sábado, 2 de março de 2019

Tempos de Borboleta I



Tempos de Borboleta I


"E tudo o que se sente directamente traz palavras suas"
- Alberto Caeiro

Quando paramos para refletir sobre o nosso tempo, os “tempos modernos”, nos perguntamos se ele pode vir a ser melhor, se há possibilidade de transformação e acontecimentos novos. Se um dia o homem que se aprisionou na máquina virá a sair dessa condição. Esse tempo por vir é o que chamarei de “tempos de borboleta”. Para explicar melhor em que consiste os tempos de borboleta, cito uma passagem de Ciro Marcondes Filho em sua obra “O rosto e a máquina”:

Assim, o ‘isso’ pode tornar-se um ‘tu’. Ele é como uma crisálida, diz Buber, de onde por surgir uma ‘borboleta’. Em termos de comunicação, quando encontramos alguém e o saudamos com formas desgastadas como “Olá!”, “Tudo bem?”, estaremos nos relacionando com essa pessoa da maneira eu-isso. Em nossa terminologia, não estaremos nos comunicando, apenas trocando sinais.


Em uma sociedade de massa que utiliza os mesmos meios, passam pelos mesmos lugares, compram as mesmas coisas e vibram as mesmas festividades, pouco se comunica. As pessoas pronunciam-se apenas pela repetição, sempre as mesmas falas, tornam-se mudas, cegas e surdas, fechadas num mundinho só, incomunicáveis. A solidão existente de uma pessoa, cercada por diversas outras solidões, numa completa incomunicabilidade entre elas. Como nos mostra Gabriel García Márquez em seu livro Cem Anos de Solidão, a solidão está nas diversas relações entre os homens sejam elas de amor, ódio, paixão ou amizade. Ela está presente até mesmo quando parecemos rodeados por várias pessoas, numa verdadeira solidão partilhada. Pois a comunicação não é algo facilmente realizável, ela exige situações particulares, talvez até mesmo íntimas, de captar (e sentir), aquilo que o outro tenta nos transmitir.
Além do ‘eu’ há o ‘tu’. É através do tu que o eu pode vir a encarar o mundo, pois o ‘tu’ mostra ao ‘eu’ que não se está sozinho, mas que há algo além que está no mundo. Através do olhar do outro o ‘eu’ se faz presente no aqui e no agora. Há muito ruído na comunicação hodierna, as pessoas vivem presas em seus casulos internos sem conseguir interagir realmente com o exterior que é o mundo. Presos no solipsismo cartesiano do ‘cogito’, termina-se a existência como prisioneiros de si mesmos. O ‘tu’ é a possibilidade da relação, do encontro com o outro, da abertura para a novidade. É a o sair do casulo como uma borboleta, pronto para conhecer as possibilidades reais da comunicação, pronto para ser livre. Mas para que isso aconteça, é preciso também um esforço comunicativo.
Tempos de borboleta são tempos vindouros, tempos que aguardamos para a construção de um mundo melhor e diferente. Quando iremos olhar para o outro que está ao nosso lado e querer realmente comunicar-se com ele, querer sair de si mesmo para realmente se dizer algo, ter o outro não somente em seu olhar, mas também no seu sentir. De maneira que eu entre no tu e o tu entre no eu: quando a mensagem se torna uma manifestação do sentir. E é por isso que esse é um tempo por vir, que não está aqui agora.