quinta-feira, 17 de setembro de 2020

O Prometeu de Rousseau: entre as ciências e as artes

 


O Prometeu de Rousseau: entre as ciências e as artes

Em 1749, ao olhar um exemplar do “Mercure de France”, Rousseau irá se deparar com uma notícia sobre o concurso promovido pela academia de Dijon. Os interessados deveriam escrever sobre o seguinte tema: “se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper ou apurar os costumes”. Nascia assim o “Discurso sobre as ciências e as artes” em que Rousseau responderia negativamente a questão, defendendo que o avanço das ciências e das artes levou à corrupção da moral e da virtude. Sua resposta lhe concederia o primeiro lugar no concurso da academia de Dijon.

Para Rousseau, “se a cultura das ciências é prejudicial às qualidades guerreiras, ainda o é mais às qualidades morais. Já desde os primeiros anos, uma educação insensata orna o nosso espírito e corrompe nosso julgamento”. Em pouco tempo, Rousseau alcançará a fama com o seu discurso, recebendo, inclusive, várias críticas ao que ele teria escrito. Isso levou Rousseau a ter mais uma vez que escrever para responder essas críticas. Em uma de suas respostas ele irá finalizar sua carta da seguinte maneira:

 

“Acreditaria ter magoado meus leitores, tratando-os como crianças, ao interpretar-lhes que o facho de Prometeu é o das ciências, feito para incentivar os grandes gênios, que o sátiro que, vendo o fogo pela primeira vez, corre a ele e quer agarrá-lo, representa os homens vulgares que, seduzidos pelo brilho das letras, se entregam temerariamente ao estudo; e que o Prometeu, que grita e o adverte do perigo, é o cidadão de Genebra. Essa alegoria é justa e bela, ouso considerá-la sublime”.


Prometeu, como já falamos antes em outras tantas postagens desse blog, é o Titã que teria roubado o fogo e as artes dos deuses para dar aos homens. Como pena por tal feito ele foi condenado a ficar eternamente acorrentado nas montanhas do Cáucaso. O Prometeu de Rousseau não nega as artes aos homens, mas os adverte do mau uso destas e procura indicar em sua alegoria que nem sempre o progresso da ciência e das artes leva necessariamente para um mundo melhor. Muitas vezes a configuração de mundo que temos é a deterioração dos costumes, a deturpação da moral e a anulação da virtude. Sendo assim, Rousseau apresenta uma crítica ao progresso destas de maneira desmedida. Prometeu deu as artes aos homens para que eles pudessem melhorar as suas capacidades e se harmonizar com a natureza, pois, do contrário, não teria equivalência entre as habilidades dos animais e a fragilidade do ser humano. No entanto, o humano se utilizou das suas capacidades adquiridas pelas artes não para estabelecer a harmonia, mas para dominar a natureza em absoluto. Isso o fez achar que poderia controlar os animais e destruir a natureza com a sua ciência e o seu fogo artificial.

Hoje, quase 300 anos depois da escrita desse discurso de Rousseau, podemos olhar para onde o progresso nos levou. A plena desarmonia que nos encontramos, a instabilidade social e o rastro de destruição que deixamos na natureza. No Brasil, estamos acabando com a flora e com a fauna através das intermitentes queimadas feitas para a expansão do agronegócio. O Pantanal segue em chamas e o descaso para combater os incêndios afeta de maneira irreversível o ecossistema do lugar. Com isso, estamos perdendo um bioma único em todo planeta. E, dentre vários fatores para as causas do incêndio, há um que impera sobre todos os outro: a ganância incessante que marca o modo de produção capitalista. Enquanto o lucro falar mais alto que o cuidado e o respeito com os outros seres, nunca poderemos ter harmonia dos humanos com a natureza.

Luiz Maurício Bentim da Rocha Menezes