sábado, 18 de fevereiro de 2012

Filosofia com Crianças: A Caixa da Vida


Este é um dos exercícios de Filosofia com Crianças, dentro da CAIXA DE PANDORA (projecto Filósofos a Brincar). Gostaria de ter o vosso feedback caso o experimentem com os vosso alunos. 

Apresente um feedback, conheça o autor e o texto original aqui (fonte): http://filosofiacritica.wordpress.com/2012/02/18/filosofia-com-criancas-a-caixa-da-vida/

PROJECTO FILÓSOFOS A BRINCAR

Uma actividade que ocupa muito do tempo dos filósofos profissionais é a procura dos critérios que regem o uso dos nossos conceitos. Ou seja, tentar perceber o que nos leva a dizer que algo é “arte”, “belo”, “justo”, “bom”, “corajoso”, etc. O que aqui propomos é um exercício de Filosofia com Crianças e Jovens onde se faz uma análise conceptual do conceito de “Vida” ao mesmo tempo que tentamos descobrir os critérios que os alunos utilizam para considerar algo “vivo. Compreendendo bem a estrutura deste exercício e os seus objectivos facilmente o poderemos adaptar de modo a ser realizado com qualquer conceito filosófico (ver em baixo).

Para fazermos este trabalho de descoberta e análise conceptual com os nossos alunos é muito útil começarmos por lhes apresentar quatro tipos de casos mais ou menos ligados ao conceito que queremos analisar: casos óbvios, casos opostos, casos absurdos e casos fronteira. As razões e explicações que os alunos avançarem para enquadrar cada um destes casos (dos mais óbvios aos mais problemáticos) revelarão facilmente os critérios utilizados para os considerar dentro ou fora do conceito analisado. Por exemplo, se estivermos a analisar o conceito de “arte” um caso óbvio seria a estátua O Pensador de Rodin, algo que é consensualmente considerado “arte”. Já um caso oposto poderá ser algo que consensualmente se considere contrário ou muito afastado de “arte” como, por hipótese, uma réplica exacta de O Pensador esculpida pelo vento. Um caso absurdo, por sua vez, será algo que é completamente disparatado considerar como pertencente ao conceito em causa, como um espirro, ou um soluço.

Ao desafiarmos os nossos alunos para uma análise conceptual é sempre bom começar com os casos onde seja mais fácil identificar sua pertença ou não pertença ao conceito em análise (casos óbvios, opostos e absurdos). Dessa forma os alunos começam imediatamente por encontrar aqueles critérios que normalmente usam para reconhecer determinado conceito .

Em relação aos casos propostos os alunos poderão dizer que “algo é arte se for feito pelo homem.” Aqui o critério de “feito pelo homem” elimina a “réplica de O Pensador esculpida pelo vento”. Outro seria o critério encontrado na frase “algo é arte se for feito com a intenção de ser arte”. Aqui o critério de intenção artística eliminaria o espirro e o soluço de “casos de arte”.

Depois de termos uma lista considerável de critérios mais comuns poderemos avançar para casos fronteira, aqueles casos que não sabemos muito bem se cabem ou não cabem dentro do conceito analisado. Um desenho de uma criança de 5 anos é arte? Um urinol num museu é arte? Uma colmeia, é arte? Um Ser Humano pode ser uma obra de arte? E um incêndio?

Ao levar os nossos alunos a percorrer um vasto leque de casos (fronteira, óbvios, opostos e absurdos) fazemos com que identifiquem e distingam uma série de outros conceitos associados e pensem sobre o uso que fazem deles em diferentes contextos. Dessa forma ganharão melhor compreensão do conceito que pretendemos analisar.


Prática

Exercício: “Caixa da Vida”*

1 – Desenhar no quadro três quadrados que representam três caixas com os seguintes nomes:

Vida - caixa das coisas vivas,

Não Vida - caixa das coisas não vivas

e

? - caixa das coisas indeterminadas, ou seja, daqueles casos que o grupo ainda duvida se é algo vivo ou não vivo.

