Eu falei que uma justificação de P que não fizesse com que não-P fosse impossível não era de fato uma justificação. Ou seja, o conceito "justificação de P" é "dar razões que tornam não-P impossível". Você, contrariamente, me disse que o conceito de justificação não precisava ser tão forte e que eu não tinha como justificar o meu critério de justificação segundo ele próprio. Você me disse que "justificação de P" é "dar boas razões a favor de P, mas não necessariamente tornando impossível não-P". Minha resposta é que dar boas razões para P, não tornando impossível não-P, é, na verdade, justificar o fato de acreditarmos, mas não sabermos, P. Se peço uma justificativa de porque você afirma saber P, em detrimento de meramente acreditar que P, dar boas razões que não impossibilitam não-P não será uma justificativa, pois pode ser o caso de o que você acredita não ser o caso. Se você sabe algo, então não pode ser o caso de você estar errado; e se apenas temos razões para acreditar que não tornam impossível o contrário do que acreditamos, então pode ser o caso de estarmos errados. Assim, razões para acreditar em P (boas razões que não impossibilitam não-P) não pode justificar que eu sei P, mas podem somente justificar que eu acredite em P.
Agora, sobre eu não conseguir justificar o meu critério segundo ele próprio, eu tenho uma explicação pra isso. Quando eu faço uma afirmação que pode ser verdadeira ou falsa, tal qual "eu sei que João trabalhou comigo na fábrica", e ela é justificada segundo meu critério, tornamos impossível que sua negação seja verdade. Mas a minha afirmação "devemos usar o meu critério de justificação em afirmações que podem ser verdadeiras ou falsas" não pode ser ela mesma verdadeira ou falsa. Isso porque tal afirmação não é uma sentença passível de veracidade ou falsidade, mas uma sentença metodológica: ela apenas estabelece um método de trabalho, e por isso sua justificação não pode ser dada em termos de verdade ou falsidade (de tornar a verdade de sua negação impossível).
A conversa seria assim:
A: Eu sei que João trabalhou comigo na fábrica. [Sentença passível de ser verdadeira ou falsa]
B: Como você sabe? [Pedido de justificação de uma sentença passível de ser verdadeira ou falsa]
A: Quando eu trabalhava na fábrica, João trabalhava ao meu lado. E é impossível eu ter trabalhado na fábrica e João ter trabalhado ao meu lado e João não ter trabalhado comigo na fábrica. [Justificação de uma sentença passível de ser verdadeira ou falsa]
B: E qual critério de "justificação" você usou? [Pedido de explicitação de critério]
A: Tornei impossível a negação do que eu afirmei. [Explicitação do critério]
B: Justifique o uso desse critério. [Pedido de justificação de um uso]
A: A justificação é que ele conduz à verdade. [Justificação do uso do critério, que é uma frase passível de veracidade ou falsidade]
B: Justifique essa afirmação. [Pedido de justificação de uma sentença passível de ser verdadeira ou falsa]
A: É impossível usar o meu critério e uma proposição que se diz justificada ser falsa; por isso, "ele conduz à verdade" é verdadeira. [Justificação de uma sentença passível de ser verdadeira ou falsa]
Tendo este diálogo em vista, abaixo um pouco minha tese de que a justificação é sempre tornar impossível a negação da afirmação que se tenta justificar, e falo que no domínio das sentenças que podem ser verdadeiras ou falsas, justificar que se sabe uma sentença exige que tornemos impossível sua negação. Lembrando, é claro, que há uma grande diferença entre saber e acreditar e, consequentemente, entre as razões para acreditarmos em algo e as razões para sabermos algo. Dessa forma, creio que uma justificação para que eu saiba a frase "eu sei que P" deve tornar não-P impossível, enquanto uma justificação para a frase "eu acredito que P" não precisa ser tão forte, basta que assira boas razões para se acreditar em P. No caso de afirmações que não podem ser verdadeiras ou falsas, nossas justificações levam em conta boas razões para aceitar tal afirmações (como no caso do uso do critério). Afinal, quando pedimos pela justificação do uso de um critério, pedimos por algo muito diferente da justificação da asserção de saber com relação ao valor de verdade de uma frase. Aí, pessoal, outra coisa: vocês falaram sobre o texto do Gettier... Eu dei uma lida nele e vi algumas coisas que ele não levou em conta em seu raciocínio. Fiz um artigo bem breve (de duas páginas) contra a concepção do Gettier. Se puderem, dêem uma lida e me falem se concordam, se têm objeções ou qualquer coisa. Está em inglês e não sei se o inglês está bem escrito. Espero que isso não seja um problema.
Iago Bozza:
Acredito que boa parte de seus argumentos sejam uma confusão entre "justificação de crenças" e "justificação de conhecimentos". Veja bem, me parece que é possível justificar crenças, mas que não é possível justificar conhecimentos.
