Brasil, há o que Temer?
You take a mortal man,
And put him in control.
Watch him become a god,
Watch people’s heads a’roll.
- Megadeth, Symphony of Destruction
Meus heróis morreram de overdose,
Meus inimigos estão no poder!
- Cazuza, Ideologia
Sexta-feira 13! As bruxas estão soltas no Brasil, principalmente no Congresso
Nacional, depois que o “mordomo de filme de terror”[1] assumiu a presidência da República
interinamente. Como se era de esperar, a votação do impeachment da presidente
Dilma Rousseff no senado foi um verdadeiro “massacre da serra elétrica”. Claro
que todo golpe tem um preço, e o 'Jason' não vai deixar de vir cobrar do
“presidente” Michel Temer e de todos os brasileiros. O Supremo Tribunal Federal
junto com o Congresso Nacional montaram uma farsa jurídica para retirar através
de um golpe branco a presidente Dilma. Golpe branco é quando se retira um
presidente legitimamente eleito através de manobras legais, mas sem o devido
respaldo. Isso significa que a nossa democracia é falha, pois permite brechas
legais para se depor um presidente da República. Em artigo passado, avisava que
estávamos diante de um golpe patológico. O patógeno agora se torna
cada vez mais claro: é o fascismo. O fascismo está entre nós!
O ódio que ronda a população em geral nos últimos meses, desde a
deflagração do processo de impeachment, é um escândalo. Em grande parte vindo
de uma classe média que não aceita os programas sociais que permitiram aos
pobres ascenderem a uma posição social melhor e a consumirem o que antes era
exclusivo das classes mais abastadas.
Conjuntamente com as palavras de
ordem anticorrupção e antigoverno, os slogans entoados por esses “bons cidadãos”
não se destacam por seu progressismo: recriminações contra os impostos, recusa
de políticas sociais, ataques contra o ensino público – qualificado de “fábrica
de idiotas” ou de bastião marxista –, ataques contra eleitores mal informados e
manipulados pelo PT, caricaturas racistas, para não falar dos chamados à
intervenção militar...[2]
Uma classe média moralista que acha que tem mais direitos que os demais, mas que não passa de capacho da elite fascista que ronda o país, interessada
apenas em manter seus privilégios perdidos com o governo do PT. Essas duas
classes unidas marginalizam os programas sociais, taxando-os de ilusórios ou mantedores
de “vagabundos” que não querem trabalhar. Acusam o governo Dilma do aumento de
desemprego, mas obviamente aprovam as medidas propostas pelo governo Temer que
será mexer na legislação trabalhista e na previdência. Quando se desregulamenta
o trabalho, se permite que as empresas contratem sem grande ônus para si. Isso
permite que mais pessoas sejam contratadas, o desemprego abaixa, no entanto, as
garantias trabalhistas reduzem. Ou seja, temos mais trabalhos, mas sem nenhuma
garantia e segurança trabalhista. Isso nada mais é do que maquiar o problema ao
invés de resolvê-lo.
Pode-se jogar com o fascismo
de muitas maneiras, e o nome do jogo não muda. Acontece com a noção de
“fascismo” aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de “jogo”. Um
jogo pode ser ou não ser competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode
exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não.
Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma
“semelhança de família”.[3]
A democracia brasileira apresentou uma grande fragilidade quando
permitiu que uma vontade individual como a do presidente da Câmara dos
Deputados em 2015, o deputado Eduardo Cunha, aceitasse a abertura do processo
de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. No jogo pelo poder, se
encontrou uma maneira de dar o golpe, fazendo-se para isso uma aliança com uma
direita insatisfeita com os resultados das urnas em 2014, uma oligarquia
insatisfeita com a retirada de seus privilégios, a oposição golpista e
parlamentares corruptos. Dessa maneira, se permitiu o afastamento de uma presidente
legitimamente eleita, utilizando-se para isso de manobras legais, acarretando
na posse de alguém que não foi eleito senão como vice presidente da República. Há mais de dois mil anos Platão já
alertava na sua obra “A República” para a possibilidade da democracia vir a
consolidar um tirano no poder, como se pode verificar no diálogo entre Sócrates
e Gláucon:
- Porventura não é a ambição daquilo
que a democracia assinala como o bem supremo a causa de sua dissolução?
- Que bem é esse que dizes?
- A liberdade – respondi eu
[Sócrates] –. É o que ouvirás proclamar num Estado democrático como sendo a
coisa mais bela que possui, e que, por isso, quem é livre de nascimento só
nesse deve morar.
- Realmente, ouve-se muito
amiúde essa palavra.
- Ora pois – prossegui – como
eu ia dizendo há pouco, a ambição desse bem e a negligência do resto é que faz
mudar esta forma de governo e abre caminho à necessidade da tirania?
- Como?
Quando, ao que me parece, a um
Estado democrático, com sede de liberdade, se deparam maus escanções no governo
e quando se embriaga com esse vinho sem mistura para além do que convém, então põe-se a castigar os governantes, a não
ser que sejam extremamente dóceis e lhe proporcionem grande liberdade,
acusando-os de miseráveis e oligarcas.
