaço: progressão infinita baseada nas idéias repetidas do espaço. Espaço infinito: "Visão de todas as idéias repetidas de espaço". [Idéia contraditória: isso necessitaria de uma repetição sem fim, dada a infinitude da idéia de espaço que, no entanto, nunca poderia representar completamente o espaço infinito]

Não podemos ter a idéia real de um número infinito, nossa idéias positivas com relação ao espaço, duração ou número são sempre finitos, pois imaginar o maior que se pode é demarcar um limite; contudo, apreendemos a idéia de infinidade, quando "propiciamos à mente uma progressão infinita do pensamento, sem nunca completar a idéia". Ficamos confusos, assim, ao falarmos de espaço infinito, pois que temos dois sentidos para esse: (z) "espaço ou número que a mente tem realmente, e assim observa e termina." (y) "espaço ou número que, numa constante e infinita ampliação e progressão, nunca pode em pensamento se realizar". Sendo assim, pode-se dobrar a idéia que se tem de espaço infinito, mas ele em nenhum momento estará maior; e esse é o tipo de situação que pode causar grandes confusões nos raciocínios sobre o espaço infinito, duração infinita etc.
Para termos uma idéia positiva de espaço, julgamos números. Sendo ele infinito, ou seja, de infinitas partes, o infinito seria um "número capaz de mais outras adições, mas não a idéia de um número real infinito". Dessa forma, pela adição de coisas finitas, não temos a idéia do infinito; mas, pelo poder de adicionar mais um à soma de coisas finitas, temos sugerido à mente o infinito.


LIVRO II

CAPÍTULO: XXIII: IDÉIAS COMPLEXAS DE SUBSTÂNCIAS

Locke afirma que por observarmos conjunções constantes de idéias simples, tendemos a as considerar conjuntamente como apenas uma idéia simples, supondo que existe um substratum no qual essas subsistem, formando assim uma idéia complexa. Como imaginamos que as qualidades não podem subsistir por si mesmas, dizemos que há um sustentáculo para elas, a substância. Este, embora suposto, é por nós desconhecido, ou seja, não temos dela nenhuma idéia distinta. As conjunções constantes (explicadas no tópico 1) que percebemos pelos sentidos, supomos que derivam de uma específica constituição interna ou da essência desconhecida de tal conjunção. Todavia só indicamos a verdadeira idéia complexa de uma substância mediante um exame das qualidades (idéias simples) que a compõem, e não simplesmente sua forma substancial. Então, substância expressa desse modo sempre supõe um sustentáculo desconhecido que não as idéias simples observáveis.

Chamamos uma coisa de cavalo ou pedra (substância) por: observarmos nessa coisa uma complicação de idéias simples costumeiramente nela apresentadas; e imaginar que essas idéias simples não podem subsistir sozinhas ou uma na outra. Assim, mesmo sem nenhuma idéia clara e distinta, supomos um substrato geral para elas, a saber, a substância.

Enquanto supomos a noção de matéria como o substratum das idéias simples advindas do exterior, pensamos o espírito como o substratum das operações mentais que experienciamos dentro de nós mesmos. De ambas, matéria e espírito, não possuímos idéias claras e distintas; logo, não poderíamos negar o espírito sem também negar o corpo.

Substâncias particulares vêm de idéias simples e, sobre a origem da substância em geral, não sabemos. Não sabemos também a causa que une costumeiramente essas idéias simples, fazendo com que essa idéia complexa, a substância particular, subsista por si mesma. Essa substância é denominada (homem, cavalo, pedra etc.), e daí nos é possível representá-las; mas sempre através das idéias simples que as compõem. E essas idéias formadoras da representação de uma substância, são só desta e nunca de outra.

Nossas idéias de substâncias (idéias complexas) vêm da suposição de algo que funcione como um substratum para um conjunto de idéias simples. Estas costumeiramente se apresentam unidas, mas as recebemos como simples pela sensação ou pela reflexão. As idéias simples, por se encontrarem unidas a esse substratum, são poderes e não qualidades positivas, embora dependam das qualidades primárias reais da constituição interna daquele, o que garante uma adequação para operar e para ser operada por várias substâncias.