Quando digo: "Eu acredito que P" a crença em P pode ser verdadeira ou não e pode ser justificada ou não. Quando digo: "Eu sei que P" é o equivalente a eu dizer: "Eu acredito que P, a crença em P é verdadeira e a crença em P é justificada". Quando eu digo: "Eu sei que P e eu tenho uma justificação para o conhecimento em P" isso parece estranho. Seria como dizer, "Eu acredito que P, a crença em P é verdadeira e a crença em P é justificada" e eu tenho uma justificação para isso que acabei de dizer. Não é claro o que está sendo justificado... Eu posso estar dizendo que eu tenho uma justificação para a crença (e isto é trivial), eu posso estar dizendo que tenho uma justificação para a verdade (o que é sem sentido), ou posso estar dizendo que tenho uma justificação para a justificação (o que pode fazer sentido, se a justificação for outra crença), ou, ainda, posso estar dizendo que tenho uma justificação para as três coisas juntas (o que parece, de novo, sem sentido). O conceito de "justificação" parece estar dentro do conceito de "conhecimento" e parece aplicar-se apenas à crenças, e não ao próprio conhecimento.
Talvez eu possa dizer "Eu acredito que sei que P e tenho uma justificação para esta crença (a crença que sei que P)". Isso faria sentido. "Assim, razões para acreditar em P (boas razões que não impossibilitam não-P) não pode justificar que eu sei P, mas podem somente justificar que eu acredite em P". Se "boas razões" podem justificar que eu acredite em P, então, se a crença for verdadeira, eu tenho conhecimento, e se a crença for falsa, eu tenho apenas uma crença justificada. Repare, você entregou os pontos aqui: você concordou que "boas razões" podem justificar minha crença em P. Neste ponto, já tenho dois ingredientes da definição tripartida: a crença e a justificação. Só falta o terceiro ingrediente: a verdade, que é algo independente de qualquer pessoa.
Agora voltemo-nos para a justificação de seu critério:
"Isso porque tal afirmação não é uma sentença passível de veracidade ou falsidade, mas uma sentença metodológica: ela apenas estabelece um método de trabalho, e por isso sua justificação não pode ser dada em termos de verdade ou falsidade (de tornar a verdade de sua negação impossível)".
Bem, você deve ter algo do genero em mente (se eu estiver errado me corrija): "Meu critério não pode ser verdadeiro ou falso, ele pode ser mais útil ou menos útil. Defendo que ele seja útil, pois torna a negação daquilo que é justificado impossível". Bem, se for isso mesmo, me parece obviamente falso: crenças servem, principalmente, para interagirmos com o mundo. Se a crença for verdadeira, a interação é bem sucedida, se ela for falsa, talvez não seja bem sucedida.
O seu critério nos dá justificação de crenças que não servem para quase nada. Talvez nem consigamos justificar a crença que o sol vai nascer amanhã, que é uma crença fundamental na vida de qualquer pessoa. Com seu critério, parece que ficaríamos restritos a não fazer nada.
Se adotarmos um critério de justificação menos rígido (boas razões), então a quantidade de crenças justificadas aumenta bastante, consequentemente as possibilidades de interação com o mundo, com considerável sucesso, também aumentam. Ainda que erremos um pouco. Ainda assim, o custo/benefício parece maior, e, consequentemente, a utilidade do critério menos rígido parece maior do que a do critério mais rígido.
Rodrigo Cid:
Acho que o que está tornando o debate um pouco confuso é o fato de usarmos "acreditar" em dois sentidos distintos. O que quero dizer é que há a crença (que para fins práticos, chamarei de "proposição") e há as atitudes que podemos ter com relação a essa crença (proposição), por exemplo, podemos acreditar (achar) a proposição ou podemos saber a proposição. A regra que distingue uma atitude da outra é que "se sei, não posso estar errado" e "se acredito, posso estar errado". Se digo: "Eu acredito que P" (ou "eu acho que P") e me pedem pela justificação dessa frase, ou seja, quando me perguntam por que eu digo que acho que P, minha justificação será com boas razões (vou chamar "boas razões que não impossibilitam a negação da sentença em causa" de "boas razões"). Assim, boas razões são justificativas de "achar que P". Mas quando digo "Eu sei que P", e me pedem pela justificação dessa frase, ou seja, quando me perguntam por que eu digo que sei que P, minha justificação não poderá ser apenas com boas razões, pois estas são justificativas para "achar que P". Quando digo "Eu sei que P", isso não é equivalente a dizer "eu acredito em P, P é verdadeira e P é justificada". Quando digo "sei que P", apenas quero dizer "não posso estar errado quando digo que P". E quando digo "eu acho que P" apenas quero dizer "aceito que P, mas posso estar errado em dizer que P". Assim, dizer "Eu sei que P e tenho uma justificação para o conhecimento em P" não parece tão estranho. Só quereria dizer que "não posso estar errado ao dizer que P e tenho uma justificativa para dizer que não posso estar errado ao dizer que P". Isso não é estranho porque é natural, ou pelo menos permissível, que quando uma pessoa afirma que "sabe que P", lhe perguntemos qual é sua justificativa para tal. E se ela deve justificar o porque de ela não poder estar errada ao dizer que P, temos que ter uma justificativa que torne impossível não-P. Se não a tivermos, seremos aptos apenas a dizer "achamos que P", pois não conseguiremos mostrar qual é a justificativa para a nossa afirmação de que não podemos estar errados ao dizer que P. Tornar o conhecimento mais fraco implica em não ver diferença entre saber e achar (acreditar). E a diferença está justamente no fato de que o primeiro nos leva à verdade e o segundo apenas nos aproxima dela. Dizer que podemos saber mesmo quando podemos estar errados é dizer que saber e acreditar são o mesmo.
