domingo, 10 de dezembro de 2017

Prometeu e a aporía humana




Prometeu e a aporía humana
Luiz Maurício B. R. Menezes





Conta-nos o mito grego que Zeus teria encarregado os irmãos Epimeteu e Prometeu de distribuir as capacidades dos seres vivos antes de sua gênese no mundo. Epimeteu pediu a Prometeu que ele próprio ficasse incumbido da distribuição e que Prometeu depois iria conferir o seu trabalho. E no procedimento de distribuição, Epimeteu conferiu a algumas criaturas a força, a outras, velocidade, a alguns, garras, a outros, asas e, assim por diante, ele parecia distribuir adequadamente as capacidades entre os seres existentes. No entanto, não sendo muito sábio, acaba usando todas as capacidades antes que chegasse no homem. Isso leva-o a um impasse, um momento de desconforto em que ele não consegue resolver o problema que lhe está posto. Tal momento de impasse, que o próprio Epimeteu se meteu, é o que chamamos em filosofia de “aporía”.

A palavra aporía pode ser melhor entendida se for dividida no prefixo de negação “a” e a palavra “póros” que significa passagem, caminho ou recurso. Aporía seria, portanto, “sem passagem” ou “sem recurso”. Prometeu chega justamente nesse momento de aporía em que o homem estava metido pela má distribuição feita por Epimeteu e precisa resolver agora o impasse posto pelo irmão. Sem mais nenhuma capacidade para dar ao homem, Prometeu se vê obrigado a ir até a morada dos deuses para roubar-lhes o fogo e as artes e a entregá-los aos homens. Graças ao seu feito que o homem pôde sair da aporía e ser capaz de sobreviver no mundo. Prometeu, portanto, é aquele que deu o recurso ao homem acabando com a aporía posta por Epimeteu. Por esse feito, Prometeu será, depois, condenado e castigado por Zeus e será acorrentado no Cáucaso por Hefesto.
O que queremos atentar com o mito aqui exposto é para o sentido da aporía e sua importância para o filosofar. A aporía é um elemento de perplexidade que impulsiona a filosofia a buscar soluções para as suas questões, sendo um desafio imposto ao filósofo. A filosofia, já diziam os antigos, começa com o espanto, com o questionar-se sobre o mundo. Sem questão não há filosofia e toda questão leva a um impasse a ser resolvido. O homem que filosofa é um homem que se move na dificuldade de resolver uma questão, de pensar sobre os caminhos possíveis a serem percorridos no intuito de se encontrar uma resposta adequada para o impasse. No entanto, o filósofo é somente aquele que se adianta sobre o problema ou aquele que se dedica a resolver o problema, pois a aporía pertence ao próprio sentido do humano. O percurso de todo homem envolve a aporía da vida, isto é, o impasse sobre a perplexidade do mundo que nos cerca. Somos uma existência (ou seriam existências?) ainda inexplorada, presos a uma única realidade temporal que nos faz indizíveis todas as outras possíveis realidades. A aporía se encontra no escolher, no como viver, no que fazer da vida que nos foi dada. Será através do fogo da razão e do uso das artes e técnicas que o homem irá se aprimorar e avançar dentro das suas próprias capacidades e possibilidades na tentativa de se descobrir como humano, pois não há humano que possa se manter fora da dádiva que nos foi entregue.
Prometeu através da sua ação para com os homens, vem aproximar a humanidade da dádiva divina e nos permitir a abertura do caminho. Aberto o caminho, estamos livres para escolher nosso próprio percurso perante a aporía da vida.

* Esse ensaio foi publicado primeiramente na "Gazeta" do Amapá no dia 03/12/17.