LIVRO III

CAPÍTULO III: TERMOS GERAIS

As palavras deveriam ser conforme às coisas e terem seu significado particular. Todavia, por razão e necessidade, a maioria delas são termos gerais. É impossível para nós dar um nome distinto e particular para cada coisa, pois o ser humano não consegue formar e manter idéias distintas de todas as coisas que entra em contato. Se isso fosse possível, seria inútil para a linguagem mesma, pois que um não conseguiria se comunicar com o outro se este não estivesse familiarizado com os mesmos particulares que o primeiro. Se fosse possível, seríamos obrigados a receber em nosso conhecimento todas as palavras relativas a todos os objetos particulares. Todavia essas coisas particulares seriam agrupadas em espécies distintas de acordo com a conveniência e com as relações entre elas. Lembra Locke que neste caso os nomes próprios para pessoas continuariam a ser usados. As coisas que atualmente têm nomes próprios, assim os têm porque há motivos para se determiná-las particularmente, i.e., pessoas, países, cidades, montanhas etc.

Os nomes gerais representam as idéias gerais, que se formam se delas separarmos as circunstâncias que as particularizam (como o tempo e o lugar). Para exemplificar, então, como se formam os nomes e idéias gerais, Locke diz que a criança, sabendo palavras como mãe, pai, ama, e relacionando-as aos respectivos particulares, ao entrar em contato mais abrangente com a realidade, percebe que existem muitos outros particulares que possuem tais qualidades que ela apenas ligava aos seus conhecidos particulares. Assim aprendem a idéia geral, e começam a usar o termo em sentido geral, reunindo semelhanças e abstraindo as diferenças. Para a formação de termos mais gerais que homem, por exemplo, animal, ela deveria ter a noção de homem, mas não conseguindo se enquadrar nessa noção, ela abstrairia das diferenças que propiciam esse não-enquadramento e perceberia as semelhanças, formando uma idéia mais geral. Se dermos à criança o nome específico para aquela idéia mais geral, ela teria um termo, agora, de extensão maior.

Dessa forma, as naturezas gerais são apenas idéias abstratas, ou seja, são idéias advindas de particulares, reunidas através de abstração das diferenças e retenção das semelhanças. Exemplifica com homem, animal e vivens (vivente), falando que o mesmo ocorre quando a mente trata do corpo, da substância, do ser e da coisa. Assim, o termo mais geral (o gênero ou a espécie) significa uma idéia "em parte" compreendida, que ao mesmo tempo abarca todos os particulares donde retirou essa "parte".

Para definir um termo: Definição: "fazer com que outrem entenda através de palavras o significado da idéia ou termo definido". Definição por gênero e diferença (E1): Recorremos ao gênero ou a algum outro termo mais geral que o comporta, indicando as diferenças entre o termo e seu gênero. Definição bem feita (E2): indicar "as idéias simples que estão combinadas no significado do termo definido". O gênero é usado em definições simplesmente porque é o modo mais curto. Exemplo: HOMEM - (E1): animal racional. (E2): substância extensa, sólida, com vida, sentidos, movimento espontâneo e a faculdade de raciocinar.

Os termos gerais e universais são relações que o entendimento cria e utiliza para se referir a muitas coisas particulares, portanto esses não têm existência real. Os termos gerais representam na linguagem as idéias abstratas (idéias de espécie), abstraídas e formadas pelo entendimento. Assim, as essências da espécie são as idéias abstratas, pois as essências da espécie são exatamente aquilo que faz uma coisa ser daquela espécie, ou seja, as idéias (gerais) abstratas simples que definem bem um termo geral. A conformidade de um nome com sua idéia é o que dá o direito ao nome, pois que essa conformidade é o mesmo que o "ter a essência", assim como o "ser de uma espécie" e "ter direito àquele nome" é o mesmo.