Outra coisa: você falou sobre "eu acredito que sei que P". Podemos pensar tal frase de duas maneiras: (a) "dentre as coisas que aceito como verdadeiras está a frase 'não posso estar errado ao dizer que P'" e (b) "posso estar errado ao dizer 'não posso estar errado ao dizer que P'". O ponto é que "acreditar" pode significar "achar" ou pode significar "aceitar algo como verdadeiro". O que fiz foi indicar uma distinção entre "saber" e "achar", e não entre "saber" e "aceitar algo como verdadeiro". A justificação para "aceitar P como verdadeiro" pode nos levar a dizer que sabemos que P ou que achamos que P. É claro que para justificar a aceitação de P sempre daremos boas razões, mas é só quando essas boas razões tornam impossível a negação de P que realmente sabemos que P; quando as boas razões não são suficientes para tornar não-P impossível, não é legítimo falarmos que sabemos que P, temos que falar que achamos que P. Na verdade, não é P que estamos justificando, mas sim as afirmações de que o sabemos ou de que o acreditamos (achamos).
Sobre o meu critério:
É exatamente isso que tenho em mente. Meu critério é útil, e não verdadeiro. Assim como tenho que justificar o meu "saber" ou o meu "achar", e não propriamente P, tenho que justificar o uso do meu critério, e não propriamente o critério. O meu critério permite que muitas asserções de saber sejam justificadas; mas mesmo que não permitisse, ele teria uma função maior, que é preservar a diferença entre "saber algo" e "achar algo". Contrariamente, se seguirmos o seu critério, essa distinção desaparece e ainda ficamos com o problema de ter que explicar qual é o nível de boas razões que nos permitem asserir conhecimento. O problema do uso do seu critério é que embora ele não veja diferença entre achar e saber, o saber continua querendo se tornar presente. Sei que isso ficou muito poético, mas vou dar um exemplo que explica. Mesmo que vc afirmasse que sabe algo, e desse somente boas razões (para achar), ainda caberia dizer que vc não sabe realmente porque você poderia estar errado.
Se vc dissesse ainda: "saber realmente" é ter boas razões para acreditar e eu tenho boas razões para acreditar em P e, então, sei realmente que P
Eu falaria: Ok. Mas vc sapiere que P?
Vc respondeira: O que é sapiere que P?
Eu: Se alguém sapiere algo, então ele não pode estar errado sobre esse algo.
Você: Não... Eu não sapiere que P.
Nessa conversa, o saber (através do sapiere) continua aparecendo. Não adianta tentar mudar o sentido de "saber" para algo mais fraco. O seu critério não atenta para uma distinção importante, que continua surgindo mesmo que a tentemos eliminar com um critério. Enquanto o meu critério leva isso em consideração; e, por isso, consegue uma clareza maior para o nosso discurso. Acredito que o critério das boas razões somente obscurece do que estamos falando.
Iago Bozza:
Bom, acho que a primeira coisa que devemos fazer, então, é esclarecer de vez algumas distinções conceituais.Você disse que talvez estivessemos usando o termo "crença" em dois sentidos diferentes e fez uma boa distinção entre "proposição", "acreditar" e "saber". Vou tentar esclarecer um pouco mais os termos no sentido que você parece estar usando e no sentido que pretendo usá-los:
(i) Pretendo usar o termo "proposição" para falar sobre o conteúdo de uma frase / juízo / crença / etc. Por exemplo: a frase "A janela é azul" e a frase "The window is blue" expressam a mesma proposição.
(ii) Pretendo usar os termos "crença" / "acreditar que" / "achar que" como sinônimos. Usarei estes termos para falar de uma atitude de um sujeito frente a uma proposição. Por exemplo, um sujeito pode possuir a crença que a janela é azul. Um sujeito pode acreditar que a janela é azul. Um sujeito pode achar que a janela é azul. Todas estas frases significam a mesma coisa.
(iii) Pretendo usar os termos "conhecer" / "saber que" como sinônimos também.
Bem, o ponto (i) e (ii) não me parecem controversos, já o ponto (iii) ainda está confuso. "há as atitudes que podemos ter com relação a essa crença (proposição), por exemplo, podemos (...) saber a proposição". Acredito que este seja o primeiro problema: "conhecer" / "saber" não parece ser uma atitude que um sujeito pode ter com relação a uma proposição. Para esclarecer este ponto, em primeiro lugar, preciso lhe perguntar o seguinte: você aceita a definição tripartida do conhecimento (segundo a qual "conhecimento" é "crença verdadeira e justificada")? Se você aceita a definição tripartida do conhecimento, então você não pode afirmar que "conhecer" / "saber" seja uma atitude de um sujeito. Por exemplo, se a proposição "Esta janela é azul" for falsa, não há nenhuma atitude que um sujeito possa ter para que ele saiba esta proposição. Por outro lado, mesmo que a proposição seja falsa (ou verdadeira, não importa), um sujeito pode acreditar na proposição (acreditar em P), pode não acreditar na proposição (acreditar em não- P) ou pode não ter crenças sobre P (não acreditar em P nem em não-P, isto é, suspender o juízo quanto a P). Assim, parece que "conhecimento" não depende de um sujeito, enquanto "crença" depende de um sujeito. Logo, "conhecimento" não parece ser uma atitude de um sujeito, enquanto "crença" parece ser uma atitude de um sujeito. "A regra que distingue uma atitude da outra é que "se sei, não posso estar errado" e "se acredito, posso estar errado"". Não concordo que "conhecer" / "saber" seja uma atitude, mas concordo que uma das coisas que distinguem "conhecimento" de "crença" é que ""se sei, não posso estar errado" e "se acredito, posso estar errado""
(iv) Você fez mais uma distinção boa entre "justificativa" e "boas razões", mas acho bom padronizarmos os termos. Vamos usar "justificação infalível" para seu critério de justificação (o equivalente a tornar não-P impossível) e "justificação falível" para meu critério de justificação (o equivalente a dar boas razões, mesmo que não tornem não-P impossível) .
