domingo, 17 de abril de 2011

Os argumentos do desígnio


Os argumentos do desígnio partem da complexidade intrincada das relações entre as partes do universo, para concluir que seja o que for que produziu o universo, tem de provavelmente ser um ser inteligente. Eles dividem-se em dois tipos, de acordo com o tipo de objetos que exemplifica essa complexidade intrincada de relações: (I) no argumento do desígnio antigo, são os sistemas teleológicos naturais e, (II) no argumento novo, são as constantes fundamentais. Um sistema teleológico é um sistema composto de partes, tais que estas se encontram dispostas de tal modo que funcionam conjuntamente, sob condições adequadas, para servir a uma finalidade. E as constantes fundamentais são as constantes das leis da natureza que fundamentam o fato de todas as coisas existirem da forma que existem e não de outras.

O argumento do desígnio antigo é o seguinte argumento por analogia:


(1) As máquinas são produzidas por desígnios inteligentes.
(2) O universo se assemelha a uma máquina.
(3) Logo, provavelmente, o universo foi produzido por desígnio inteligente.

A objeção de Hume (Rowe, p. 50) com relação a esse argumento é que não conhecemos o universo todo e, portanto, não podemos saber a premissa 2 (o argumento reformulado mais a frente evita essa objeção). Mas, mesmo que aceitemos a tese do desígnio inteligente, ela não nos dará base adequada para asserir a existência do Deus teísta. Pois, dada a analogia com as máquinas e seus criadores, podemos estendê-la para inferir muitas qualidades que Deus deveria ter, e que o Deus teísta não tem, como a imperfeição, a existência de muitos criadores, a semelhança de tipo de materialidade do criador em relação aquilo criado, a quantidade não infinita e não máxima de bondade e sabedoria dos criadores etc.

Além disso, usar esse argumento por analogia exige que respondamos certas questões: (I) Em função de que características é dito que o nosso universo se assemelha a uma máquina? (II) Essas características são relevantes para a questão de se o universo surgiu ou não por desígnio inteligente? A primeira questão já está respondida: na natureza existem sistemas teleológicos e máquinas são sistemas teleológicos. A objeção é justamente que o fato de algumas partes da natureza serem sistemas teleológicos não implica que o universo como um todo seja um sistema teleológico. Tal objeção foi o que fez o defensor do argumento do desígnio reformular seu argumento para:

(1) As máquinas são produzidas por desígnio inteligente.
(2) Muitas partes naturais do universo assemelham-se a máquinas.
(3) Logo, provavelmente, o universo (ou pelo menos muitas de suas partes naturais) foi produzido por desígnio inteligente.

A pergunta, então, ao teísta seria: qual a relevância da semelhança entre o universo e as máquinas para a resposta de se o universo foi criado ou não por desígnio inteligente? E ele responderia que ser produzido por desígnio inteligente explica o fato de máquinas serem sistemas teleológicos. Assim, o desígnio inteligente explicaria o fato de existirem sistemas teleológicos naturais. A objeção mais conhecida a isso é que a teoria da evolução e seleção natural de Darwin é uma alternativa plausível à tese do desígnio inteligente para explicar a existência de sistemas teleológicos naturais.

Mas o que o teísta argumenta é que a seleção natural não consegue explicar a complexidade dos seres vivos que habitam o nosso planeta, pois não consegue explicar os sistemas biológicos que são irredutivelmente complexos ao nível molecular. Sistemas irredutivelmente complexos são aqueles que não podem funcionar a não ser que todas as suas partes estejam presentes e adequadamente conectadas. A teoria da evolução deveria ser apta a explicar a complexidade irredutível de uma célula viva, diria o teísta. Porém, o darwinista pensa que não há boas razões para pensarmos que não podemos explicar tais sistemas. Na verdade, podemos; e é isso que Darwin faz ao dar uma explicação evolucionista de um sistema irredutivelmente complexo tal qual o olho humano.

Por sua vez, o argumento do desígnio novo abandona a analogia dos sistemas teleológicos e diz que é uma possibilidade remota que as constantes fundamentais do nosso universo sejam tais que permitam a existência de vidas humanas. Portanto, é mais provável que elas tenham sido escolhidas por um desígnio inteligente. Um dos grandes defensores dessa versão é Swinburne (1998, cap. 4). Ele parte dos fatos de que muitas coisas se comportam da mesma forma e de que existe muita complexidade nos seres vivos, e se pergunta sobre a causa disso. Ele assume que as ciências podem explicar certos poderes particulares em termos de poderes mais gerais, mas nega que as ciências possam alcançar a explicação última de porque as coisas têm os poderes que têm: o materialista pararia na afirmação de que os quarks têm poderes e possibilidades semelhantes, enquanto o teísta poderia continuar essa explicação, dizendo que a razão pela qual os quarks têm os mesmos poderes e as coisas se relacionam da forma que se relacionam é que o Deus teísta as fez assim.