O entendimento capta a similitude entre as coisas e as idéias para formar idéias abstratas. Estas são expressas por um nome que as coloca em um tipo de classe (classis) modelo, dessa forma: se concordar com os particulares respectivos de que dela "participam", estes passam a fazer parte de tal espécie ou classe referida por aquele nome. Torna-se, então, mais claro que as essências das espécies, designadas por nomes, são as idéias abstratas. A suposta essência real das substâncias não pode ser diferente de nossas idéias abstratas; se o for, não é então a essência da espécie como nós definimos.

O entendimento trabalha sobre as idéias complexas para formar as idéias abstratas (ou essências). As essências são formadas pelo trabalho do entendimento sobre as idéias simples. Estas são, quando reunidas dessa forma numa idéia abstrata, advindas de conjunções constantes que sabemos ser diferentes, por isso as diferenciamos pelo nome, e assim, por espécies.

As essências podem ser reais ou nominais. Essências Reais: Essência desconhecida que faz cada coisa particular ser como é, ou seja, a constituição interna real das coisas. Essências Nominais: Essência de cada classe em que as coisas (conjunções constantes de idéias simples) são enquadradas e denominadas, ou seja, idéias simples das coisas pelas quais podemos dizer que uma coisa faz parte daquela classe. Um nome de classe só pode ser atribuído a uma coisa particular na medida em que essa coisa possui a essência nominal atribuída à classe.

Daí, temos duas hipóteses para a essência real: I. As essências reais são em um determinado número de formas, donde as coisas particulares são feitas e participam, sendo então de tal espécie. II. A essência real é desconhecida. Classificamos em espécies baseados em diferenças encontradas nas qualidades sensíveis. Ele desconsidera a hipótese I, exemplificando com monstros e crianças defeituosas, que embora não são de acordo com a forma, são considerados daquela espécie por nós assim que percebemos as semelhanças. Assim, "é impossível que duas coisas participem exatamente da mesma essência real tendo diferentes qualidades", apenas podem participar da essência nominal.

Nas idéias simples e nos modos a essência nominal e a essência real são a mesma, enquanto nas substâncias não o são.

As idéias abstratas (essências) com nomes são incriáveis e incorruptíveis, pois que qualquer modificação, destruição ou criação de qualquer um dos particulares reunidos na classe da essência respectiva não faz com que o nome deixe de representar aquela idéia (enquanto aquele nome tiver aquele significado), pois que ele serve como um modelo para aceitarmos ou não algum particular sob determinada classe (espécie). Dessa forma, a essência de uma idéia complexa abstrata como uma sereia é algo tão inteligível quanto a essência de homem.


LIVRO IV

CAPÍTULO I: CONHECIMENTO EM GERAL

O objeto imediato da mente nos pensamentos e raciocínios é a idéia. O conhecimento é a percepção do acordo ou desacordo entre idéias. O que não envolve acordo ou desacordo está longe do conhecimento. Os tipos de acordo podem ser de identidade ou diversidade, relação, coexistência ou conexão necessária, e existência real.

O primeiro ato da mente quando vai perceber suas idéias é a percepção da identidade ou diversidade destas, a princípio incide sobre as idéias particulares; ato que é necessário e sem ele, não teríamos nenhum conhecimento. Locke o vê como um poder natural da mente humana e não como uma regra geral. Caso, então, haja dúvida sobre esse tópico, ele remete o leitor à questão dos nomes para mostrar que a identidade e a diversidade são sempre percebidas.

Percepção da relação entre duas idéias quaisquer, isso consiste em outros tipos de comparações entre idéias, que não a identidade ou diversidade. Sem isso não teríamos nenhum conhecimento positivo. A coexistência é a percepção da coexistência ou não-coexistência de idéias simples (no mesmo objeto) que formam nossas idéias complexas, o que nos permite conhecimento dessas idéias complexas.

A percepção da existência real atual de algo concordando com a idéia respectiva. Exemplos dos tópicos 4, 5, 6 e 7: 4: "azul não é amarelo". 5: "dois triângulos sobre bases iguais entre duas paralelas são iguais". 6: "Ferro é susceptível de impressões magnéticas". 7: "Deus é". Assim, o que nos é engendrado por essas percepções nos propicia o conhecimento. Obs.: Coexistência e identidade estão indicadas por serem um tipo especial de relação.