"Se digo: "Eu acredito que P" (ou "eu acho que P") e me pedem pela justificação dessa frase, ou seja, quando me perguntam por que eu digo que acho que P, minha justificação será com boas razões (vou chamar "boas razões que não impossibilitam a negação da sentença em causa" de "boas razões"). Assim, boas razões são justificativas de "achar que P"".
Aqui você afirma algo do gênero: "Acreditar que P pode ser justificado com a justificação falível". Concordo com isso. "Mas quando digo "Eu sei que P", e me pedem pela justificação dessa frase, ou seja, quando me perguntam por que eu digo que sei que P, minha justificação não poderá ser apenas com boas razões, pois estas são justificativas para "achar que P". Quando digo "Eu sei que P", isso não é equivalente a dizer "eu acredito em P, P é verdadeira e P é justificada". Quando digo "sei que P", apenas quero dizer "não posso estar errado quando digo que P". E quando digo "eu acho que P" apenas quero dizer "aceito que P, mas posso estar errado em dizer que P"". "Assim, dizer "Eu sei que P e tenho uma justificação para o conhecimento em P" não parece tão estranho. Só quereria dizer que "não posso estar errado ao dizer que P e tenho uma justificativa para dizer que não posso estar errado ao dizer que P". Isso não é estranho porque é natural, ou pelo menos permissível, que quando uma pessoa afirma que "sabe que P", lhe perguntemos qual é sua justificativa para tal. E se ela deve justificar o porque de ela não poder estar errada ao dizer que P, temos que ter uma justificativa que torne impossível não-P. Se não a tivermos, seremos aptos apenas a dizer "achamos que P", pois não conseguiremos mostrar qual é a justificativa para a nossa afirmação de que não podemos estar errados ao dizer que P".
Aqui você parece estar pressupondo que "conhecimento" é uma atitude de um sujeito que pode estar justificada ou que pode não estar justificada. Aqui você também parece não aceitar a definição tripartida. Talvez o problema seja o seguinte: quando um sujeito pronuncia a frase "eu sei que P" ele precisa justificar o seu proferimento da frase "eu sei que P". No entanto, quando uma pessoa pronuncia a frase "eu sei que P", disso não se segue que ela REALMENTE saiba que P, não se segue que P seja verdadeiro e nem se segue que P seja justificado. PRONUNCIAR a frase "eu sei que P", assim como pronunciar qualquer frase, é uma atitude de um sujeito, atitude esta que pode estar justificada ou que pode não estar justificada (provavelmente vai estar justificada se o sujeito REALMENTE saber que P, e não vai estar justificada se o sujeito não souber REALMENTE que P). Por outro lado, REALMENTE saber que P não é uma atitude de um sujeito, logo, não pode estar justificado nem pode não estar justificado (justificação aplica- se somente a atitudes de um sujeito). Se o sujeito REALMENTE sabe que P, disso segue-se (segundo a definição tripartida) que ele acredita que P, que P é verdadeiro e que existe uma justificação para a crença que P.
Aqui você parece estar pressupondo que "conhecimento" é uma atitude de um sujeito que pode estar justificada ou que pode não estar justificada. Aqui você também parece não aceitar a definição tripartida. Talvez o problema seja o seguinte: quando um sujeito pronuncia a frase "eu sei que P" ele precisa justificar o seu proferimento da frase "eu sei que P". No entanto, quando uma pessoa pronuncia a frase "eu sei que P", disso não se segue que ela REALMENTE saiba que P, não se segue que P seja verdadeiro e nem se segue que P seja justificado. PRONUNCIAR a frase "eu sei que P", assim como pronunciar qualquer frase, é uma atitude de um sujeito, atitude esta que pode estar justificada ou que pode não estar justificada (provavelmente vai estar justificada se o sujeito REALMENTE saber que P, e não vai estar justificada se o sujeito não souber REALMENTE que P). Por outro lado, REALMENTE saber que P não é uma atitude de um sujeito, logo, não pode estar justificado nem pode não estar justificado (justificação aplica- se somente a atitudes de um sujeito). Se o sujeito REALMENTE sabe que P, disso segue-se (segundo a definição tripartida) que ele acredita que P, que P é verdadeiro e que existe uma justificação para a crença que P.
Cabe notar: o que estamos discutindo aqui é quando um sujeito REALMENTE sabe que P, e não apenas quando um sujeito PRONUNCIA a frase "eu sei que P". A questão é epistemológica, não linguística.