Swinburne acredita que o teísta poderia argumentar dessa forma, pois ele pensa que a hipótese que assere que o Deus teísta existe e criou as constantes fundamentais é a melhor hipótese para explicar o fato de existir semelhança e ordem no mundo.1 Ele pensa que um Deus onipotente e sumamente bom explicaria a ordem e faria um mundo com pessoas humanas, dado que isso é bom e que ele teria poder para isso. Swinburne assume que isso é bom porque humanos têm pensamentos, escolhas, experiências, aquisição de conhecimento, aperfeiçoamento moral, o que para ele são coisas intrinsecamente boas, e assume que a ordem é bela e que a beleza é boa. Embora todas essas pressuposições sejam um tanto questionáveis, vale a pena continuar a exposição e a avaliação da tese de Swinburne para observarmos como ela se desenvolve.

Além disso, um Deus teísta também explicaria, segundo o próprio Swinburne, o fato de conseguirmos captar as leis naturais em nosso aparelho cognitivo, já que é pelo menos logicamente possível que existam leis naturais e que exista algum aparelho cognitivo não apto a captá-las. O Deus teísta de Swinburne garantiria a nossa capacidade de apreender as leis naturais. Swinburne aceita Darwin, mas diferentemente ele pensa que o acaso não produziria tanta ordem; ele acredita que Darwin, sem o teísmo, não consegue explicar porque as constantes fundamentais são tais como o são – dado que se elas fossem um pouco diferentes, não haveria vida no universo.

Contrariamente, segundo Swinburne, a hipótese teísta consegue. Dessa forma, se é necessário algo para explicar as constantes fundamentais, então quanto mais simples for tal entidade postulada, melhor para a teoria. E, segundo Swinburne, Deus é um ser simples – o que faria a hipótese teísta ser melhor para explicar a ordem do mundo do que hipóteses que postulam a existência de seres complexos. As maiores críticas a isso são:

(I) Deus não é um ser simples, pois se tem nossas características em nível máximo ou infinito, então ele deve ser complexo, já que somos complexos;
(II) Deus explica o mesmo que as leis da natureza explicam;
(III) Só temos conhecimento de quem é o criador (Deus), mas não temos o conhecimento do processo causal de criação (como Deus criou o mundo), que é o que seria relevante para uma real explicação da ordem e da semelhança.

É possível também falar contra o desígnio inteligente ao apelarmos para a tese da multiplicidade dos mundos. Esta diz que, se tivessem existido vários Big-Bangs, ou se houvesse vários universos ou espaço-tempos simultaneamente em existência, todos contendo diferentes constantes, o nosso mundo não seria uma possibilidade remota. O teísta diria que, como não temos indícios de um universo múltiplo e como não podemos obter tais indícios (pois não temos acesso a outros universos para fazer a comparação), a hipótese do desígnio inteligente continua sendo uma hipótese genuína. O problema de dizer isso é que fazemos a hipótese dos muitos mundos não poder ser aceita por definição, pois conecta a aceitação dessa hipótese com a obtenção de evidência empírica da existência deles (o que seria impossível de obter, se os universos forem, de alguma forma, empiricamente isolados uns dos outros. No entanto, há muitas razões para aceitarmos ou rejeitarmos uma tese, e nem todas elas são empíricas. Por exemplo, poderíamos aceitar uma teoria por causa de seu poder explicativo e, assim, postular a existência das entidades que tal teoria exige existir – sem mesmo termos obtido informações empíricas diretas sobre as entidades postuladas.

Ainda que o objetor concordasse com esses argumentos, ele afirmaria que o novo argumento do desígnio não dá bases para sustentar a existência do Deus teísta. Porém, isso não é um problema para o teísta, já que ele quer utilizar esse argumento apenas para estabelecer parte da prova da existência do Deus teísta, a existência de um criador inteligente. O problema dessa resposta teísta – de estabelecer apenas parte da prova – é que os argumentos do desígnio, cosmológico e ontológico, juntos ou separados, não são o suficiente para provar a existência do Deus teísta. Os argumentos do desígnio dão base, quando muito, para pensar que partes naturais do universo ou o universo surgiram por desígnio inteligente. O argumento cosmológico depende da verdade do PRS, que também não sabemos. E o argumento ontológico pressupõe que Deus é possível e que a existência é uma qualidade produtora de grandeza. Entretanto, tais argumentos, embora não provem a existência de Deus, mostram que a hipótese de Deus não é irracional.

Notas

1 É claro que outra hipótese para explicar a semelhança é a existência de universais, mas me parece que Swinburne não toma tais teorias como relevantes, pois os universais não podem explicar porque eles próprios existem, enquanto Deus poderia explicar até porque existem os universais que existem.

Referências

Rowe, William (2007). Introdução à Filosofia da Religião. Trad. Vítor Guerreiro. Revisão científica de Desidério Murcho. Lisboa: Verbo, 2011.

Swinburne, Richard. Será Que Deus Existe? Trad. Desidério Murcho et al. Lisboa: Gradiva, 1998.