quinta-feira, 22 de julho de 2010

Resenha de Trechos da Analítica do Belo Kantiana

I. Primeiro Momento do Juízo de Gosto: segundo sua Qualidade

O juízo de gosto é um juízo estético, não é um juízo lógico nem de conhecimento. Pois não há apreensão cognitiva do objeto, há nele apenas a representação consciente do objeto junto com a sensação de complacência. Assim, nos referimos à representação do objeto, realizada pela faculdade da imaginação, e ao sentimento de prazer ou desprazer do sujeito. Esta referência não pode ser feita objetivamente, pois é algo que se passa somente no sujeito e nunca no objeto, portanto, totalmente subjetiva. E é neste sentimento de prazer ou desprazer que se funda a faculdade de ajuizamento do belo.

No juízo que versa sobre se algo é belo não importa e nem deve importar absolutamente nada da existência da própria coisa, mas apenas o nosso ajuizamento a partir da contemplação da coisa, ou seja, do nosso ajuizamento a partir das formas refletidas na intuição. Nada do que é útil noobjeto pode ser usado na justificativa de um juízo estético. Portanto, a complacência ligada a interesse (utilidade) é oposta à complacência desinteressada do juízo de gosto estético.

A complacência é interessada quando está ligada ao agradável. Kant chama de agradável aquilo que apraz aos sentidos na representação objetiva (sensação objetiva) que fazemos de um objeto. E a complacência é assim, pois ela, neste caso, é condicionada por estímulos e, portanto, falha em ser determinada somente pela representação daquele objeto junto com o próprio sentimento da complacência: o agradável é ligado à faculdade da apetição e, por isso, gera interesse.

Explicação do Belo inferida do Primeiro Momento

Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo o interesse. O objeto de tal complacência chama-se belo.


II Segundo Momento do Juízo de Gosto: segundo sua Quantidade

Como, então, a complacência do juízo estético deve ser livre de todo o interesse, não conseguimos encontrar condições privadas que a fundamentem. Dessa forma em nossos juízos estéticos, Kant nos indica que tratamos a beleza como se ela fosse uma qualidade do objeto e a respectiva complacência como se fosse universalmente sentida (sentimento) por qualquer um frente a um tal objeto. E assim, de modo diferente de outros tipos de juízos que se fundamentam em conceitos, o juízo estético, como é fundado no sentimento de prazer ou desprazer, não se fundamenta em conceitos, pois não há ligação entre esse sentimento e qualquer conceito que possamos formar.

(A) Comparando o belo com o agradável, Kant indica que este último, por ser um gosto dos sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato), tem fundamento privado e, portanto, é particular. Contrariamente, o belo, por ser considerado uma propriedade da coisa, exige o assentimento de todos ao juízo estético e é, portanto, universal. (B) Comparando o belo com o bom, Kant nos indica que aquilo que dizemos que é bom é universal, pois é falado como se exigisse a complacência de todos, como se fosse uma propriedade daquilo que chamamos de bom. Essa é uma característica compartilhada com o belo: a pretensão à universalidade. Contudo, o belo e o bom também diferem: enquanto o próprio objeto que chamamos de bom é um conceito, o belo, como foi dito, apraz sem conceitos.

Se não existisse a reivindicação de validade universal dos juízos de gosto da reflexão (sobre a beleza), tomaríamos tudo que é belo como sendo agradável (juízo de gosto dos sentidos). E se o juízo de gosto tivesse conceito, tudo que tomamos como belo seria tomado como bom. Contudo, não é isso que ocorre. Esta validade universal não é lógica, pois não se baseia em conceitos de objetos e não se refere à faculdade de conhecimento. Ela se refere ao sentimento de prazer ou desprazer do sujeito; e, portanto, é subjetiva. A validade objetiva (ou seja, lógica) é também subjetiva, pois vale tanto para o conceito (objetiva), quanto para aquele que representa um objeto por meio do conceito (subjetiva). Porém, da validade de um juízo de gosto sobre o belo não podemos chegar à validade objetiva, pois este tipo de juízo não remete a um conhecimento do objeto, mas apenas a um sentimento do sujeito. Aqui cabe explicar que, com relação à quantidade lógica, o juízo de gosto estético é singular, pois ele trata do sentimento de prazer ou desprazer advindo do contato com um objeto particular. O quê difere da quantidade estética, que indica que o juízo é válido universalmente. A quantidade lógica singular difere o juízo sobre o belo do juízo sobre o bom, e a quantidade estética universal distingue o juízo sobre o belo do juízo sobre o agradável. Como não é possível dar justificativas para um juízo de gosto, pois não se fundamenta em conceitos, Kant postula uma voz universal. Esta seria como o padrão, donde surge a possibilidade da pretensão de universalidade dos juízos sobre o belo e a possibilidade de falarmos de juízos estéticos certos e errados – bom e mau gosto.