"Tornar o conhecimento mais fraco implica em não ver diferença entre saber e achar (acreditar). E a diferença está justamente no fato de que o primeiro nos leva à verdade e o segundo apenas nos aproxima dela. Dizer que podemos saber mesmo quando podemos estar errados é dizer que saber e acreditar são o mesmo".
Isso é obviamente falso: crença e conhecimento, mesmo com a justificativa falível, são coisas extremamente diferentes: crenças podem ser falsas (posso acreditar que a neve é vermelha), conhecimentos não (não posso saber que a neve é vermelha). Crenças podem ser injustificadas (pessoas religiosas acreditam que Deus exista, mesmo que não possuam uma justificação para esta crença), conhecimentos não podem ser injustificados (se as pessoas que acreditam em Deus não podem justificar esta crença, então elas não sabem que Deus existe, ainda que seja verdade que Ele exista). O fato da justificação ser falível não dissolve a distinção entre crença e conhecimento de maneira nenhuma.
"Tornar o conhecimento mais fraco implica em não ver diferença entre saber e achar (acreditar). E a diferença está justamente no fato de que o primeiro nos leva à verdade e o segundo apenas nos aproxima dela. Dizer que podemos saber mesmo quando podemos estar errados é dizer que saber e acreditar são o mesmo".
Isso é obviamente falso: crença e conhecimento, mesmo com a justificativa falível, são coisas extremamente diferentes: crenças podem ser falsas (posso acreditar que a neve é vermelha), conhecimentos não (não posso saber que a neve é vermelha). Crenças podem ser injustificadas (pessoas religiosas acreditam que Deus exista, mesmo que não possuam uma justificação para esta crença), conhecimentos não podem ser injustificados (se as pessoas que acreditam em Deus não podem justificar esta crença, então elas não sabem que Deus existe, ainda que seja verdade que Ele exista). O fato da justificação ser falível não dissolve a distinção entre crença e conhecimento de maneira nenhuma.
"Outra coisa: você falou sobre "eu acredito que sei que P": Podemos pensar tal frase de duas maneiras: (a) "dentre as coisas que aceito como verdadeiras está a frase 'não posso estar errado ao dizer que P'" e (b) "posso estar errado ao dizer 'não posso estar errado ao dizer que P'". O ponto é que "acreditar" pode significar "achar" ou pode significar "aceitar algo como verdadeiro". O que fiz foi indicar uma distinção entre "saber" e "achar", e não entre "saber" e "aceitar algo como verdadeiro". A justificação para "aceitar P como verdadeiro" pode nos levar a dizer que sabemos que P ou que achamos que P. É claro que para justificar a aceitação de P sempre daremos boas razões, mas é só quando essas boas razões tornam impossível a negação de P que realmente sabemos que P; quando as boas razões não são suficientes para tornar não-P impossível, não é legítimo falarmos que sabemos que P, temos que falar que achamos que P. Na verdade, não é P que estamos justificando, mas sim as afirmações de que o sabemos ou de que o acreditamos (achamos)".
Não consegui chegar a um entendimento claro desta passagem. Se houver algo realmente relevante aqui para a discussão tente explicar melhor (tente utilizar as distinções conceituais que indiquei no inicio do e- mail). Se não tiver nada tão importante, pode deixar passar.
Agora sobre seu critério:
"É exatamente isso que tenho em mente. Meu critério é útil, e não verdadeiro. Assim como tenho que justificar o meu "saber" ou o meu "achar", e não propriamente P, tenho que justificar o uso do meu critério, e não propriamente o critério. O meu critério permite que muitas asserções de saber sejam justificadas; mas mesmo que não permitisse, ele teria uma função maior, que é preservar a diferença entre "saber algo" e "achar algo". Contrariamente, se seguirmos o seu critério, essa distinção desaparece e ainda ficamos com o problema de ter que explicar qual é o nível de boas razões que nos permitem asserir conhecimento. O problema do uso do seu critério é que embora ele não veja diferença entre achar e saber, o saber continua querendo se tornar presente. Sei que isso ficou muito poético, mas vou dar um exemplo que explica. Mesmo que vc afirmasse que sabe algo, e desse somente boas razões (para achar), ainda caberia dizer que vc não sabe realmente porque você poderia estar errado".
Bem, espero ter deixado claro que a distinção entre "conhecimento" e "crença" continua existindo, independentemente de adotarmos a "justificativa falível" ou a "justificativa infalível". Não vejo nenhum obscurecimento do discurso...
Concedo que "ficamos com o problema de ter que explicar qual é o nível de boas razões que nos permitem asserir conhecimento", mas isso é outro problema. Bem, decidir se o seu critério (a justificação infalível) é mais útil ou menos útil, podemos deixar para depois que resolvermos um pouco dos problemas colocados até aqui. Na verdade, ainda nem tenho certeza se essa saída sua de dizer que o critério não é verdadeiro nem falso é uma saída lícita. Afinal, é verdade que seu critério é mais útil? Você tem uma justificação infalível para a afirmação que seu critério é mais útil? Ou a afirmação de que seu critério é mais útil também é apenas mais útil que a afirmação que seu critério é menos útil? Bem, deixemos isto pra depois.
