segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Black Mirror - Feixe Temporal




O filme recente da Netflix “Black Mirror: Bandersnatch” lançado em dezembro de 2018 traz uma interatividade para os usuários da plataforma. Isso significa dizer que em determinados momentos do filme os usuários são convidados a “escolher” entre duas alternativas o que irá fazer o personagem principal. Tal interatividade permite que o filme tenha finais diferentes dependendo da escolha que se faz. O filme trata de um jovem programador que adapta um romance de fantasia ao videogame durante os anos de 1980. Através de escolhas sempre binárias, o filme caminha para novos rumos.
Vivemos em uma realidade temporal que chamamos de nossa e a presentificamos em nossas mentes. O passado dessa realidade é memória e o futuro a ordem posterior dos acontecimentos. A esse ente que atravessa essa realidade temporal chamamos de ‘eu’, isto é, uma unidade psíquica conhecida também como ‘indivíduo’. O que aconteceria se pudéssemos colocar, ao invés de uma, múltiplas realidades temporais? Teríamos inúmeras possibilidades para esse eu, de modo que ele não poderia mais ser chamado de indivíduo, já que não mais seria uno. Esses múltiplos ‘eus’ compõem um feixe temporal. Se pudéssemos, em hipótese, partir do centro desse feixe para qualquer uma das direções teríamos diante (atrás, do lado, em cima, etc.) inúmeras possibilidades que nunca esgotariam a novidade existente do mundo. Estaria o eu nascendo a cada momento para a eterna novidade do mundo. Tomar uma nova direção é escolher um outro caminho em que novas experiências nos abririam e uma realidade temporal diferente da anterior nos seria possível. O que esperar dessa realidade? Impossível dizer, mas com certeza algo totalmente inesperado.
Parecer ser com isso que o filme “Black Mirror” parece jogar, ao permitir que o personagem principal possa “viver” múltiplas realidades, experimentando cada uma das suas possibilidades e, dessa forma, permitir que aqueles que assistem o filme possam acompanhar essas mudanças dando-lhes uma sensação de que eles pode, de fato, mudar o destino do personagem. Falo aqui em “dar uma sensação de que se pode mudar o destino” porque o próprio filme deixa claro que essa possibilidade não existe. Em um determinado momento o personagem principal do filme confessa que ele apenas deixa com que os usuários de seu jogo pensem que podem escolher, mas o final quem determina é ele. Essa proposta nos leva a uma profunda reflexão sobre o que somos. Somos apenas uma única realidade fadada ao mesmo destino independe das escolhas que fazemos, ou somos uma existência (ou seriam existências?) ainda inexplorada, presos a uma única realidade temporal que nos faz indizíveis todas as outras possíveis realidades? Que seria de nós se nos arriscássemos a viver algo novo, realmente estrangeiro, que nos viesse visitar e nos levar toda a nossa tranquilidade, toda a comodidade que nos cerca? Provavelmente sentiríamos tamanho incômodo que iríamos querer que o estrangeiro fosse logo embora e nos abandonasse para que pudéssemos novamente viver ‘em paz’. Mas a que preço? Por que devemos estar presos sempre ao mesmo, sem explorar as diversas realidades que nos apresenta a vida? Quão perspicaz é o prisioneiro de Poe em “O Poço e o Pêndulo” que explora cada detalhe de sua cela, mesmo que isso signifique arriscar sua vida. Nós, que não somos prisioneiros, vivemos presos aos mesmos hábitos, aos mesmos gostos, aos mesmos caminhos... Não deveríamos dar uma oportunidade para a vida e a gama de possibilidades que essa nos pode apresentar?

(Luiz Maurício Bentim)