Se o sentimento precedesse o ajuizamento do belo e, assim, este último fosse apenas a comunicabilidade universal de um sentimento, este juízo não seria diferente do juízo de gosto dos sentidos, pois fundamentá-lo em algo privado tiraria sua possibilidade de pretensão à universalidade. Por isso e por não haver um conceito do objeto para ser comunicado, essa capacidade de comunicação comunica o estado de ânimo, fundamenta o juízo de gosto e precede o sentimento de prazer.

Explicação do Belo inferida do Segundo Momento

Belo é o que apraz universalmente sem conceito.


III Terceiro Momento do Juízo de Gosto: segundo a Relação dos Fins que nele é considerada

O quê nos permite formular conceitos dos objetos é o fato de eles se apresentarem como ordenados conforme a representação de uma regra. E o fundamento da possibilidade de considerarmos algo como um certo objeto é o conceito. Portanto, o fim (finalidade) é o objeto indicado pelo conceito. No caso do juízo de gosto, como ele é sem conceito por se referir ao sentimento de prazer ou desprazer desinteressado na representação de um objeto, o belo é considerado conforme a fins sem fim. Isto significa dizer que não há finalidade (sem fim) na representação do objeto do juízo de gosto, pois ele é representado sem conceitos. Contudo, a forma representada do objeto parece que foi feita conforme a representação de uma regra, o quê parece como que ordenado por uma vontade. No caso de algo com conceito, a regra que rege a forma é objetiva. E no caso de algo sem conceito, como o belo, não há regra que seja objetivamente constatável. Mesmo assim, parece haver uma regra que permite a possibilidade da harmonia entre a forma do objeto particular do juízo de gosto e a regra universal indeterminada que rege sua forma. Portanto, quando sentimos a complacência desinteressada na representação de um objeto, estamos percebendo a harmonia entre a forma da representação de um objeto e a lei universal que rege essa forma, estamos percebendo a conformidade a fins que, pela falta de conceitos, é sem fim.

Se o fundamento da complacência sentida fosse uma finalidade subjetiva, o juízo se tornaria interessado e, portanto, não seria um juízo do belo, e sim do agradável. Como o juízo do belo não pode ter conceito e se funda na relação das faculdades de representação do sujeito (e não em algo do objeto), pois se não estaria ligado ao interesse, também não é possível pensar numa finalidade objetiva para ele. Apenas a conformidade a fins subjetiva, por não pedir finalidade alguma, pode fundamentar os juízos de gosto, pois só assim podemos representar objetos sem qualquer fim. E como o sentimento ocorre na representação do objeto, dizemos que o objeto tem a forma conforme a fins.

Explicação do Belo deduzida deste Terceiro Momento

Beleza é a forma da conformidade a fins de um objeto, na medida em que ela é percebida nele sem a representação de um fim.


IV Quarto Momento do Juízo de Gosto: segundo a Modalidade da Complacência no Objeto

O juízo estético é de uma certa modalidade, a saber, ele é exemplar, pois não podemos deduzi-lo de conceitos (já que o belo é sem conceito). Isto significa que a necessidade de complacência de um juízo estético é uma necessidade do assentimento de todos a um juízo que exemplifica uma regra universal que não podemos indicar, podemos apenas exemplificar.

Ajuizar que algo é belo é imputar para todos o dever de também considerá-lo belo. Como ele não é nenhum juízo que possa ser realizado a priori, dados são requeridos para que possamos ajuizar; e, por isso, o juízo do belo só é expresso condicionalmente.

O juízo de gosto possui possui um princípio subjetivo que determina através de sentimento, de modo universalmente válido, o quê apraz e o que não apraz. Kant afirma que há um princípio, pois se não houvesse, ninguém teria a idéia da necessidade do mesmo; e ele afirma que o princípio é subjetivo, pois se fosse objetivo, poderíamos reivindicar a necessidade de um juízo de gosto de acordo com um princípio determinado (o que não é o caso). E este princípio subjetivo deve ser o sentido comum, que é condição necessária para que haja a comunicabilidade universal do sentimento.

A possibilidade de ser comunicado universalmente é uma condição subjetiva do conhecer, que serve para que alcancemos a concordância do juízo, do conhecimento e do sentimento com o objeto. E essa comunicabilidade universal do sentimento pressupõe um sentido comum, por isso podemos com razão supô-lo.

Como um juízo de gosto imputa o assentimento universal, ele imputa um dever (o de assentir ao juízo de gosto feito sobre o objeto); e, por isso, o sentido comum pressuposto não pode ser fundado na experiência. Assim, o juízo, por exemplificar uma regra indeterminada (o seja, por exemplificar a aplicação de um princípio) de sentido comum, torna-se norma para qualquer um; e, conquanto pensamos que estamos certos, agimos com essa regra subjetiva como se fosse um princípio objetivo (o que nos é indicado pela exigência do assentimento universal).

Explicação do Belo inferida do Quarto Momento

Belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacência necessária.
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