Duas formas de possuir a verdade: -Conhecimento atual: É a percepção no presente do acordo ou desacordo, quaisquer que sejam os tipos, entre idéias. -Conhecimento habitual: Quando percebemos o acordo ou desacordo entre idéias e esta percepção se estabelece na memória, ao entrarmos em contato com uma proposição que nos remeta às idéias, esse conhecimento revive-se em nós. Se esse último não existisse e apenas tivéssemos conhecimento daquele instante, segundo Locke, seríamos bem ignorantes.

E o conhecimento habitual dá-se em 2 graus: -A visão imediata nos dá a percepção, através de um conhecimento intuitivo, do acordo ou desacordo entre as coisas e, assim, entre as idéias. Então quando essas verdades ocorrem na mente, ela percebe naquele instante a relação entre elas. -Outro é o manter na memória a convicção de ter recebido uma demonstração de uma proposição, mas sem manter na memória a própria demonstração. Isso se dá porque em algum momento o recordante recebeu a demonstração e sabe que naquele tempo tinha segurança sobre a verdade da proposição que se lembra. Diferentemente do conhecimento intuitivo acima, o acordo ou desacordo entre as idéias não é imediatamente percebido, pois que neste caso aquele não possui uma visão atual de todas as idéias pela qual se poderia perceber o acordo ou desacordo na proposição, mas por idéias que mostram o acordo ou desacordo na proposição que é lembrada. A demonstração da proposição lembrada deve ter caráter de que uma vez estabelecida a verdade daquilo, aquilo será sempre verdade; o que, mesmo sem a memória adequada, o recordante terá certeza de sua veracidade enquanto lembrar da proposição. Como, então, há falhas na memória, o conhecimento demonstrativo é mais imperfeito que o intuitivo.


LIVRO IV

CAPÍTULO II: OS GRAUS DE NOSSO CONHECIMENTO
O conhecimento intuitivo é a percepção imediata do acordo ou desacordo entre as idéias por elas mesmas e sem ajuda de nenhuma outra, donde se percebe, por exemplo, que o preto é diferente do branco. Esse processo não gera nenhum esforço da mente, pois que ela percebe a verdade, neste conhecimento, como o olho o faz com a luz. Assim, esta é a forma de conhecimento mais segura e mais certa (certeza).
.
O conhecimento demonstrativo é o seguinte. Como a mente não pode reunir algumas idéias, não poderá verificar se elas acordam ou discordam entre elas. Portanto ela não consegue, como no conhecimento intuitivo, trabalhar imediatamente; intervém, sim, com outra(s) idéia(s), para descobrir o acordo ou desacordo que se propôs buscar, ou seja, ocorre raciocínio.

Provas: Idéias usadas para mostrar um acordo ou desacordo entre duas idéias.
Demonstração: Quando um acordo ou desacordo é mostrado por meio de provas.

Deve haver esforço da mente para entender uma demonstração (ao contrário do conhecimento intuitivo) e uma visão que não seja apenas transitória.

Outra diferença entre os dois (demonsteativo e intuitivo) é que no primeiro começa-se com uma dúvida, enquanto no segundo ter qualquer dúvida é impossível.

O conhecimento demonstrativo, como depende de uma série de provas, embora muito claro, mostra-se obscuro para aqueles com olhos não treinados.

Em cada prova da série de uma demonstração existe um conhecimento da percepção intuitiva do acordo ou desacordo de idéias, em outras palavras, "cada passo do raciocínio que produz conhecimento está dotado de certeza intuitiva". Todavia, numa série muito longa de provas, a mente se torna dependente da memória, que deveria guardar cada "passo intuitivo" da demonstração, e acaba por falhar, haja vista as falsidades que são tomadas como demonstrações.

É um erro supor que máximas proposicionais são os fundamentos de nosso conhecimento e raciocínios.

