sábado, 8 de dezembro de 2018

Sobre o Homem Absurdo


Sobre o homem absurdo

Continuando o assunto da coluna passada sobre “O Mito de Sísifo” de Albert Camus, retomamos a problemática do homem absurdo. A obra abre com uma questão de suma importância, uma questão que, segundo Camus, seria a primeira de todas as questões filosóficas: devemos optar pela vida? Ou, trazendo para o pessoal, pois se trata de uma questão em que cada um deve se esforçar para responder: devo eu me suicidar ou optar pela vida? E por que seria essa a questão fundamental? Porque se não vale a pena viver, então nada mais deve ser vivido, nenhuma questão, experiência ou pensamento.  Desse modo, responder a questão sobre a própria vida é a primeira coisa a ser feito, já que todo o resto decorre disso.
Para responder a questão, Camus invoca o sentimento do absurdo. Tal sentimento seria do homem que se espanta perante o mundo e não encontra significado para este ao usar de sua própria razão. A razão é o limite para toda experimentação do mundo e nada poderia explicar além disso. Dessa forma, dentro do âmbito da própria razão o mundo se torna algo inexplicável e o homem deslocado nesse mundo. O homem capaz de fazer isso, de ter essa consciência de si e do mundo é o homem absurdo. O mundo não tem qualquer sentido e tentar significa-lo é ir para além dos limites da razão. O suicídio seria uma forma de dar explicação ao mundo cessando com a própria vida. Desse modo se encontraria o termo para a vida e uma finalidade para sua ação. Mas não é esse o caminho que Camus propõe em sua obra, mas a vida, pois é preciso se manter o sentimento absurdo: “viver é fazer viver o absurdo. Fazê-lo viver é, antes de tudo, encará-lo. Ao contrário de Eurídice, o absurdo só morre quando alguém se desvia dele. Assim, uma das únicas posições filosóficas coerentes é a revolta. Ela é um confronto permanente do homem com sua própria obscuridade. É exigência de uma impossível transparência. E, a cada segundo, questiona o mundo de novo”.
A tarefa de Sísifo não é menos absurda que qualquer outra existência. O homem absurdo é aquele que tem consciência da sua própria condição no mundo e da ausência de significado em suas ações. Ele vive, portanto, sua plena liberdade no agora ou, como diria um leitor, “fazer uso da vida enquanto vida”, aproveitando ao máximo a sua existência que se faz no tempo. Para Camus, não há qualquer sentido antes ou depois da morte, mas é por isso mesmo que se deve viver. Viver é fazer viver o absurdo. Pouco importa um sentido. Isso está para além de todo possível e não passa de uma fuga em um algo que não podemos significar. Está fora dos limites da razão e não é esse o caminho proposto para o homem absurdo. Eis a importância da revolta. A revolta é quando o homem se mantém em conflito com o próprio desejo que há em ceder ao impulso de fazer um salto e sair dos limites da experiência em busca de algo além à própria razão, dando sentido para o que não há, significando o que a razão não pode significar. Como nos diz Camus: “o absurdo me esclarece sobre esse ponto: não há o dia de amanhã. Eis, daqui em diante, a razão da minha liberdade profunda”. Assim como não há o dia de amanhã e se deve viver o agora, também não há o além e, por isso, se deve viver dentro dos limites do possível sem especular sobre algo que não podemos vivenciar no mundo, pois este foi feito para ser experimentado e não significado. Desse modo, o eu que narra a si mesmo faz das suas ações a sua própria existência.