Rodrigo Cid:
Para mim, os pontos (i) e (iii) não são controversos. Entretanto, o ponto (ii) me parece bastante controverso. Era especificamente dele que estava falando quando indiquei que talvez estivéssemos usando o termo "crença" de modo um pouco displicente. Creio que você não deve ter problemas em aceitar que quando falamos que João tem um crença P, queremos dizer que P é é uma proposição que João aceita como verdadeira. Dado uma pessoa aceitar P como verdadeira, imagina-se que ela tem justificativas para tal. Se essas justificativas forem tais que essa pessoa não possa estar errada, ela sabe; mas se ela puder estar errada, ela acredita (acha). Nesse sentido, não posso aceitar que "joão tem a crença P" é sinônimo de "João acha que P". Pois frente a ter a crença P, uma pessoa pode achá-la ou sabê-la, de acordo com o tipo de justificativa que apresenta, a saber, se a justificativa é falível ou infalível. [Assim, "ter a crença P" é o mesmo que "aceitar P como verdadeiro" e é diferente de "acreditar em P", e "acreditar que P" é o mesmo que "achar que P"]
Quando falo de "saber" e "acreditar" como sendo atitudes com relação a proposições, quis dizer o seguinte: Dado "ter a crença P" significar "aceitar P como verdadeiro", podemos, frente a "ter a crença P", achá- la ou sabê-la, de acordo com a certeza objetiva que temos com relação a P. "Certeza objetiva de P" significa que não podemos estar errados sobre P, independentemente de se temos certeza subjetiva com relação a P. Nesse sentido, parece-me que "saber" e "achar" são modos como uma pessoa aceita uma proposição (com certeza objetiva ou sem certeza objetiva), e assim atitudes com relação às proposições. Não que "saber" seja meramente uma atitude; afinal só podemos saber proposições que são realmente verdadeiras. O que eu quis salientar é que achamos ou sabemos coisas que tomamos como verdadeiras, e que "crenças" não é um bom termo para aplicar para tais coisas, já que a essas coisas poderemos acreditá-las ou sabê-las.
Não aceito a definição tripartida se ela tomar o termo "crença de P" como o mesmo que "achar que P". Muitas coisas serão justificativas para a aceitação de P; donde algumas nos levarão a dizer que são crenças (acreditar, achar) e outras que são conhecimento (saber). Minha definição de conhecimento seria assim: "o conhecimento (saber) de P" é "aceitar P como verdadeiro e ter justificações infalíveis para P". E o que fundamenta essa identificação são as regras de saber e acreditar ("se sei, não posso estar errado" e "se acredito, posso estar errado"). Ou seja, se uma pessoa sabe realmente que P, o que se segue é que essa pessoa aceita que P é verdadeiro, P é infalivelmente justificado e, portanto, P é verdadeiro.
Iago: o que estamos discutindo aqui é quando um sujeito REALMENTE sabe que P, e não apenas quando um sujeito PRONUNCIA a frase "eu sei que P". A questão é epistemológica, não linguística.
Claro; concordo. O que eu falei sobre o sapiere foi justamente para frisar esse ponto. Contudo, o que justifica o proferimento de "eu sei que P" é o que indica quando eu sei realmente que P. Eu sei realmente que P quando estou infalivelmente justificado em pensar que não-P não é verdade e quando aceito P como verdade; e eu tenho o direito de pronunciar a frase "eu sei que P" quando estou infalivelmente justificado em pensar que não-P não é verdade e quando aceito P como verdade.
Acho que o ponto deve estar nos objetos psicológicos que estamos aceitando em nossa ontologia da mente. É o seguinte, temos duas opções: 1) ou dizemos que dos objetos mentais, os seres humanos têm crenças e desejos (de modo bem amplo), e que as crenças podem ser aceitas com certeza (saber, conhecimento) ou sem certeza (acreditar); ou 2) dizemos que temos crenças, conhecimentos e desejos. Qualquer uma das opções abre-nos espaço para falar dessa distinção entre conhecer e achar algo. E a distinção está sempre no ponto da justificação. Você já concordou que a regra que separa saber e achar é que no saber, não podemos estar errados. Se isso é assim, não podemos dar justificações falíveis para dizer que sabemos (justificações falíveis não indicam nada sobre alguém saber algo); se as usarmos com o objetivo de dizer que sabemos ou que conhecemos algo, então estaríamos tornando o conhecimento de tal modo fraco que ele seria idêntico a achar. Ele seria idêntico, pois o critério de distinção entre eles não estaria respeitado (já que o critério de distinção é a regra do "não pode estar errado para saber"). E é por isso que eu recuso a tese de que podemos justificar asserções de conhecimento com justificações falíveis.
Iago: Isso é obviamente falso: crença e conhecimento, mesmo com a justificativa falível, são coisas extremamente diferentes: crenças podem ser falsas (posso acreditar que a neve é vermelha), conhecimentos não (não posso saber que a neve é vermelha). Crenças podem ser injustificadas (pessoas religiosas acreditam que Deus exista, mesmo que não possuam uma justificação para esta crença), conhecimentos não podem ser injustificados (se as pessoas que acreditam em Deus não podem justificar esta crença, então elas não sabem que Deus existe, ainda que seja verdade que Ele exista). O fato da justificação ser falível não dissolve a distinção entre crença e conhecimento de maneira nenhuma.