Não só as matemáticas, com o número, extensão e figura, são capazes de demonstração. Contudo não temos o método adequado e os matemáticos são os únicos normalmente a procurar demonstração. Assim, a demonstração não está limitada pela quantidade.A confiança nas matemáticas advém de las acharam meios de examinar e descobrir demonstrativamente, assinalando símbolos permanentes para determinar exatamente uma idéia; o que difere de quando uma idéia é apenas assinalada por nomes e palavras.

Algumas diferenças de graus entre idéias simples não são medidas apenas quantitativamente; dependem da variação de corpúsculos imperceptíveis e de seus graus, que variam conforme a(s) causa(s). Assim não as podemos perceber. Como não percebemos essas pequenas variações de movimento e número de partículas que delimitam o grau de idéias simples (i.e., brancura), é indiscutível a igualdade entre quaisquer graus de uma idéia. Contudo, idéias de mesmo tipo, que se mostram clara e distintamente à nossa percepção, as podemos diferenciar (i.e., azul e vermelho), e inclusive, as demonstrar. Isso é válido para as qualidades secundárias e seus modos.

Há também um outro conhecimento que é a percepção da mente da existência de seres finitos exteriores a nós. Aquele que se questiona sobre a existência desses, assim o faz, porque pode trazê-los à mente sem que eles estejam apresentados aos sentidos. Todavia só consegue esse ato de trazê-lo à mente em forma de idéia trazida à memória (o que difere de perceber) e posteriormente à introdução dessa pelos sentidos. A quem usar o argumento do sonho (como Descartes), Locke responde: -No sonho não há verdade nem conhecimento, pois nele raciocínio e argumentação nada contam. -O sonho é percebido de outra forma que a realidade (ex.: estar no fogo é diferente de sonhar estar no fogo). Graças, então, a esse tipo de conhecimento, os outros se possibilitam, "havendo em cada um deles diferentes graus e meios de evidência e certeza".

O conhecimento se dá no acordo ou desacordo entre idéias, e não nas próprias idéias. Onde elas são claras e distintas, poderemos ter um conhecimento confuso se não percebermos claramente seu acordo ou desacordo; e se as próprias idéias são obscuras, necessariamente nosso conhecimento será também confuso, pois que não poderemos perceber claramente se elas concordam ou discordam. Ou seja, se as idéias não são de acordo com as palavras não se poderiam fazer proposições verdadeiras acerca delas.


LIVRO IV

CAPÍTULO IV: A REALIDADE DO CONHECIMENTO

Uma objeção é que se o conhecimento é a percepção do acordo ou desacordo entre nossas idéias e não das coisas mesmas, então as fantasias de um louco ou os raciocínios de um homem sábio serão ambas evidentes. Locke concorda com o adversário no caso de se nosso conhecimento se limitasse às idéias, mas diz que irá explicar como a certeza do conhecimento das idéias não se restringe apenas à imaginação. Como para que a mente saiba algo deve haver intervenção dos sentidos, ela sabe por meio de idéias, e não imediatamente. Temos conhecimento, então, na medida em que nossas idéias concordam com as coisas. Ele diz existirem pelo menos dois tipos de idéias que concordam com as coisas.

Nossas idéias simples são geradas pela mente em contato com as coisas, já que não o pode fazer sozinha; e são elas em conformidade com nossas designações e condições. E do que essas coisas promovem em nossa mente, somos aptos a apreender as substâncias particulares às nossas necessidades e usos. Todas as idéias complexas, excetuando-se as de substâncias, que não foram feitas para serem cópias ou imagens de coisas reais, representam a si mesmas. O que faz com que nunca as representemos erroneamente, e por elas não sejamos afastados do conhecimento verdadeiro, pois que todo o nosso conhecimento obtido sobre elas é, então, real.

O conhecimento matemático é real e evidente; derivado da mente considerando suas próprias idéias. Por exemplo, na idéia de triangulo, seus ângulos sempre medirão somados 180°; onde (e se) quer que ele realmente exista. Não há coisa real em conformidade com a idéia de triangulo, o que assegura o conhecimento referente a essas idéias como conhecimento real.

Como o conhecimento moral também é arquetípico em si mesmo, e não em conformidade com objeto externo, todo conhecimento adquirido do acordo ou desacordo dessas idéias é tão real quanto o matemático.