2 – Juntar os alunos em pequenos grupos.

3 – Distribuir por cada grupo três ou quatro casos variados: óbvios, opostos, absurdos e fronteira.

Sugestões de casos: uma cenoura; um fio de cabelo; um cão; o vento; uma pedra; um tijolo; uma posta de peixe; unhas; um ovo quase a chocar; o sol; uma semente; ideias; um ovo cozido; o Universo.

(no caso de alguns conceitos como Justiça, Coragem, Amizade, etc. devemos pensar em episódios e não em objectos para sugerir aos alunos).

4 – Cada grupo discute entre si em que caixa deve colocar cada “caso”: Vida, Não Vida ou ?

5 – Abre-se o diálogo ao grupo todo e ouvem-se as razões que cada aluno avança para colocar cada “caso” na respectiva caixa.

6 – Pedir ao grupo para identificar o critério (palavra-chave) em cada uma das razões apresentadas. Escrever os critérios no quadro. (“Deve ir para a caixa da Vida porque tem “movimento” ou “Deve ir para a caixa da Não vida pois foi feito pelo homem”).

7 – Nesta fase devemos abstrair-nos dos casos concretos e centrar o diálogo nas críticas e contra-exemplos que os alunos vão fazendo aos critérios sugeridos pelos seus colegas. Nesta altura devemos cultivar a dialéctica entre os alunos perguntando “Quem concorda e quem discorda” com os critérios apresentados e “porquê”? Este é o momento por excelência do diálogo filosófico em que as diferenças de opinião são reconhecidas e respeitadas como tal. Deve-se evitar a tendência (tão absurda quanto estranha) que muitos professores têm para forçar um consenso entre os alunos, como se todos os alunos tivessem de pensar da mesma maneira (que, curiosamente, costuma ser a maneira como o professor pensa).

Em relação a este exercício específico em que se discute o conceito de “vida” os alunos poderão eventualmente sugerir que o “movimento” é um bom critério para algo ser considerado “Vivo” e, por outro lado, “ser feito pelo homem” é um bom critério para algo ser considerado “Não Vivo”. O professor deve evitar pensar pelos seus alunos (resumir, sintetizar, concluir, facilitar a resposta, etc.) no entanto se depois de algum tempo que lhes é dado para pensar os alunos não forem capazes de produzir alguma crítica ou contra-exemplo aos critérios sugeridos o professor poderá espicaçar um pouco o diálogo e perguntar se “tudo o que tem movimento é vivo?”, ou se “não há coisas vivas que foram feitas pelo homem?”

8 – Pergunta de Síntese: O que é estar Vivo? (os alunos deverão responder a esta pergunta individualmente e por escrito.)

* Existem muitos outros conceitos interessantes para trabalhar recorrendo a esta mesma estrutura das três caixas. Aqui ficam algumas sugestões: beleza, arte, bem, mal, amizade, existência, realidade, inteligência, violência, liberdade, amizade, inveja, justiça, bom aluno, racismo e coragem.

Por exemplo, para analisar o conceito de Justiça podemos usar a mesma estrutura do exercício “A Caixa da Vida” mas agora com uma caixa para o Justo outra para o Não Justo e outra para os casos indeterminados (?). É, no entanto, necessário modificar os casos apresentados. Em vez de objectos ou seres o professor deve sugerir aos alunos episódios (reais ou fictícios) de alguma forma relacionados com a Justiça tendo os alunos que apresentar as razões para os colocarem numa das três caixas.

Nota: Independentemente do conceito analisado pelo grupo é sempre muito importante que os alunos tenham a oportunidade de pensar sobre os quatro tipos de episódios mencionados: óbvios, opostos, absurdos e fronteira. Dessa forma a compreensão que terão do conceito em causa será sempre gradual e aproximativa.