Sim, crenças podem ser verdadeiras ou falsas. Mas eu preferiria chamá- las de coisas (proposições) que aceitamos como verdadeiras. Mesmo com a justificativa falível, tais coisas podem ser verdadeiras ou falsas; mas só saberemos que elas são verdadeiras, e portanto conheceremos, a partir de nossa aceitação da proposição e de justificativas infalíveis. E precisamos saber que algo é conhecimento para que ele seja de fato conhecimento. A justificativa falível apenas nos faz acreditar que temos conhecimento sobre algo, e não nos faz saber que o temos; e se não sabemos que o que afirmamos conhecer é realmente conhecido, então não conhecemos realmente; apenas acreditamos conhecer. Para conhecer de verdade, é preciso saber que se conhece. Por isso, tornar o conhecimento mais fraco é tornar o "saber que se conhece" idêntico ao "achar que se conhece". O obscurecimento do discurso se daria justamente porque estaríamos tomando o "saber que se conhece" idêntico ao "achar que se conhece".
Iago: Concedo que "ficamos com o problema de ter que explicar qual é o nível de boas razões que nos permitem asserir conhecimento", mas isso é outro problema.
Não. Isso não é outro problema. É o mesmo. Se você asserir qualquer nível de boas razões (justificativa falível) para ser conhecimento, então você teria tomado uma decisão arbitrária; a não ser que resolvesse falar que boas razões devem ser no nível da justificativa infalível. A justificativa infalível, para ser o nível correto das boas razões, não é uma escolha arbitrária, já que ele infalivelmente leva à verdade do que consideramos verdadeiro e, portanto, ao conhecimento. O ponto central do que estamos discutindo é de fato essa questão de explicar o nível das boas razões: eu falo que somente as boas razões infalíveis, você fala que justificações falíveis são o suficiente.
Eu acho, mas não tenho certeza, que o ponto que deveríamos estar discutindo é o que eu quero dizer com"impossível" em "tornar não-P impossível".
Iago: Bem, decidir se o seu critério (a justificação infalível) é mais útil ou menos útil podemos deixar para depois que resolvermos um pouco dos problemas colocados até aqui. Na verdade, ainda nem tenho certeza se essa saída sua de dizer que o critério não é verdadeiro nem falso é uma saída lícita.
Eu também não sabia quando encontrei essa saída. Quando fiquei pensando sobre encontrar uma justificativa infalível para o critério, me dei conta que o critério é um aspecto normativo (ou metodológico) que pode ser útil ou inútil em certas situações; e não de fato verdadeiro ou falso.
Iago: Afinal, é verdade que seu critério é mais útil? Você tem uma justificação infalível para a afirmação que seu critério é mais útil?
Sim. O que é útil é útil para alguma coisa. Defendo que meu critério é mais útil para encontrar a verdade porque ele nos leva à verdade e o outro apenas nos aproxima dela, e levar a verdade é mais útil que apenas se aproximar dela. Donde é impossível que algo leve à verdade em detrimento de apenas se aproximar dela e seja menos útil que algo que apenas se aproxima em vez de levar à verdade (se o que queremos é encontrar a verdade).
Iago: Ou a afirmação de que seu critério é mais útil também é apenas mais útil que a afirmação que seu critério é menos útil?
Não. Como mostrado acima, eu tenho uma justificação infalível. E, mesmo que você encontre uma falha na justificação anterior, não parece impossível encontrar uma justificativa infalível para essa afirmação ao tornarmos um pouco mais complexa minha resposta anterior. Poderíamos dizer algo do tipo: De acordo com uma escala de valor V de utilidade de ações para um certo objetivo, as diversas qualidades dos critérios podem ser vistas como ações para tal objetivo e, assim, valoradas de acordo com V. Dado uma soma dos valores das qualidades de cada critério, cada critério teria um valor geral de utilidade. Se eu conseguisse provar que as qualidades do meu critério somadas têm um valor maior que as qualidades do seu critério somadas, então seria impossível que a minha tivesse um valor geral de utilidade maior e não fosse a mais útil. Isso seria uma possível justificação infalível da afirmação de que o meu critério é mais útil. O que mostra que não é impossível justificar infalivelmente a afirmação de que o meu critério é mais útil.
Iago Bozza:
Bem, algumas coisas ficaram mais claras com esta resposta, outras ficaram um pouco mais obscuras. A primeira coisa obscura é sua terminologia: você usa os termos crença" e "acreditar que" de maneira ambigua.
Bem, vou tentar esclarecer um pouco: o termo "crença" é um substantivo que refere um estado mental de um sujeito. O termo "acreditar" é um verbo que refere a ação de um sujeito de possuir um estado mental que é uma crença. "Eu acredito que a janela é azul" e "Eu tenho a crença que a janela é azul" dizem a mesma coisa. Bem, isso é uma questão de dicionário: "crença" e "acreditar" são a mesma palavra, mas a primeira é um substantivo e a segunda é um verbo. Acho dificil discordar aqui. O termo "achar" é um pouco mais ambíguo. Quando digo "Eu acho que a janela é azul", isso parece ser o mesmo que "Eu acredito / Eu possuo a crença que a janela é azul, mas posso estar errado". Parece que é este o sentido que você esta usando o termo "achar", e concedo que o seu sentido parece fazer mais jús a este termo. Bem, independente da terminologia que adotarmos, acredito que entendi as distinções que você está fazendo. Vou tentar tornar o mais explicito possível em qual sentido estou usando os termos ao longo do texto.