Do conhecimento matemático, então, deduz-se que boa parte do nosso conhecimento não está baseado de nenhuma forma em figuras com existência real. Assim, Locke volta ao ponto e reafirma que nosso conhecimento se fundamenta em idéias e é real.
.
Pode-se pensar que, como nós que denominamos o conhecimento moral, este não seja real. Contudo, exatamente como nas matemáticas, se alguém denominar algo erradamente, este que denominou assim estará errado (como quem chama um círculo de quadrado). Daí vemos que denominando ou não o objeto nosso conhecimento dele seria realmente verdadeiro e dele estaríamos certos.

As idéias de substâncias podem (e geralmente o fazem) diferir das próprias coisas, pois unimos às primeiras mais ou outras idéias que não as da própria coisa. Essas idéias, as de substâncias, devem estar em máxima conformidade possível com as coisas, daí se tornam reais. Das substâncias complexas temos o conhecimento das idéias simples que as compõem; e se são essas idéias verdadeiras, mesmo que não cópias exatas, que são, então, os objetos de nosso conhecimento.

Não devemos nos limitar, na investigação das substâncias, às substâncias que têm nome, mas devemos pensar sobre as idéias que formam essas substâncias, como no caso de uma criança deformada, que os que se limitam ao nome, como se este fosse essência da coisa, tenderiam a classificá-la entre o homem e a besta, como intermediário. Todavia homem e besta têm significados determinados; o que faria com que um homem com bom senso na sua investigação a chama-se de criatura deformada.

Espécies e essências são apenas idéias abstratas com nomes que as representam anexados, e em hipótese nenhuma se impõem a nós. Pensar de outra forma é um grande obstáculo para a certeza e para o conhecimento claro e distinto.

LIVRO IV

CAPÍTULO XI: NOSSO CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DAS OUTRAS COISAS

O conhecimento de o nosso espírito ser é intuitivo, o conhecimento de Deus é demonstrativo e o conhecimento das outras coisas é por sensação. Locke, assim, indica que ter a idéia de algo na mente não prova a existência desse algo.

Segundo Locke, seus olhos testemunham, enquanto ele escreve, o preto da tinta cobrindo o branco do papel; da mesma forma seus sentidos se impressionam com a brancura do papel onde escreve. Esse conhecimento, como só pode ser julgado pelos próprios sentidos referentes à impressão, ele não é duvidoso. Não importa qual o objeto causa essa impressão, a idéia é denominada "branco" (ou preto, no caso da tinta).

Se confiarmos nas faculdades adequadas para obtenção do conhecimento, não estaremos mal fundamentados (não tão bem fundamentados quanto na intuição ou demonstração), pois que não poderíamos agir e nem mesmo falar do conhecimento sem confiarmos implicitamente nessas faculdades.

Por que só obtemos idéias das coisas pelos sentidos? Porque aqueles que têm defeito em algum órgão sensorial não apreendem o objeto com aquele sentido e, portanto, não conseguem formar a idéia não apreendida.

Uma diferença entre uma sensação atual e uma memória é: a primeira age sobre os sentidos forçosamente enquanto eles podem captar a coisa; a segunda, por outro lado, é uma atuação voluntária da mente. Outra diferença é: enquanto a primeira pode advir com a sensação de dor ou prazer, causando distúrbios em nosso corpo; ao contrário, a segunda, ao recordarmos a situação causadora desse distúrbio, não sentimos nenhum sofrimento.

Para falar ainda mais uma vez em testemunho das coisas externas, Locke fala que quem não está convencido de que está vendo um fogo (ao realmente ver), pode tocá-lo e senti-lo até se queimar. Ninguém pode fazer uma queimadura em si mesmo, se o fogo é apenas imaginado. Exemplifica o caso, ele também, com as letras que ele escreveu no papel, que poderão ser vistas por outras pessoas; e os sons que ouve alguém falar, que, em hipótese nenhuma, seriam produzidos por sua imaginação, nem sua memória os teria guardado naquela ordem.