Temer deu o golpe na democracia! Dilma, desgastada pela crise econômica
que devasta o mundo, a América Latina como um todo e não apenas o Brasil,
também sofre com a misoginia de pessoas conservadoras e machistas que não
aceitaram e não aceitam serem governados por uma mulher. Estamos no século XXI
e ainda nos confrontamos com esse tipo de posicionamento em um país ocidental.
Um total retrocesso! Principalmente quando tentam enquadrar Dilma em um perfil
simplista cunhado pela comunidade machista. Não, Dilma não é “recatada e do
lar”[5]. Dilma saiu do Planalto aos gritos de "Dilma
guerreira da nação brasileira"! A misoginia e outros tipos de preconceitos
ficaram claros em não ter uma única mulher como ministra de Temer e na extinção
e/ou fusão de diversos ministérios[6], como o "Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos"
e o "Ministério da Cultura", o que nos faz lembrar a célebre frase atribuída
a Goebbels[7] "Quando ouço falar em cultura, pego logo a
pistola". Eis o governo Temer!
Ao contrário de Dilma Rousseff que foi, com esforço, eleita presidente, Temer foi colocado
presidente por uma elite manipuladora e argentária. Agora ele terá que pagar o
preço às oligarquias existentes no país pelo benefício do golpe. Essa dívida
terá de ser paga com sangue, não dele, mas da população brasileira. As bancadas
do Boi, da Bala e da Bíblia já cobravam, antes da posse, o seu quinhão pelos
votos a favor do impeachment[8]. Mudança na demarcação das terras indígenas
para benefício do agronegócio e no Estatuto do desarmamento são apenas algumas
das mudanças exigidas. O PSDB já estuda uma adesão total ao governo Temer[9], tendo inclusive o (eterno) candidato a
presidência José Serra cotado para ministro das relações exteriores[10]. Serra inclusive se encontra na Lista de
Furnas junto com vários colegas seus do PSDB, mas isso é outra história...[11]
A elite oligarca se delicia dizendo: “Pegamos um homem mortal e o
colocamos no poder. Olharemos ele se envaidecer como um deus e a cabeça das
pessoas do povo rolarem pelo chão. Assim como o flautista que conduzia ratos
pelas ruas, nós controlaremos todos com a nossa marionete-presidente, e faremos
todos dançarem a sinfonia da destruição”[12].
Fim da democracia!
[1]Assim o senador Renan Calheiros
se refere a Michel Temer em nota. Ver: http://www.valor.com.br/politica/4361792/renan-diz-senadores-que-temer-e-mordomo-de-filme-de-terror
[2]DELCOURT, L. “Movimento contra a
corrupção ou golpe de Estado disfarçado?”. Le
Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2083
1/. Acesso em: 12 de maio de 2016.
[3] ECO, Umberto. “O fascismo
eterno”. In: ECO, Umberto. Cinco Escritos
Morais. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998, p. 41.
[4] PLATÃO. República, 562b-d. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.
Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian,2001. Grifos meus.
[5] Assim foi retratada a esposa de Michel
Temer, Marcela Temer, pela revista VEJA. Ver: LINHARES, J. "Marcela Temer: bela, recatada e do lar".
Veja. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar.
Acesso em: 12 de abril de 2016.
[6] Ver: "Ministério da Cultura
e outras pastas são extintas em reforma ministerial de Temer". ZHPolítica. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2016/05/ministerio-da-cultura-e-outras-pastas-sao-extintas-em-reforma-ministerial-de-temer-5800482.html.
Acesso em: 13 de abril de 2016. Para a edição do Diário Oficial, ver: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=12/05/2016
&jornal=1000&pagina=3&totalArquivos=10
[7] Joseph Goebbels foi ministro da propaganda de Hitler
na Alemanha Nazista.
[8]HUPSEL FILHO, V.; GADELHA, I.
“Bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi pressionam Temer”. Estadão. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bancadasdabaladabibliaedoboipressionamtemer,
10000027834.
Acesso em: 25 de abril de 2016.
[9] BOMBIG, A.; VENCESLAU, P.;
GADELHA, I.; BRITO, R.; NOSSA, L. “PSDB já negocia adesão total a
governoTemer”. Estadão. Disponível
em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,psdbjanegociaadesaototal
agovernotemer,10000028274.
Acesso em: 27 de abril de 2016.
[10] “Os ministros de Temer”. G1. Acesso em: 12 de abril de 2016.
[11] A “Lista de Furnas” é um
documento sobre um suposto esquema de caixa dois nas eleições de 2002, cuja
autenticidade está sob investigação da Polícia Federal, é essencialmente uma
lista tucana. Ver: AMORIM, P.H. “Lista de Furnas é a Lista dos Golpistas”. Conversa Afiada. Disponível em:
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/listadefurnasealistadosgolpistas.
Acesso em: 02 de maio de 2016.
[12] A tradução da música "Symphony
of Destruction" do Megadeth não é literal, mas adaptada.