Vamos agora falar da definição tripartida. Acredito que a definição tripartida seja a seguinte: "Um sujeito SABE que P, se e somente se o sujeito possui a crença / acredita em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), se o sujeito possuir uma justificação para possuir a crença / acreditar em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), e se P é verdadeiro". De acordo com o que você disse, assumo que você aceite a definição tripartida, desde que justificação seja tomada no sentido de justificação infalível.
Agora tem algo curioso em sua posição: você aceita que se um sujeito possui a crença / acredita em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), e se o sujeito possui uma JUSTIFICAÇÃO FALÍVEL para possuir a crença / acreditar em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), então o sujeito possui uma JUSTIFICAÇÃO para possuir a crença / acreditar em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro). No entanto, você não aceita que isso seja "conhecimento", você aceita que isso seja "achar". Acredito que tenha algo errado com esta posição.
Em primeiro lugar vou falar algo sobre o conceito de "justificação". Um filósofo que se chama Roderick Chisholm (você concerteza conhece) oferece a seguinte definição de "justificação": a afirmação de que possuir a crença P é epistemicamente justificada significa que é falso a afirmação de que você deve se abster de possuir a crença P. Esta definição encara o termo "justificação epistemica" em analogia com o termo "justificação moral". Por exemplo, se estou epistemicamente justificado em possuir a crença que a janela é azul, então, epistemicamente, não preciso abandonar minha crença que a janela é azul. Da mesma maneira, se estou moralmente justificado em jogar futebol aos sábados, então, moralmente, não preciso abandonar minha ação de jogar futebol aos sábados.
É claro que posso manter minha crença, mesmo não estando justificado, mas então eu seria irracional. Da mesma forma, posso manter minha ação mesmo sem estar justificado, mas então eu seria imoral. Esta definição de "justificação epistemica" do Chisholm não é uma definição normativa (ela não nos fornece um critério para diferenciar crenças justificadas de creças não justificadas), mas sim uma descrição descritiva (ela nos dá uma boa idéia daquilo que entendemos e das consequencias de possuir uma crença justificada ou de não possuir uma crença justificada). Acredito que, em adição a esta definição descritiva, precisamos também dos componentes normativos. No entanto, parece que esta definição pode nos ajudar em nossa discussão.
Agora vejamos sua posição:
- se possuo a crença em P, e se possuo uma justificação falível, então não preciso abandonar minha crença em P. Mas isso não pode ser chamado de conhecimento, isso deve ser chamado de "achar".
- se possuo a crença em P, e se possuo uma justificação infalível, então não preciso abandonar minha crença em P. E isso pode ser chamado de conhecimento.
Colocado nestes termos, a sua distinção entre "achar" e "conhecer" parece apenas uma disputa terminológica. Você parece estar disputando qual das duas justificações (a falível ou a infalível) merece ser rotulada de "conhecimento". Mas, para além desta rotução, parece não existir diferença nenhuma em termos práticos (eu explico o que quero dizer com "termos práticos" mais abaixo).
Não estou dizendo que não existe nenhuma diferença de maneira geral. É claro que existem diferenças: a justificação infalível garante a verdade, enquanro a justificação falível não garante, apenas aproxima a verdade. A justificação infalível nos deixa quase sem nenhuma crença justificada, enquanto a justificação falível garante uma quantidade maior de crenças justificadas. E etc.
No entanto, em termos práticos, não existe nenhuma diferença. Se digo: "acredito que a ameba não possui pensamento e possuo uma justificação infalível para isso", então é racional aceitar esta crença e você deve aceitar esta crença nas discussões. Agora, se digo "acredito que a ameba não possui pensamento e possuo uma justificação falível para isso", então continua sendo racional aceitar esta crença e você também deve aceitar esta crença nas discussões.
Bem, esta é, por enquanto, o ponto principal deste e-mail. No que se segue vou comentar algumas coisas do seu e-mail anterior. Você disse que se aceitarmos a justificação falível, então estaríamos tornando o "conhecer" igual ao "achar". E que era isso que você tinha em mente com o exemplo do sapiere. Bem, realmente eu me confundi com a maneira que você estava usando os termos "conhecer" "acreditar" e "achar". Agora o ponto ficou claro e entendi o que você estava querendo dizer.
Acredito que este ponto já tenha sido tratado então: como disse, a diferença entre "conhecer" e "achar" existe em alguns aspectos e inexiste em outros. "Conhecer" garante a verdade na medida em que a justificação é infalível e "achar" apenas nos aproxima da verdade na medida em que a justificação é falível. "Conhecer" nos deixa quase sem crenças enquanto "achar" nos garante muitas crenças. Em termos práticos, a distinção quase não existe, já que nos dois casos não precisamos abandonar nossas crenças, já que possuimos uma justificação (infalível ou falível). Na medida em que não existem diferenças práticas, a discussão sobre o que rotular como "conhecimento" ou como "achar" torna-se apenas uma questão terminológica. Se você concordar com as coisas até aqui, posso conceder o termo "conhecimento" e "achar" para as justificações infalíveis e falíveis. Mas sustento que em termos práticos (isto é, nas situações onde devo manter ou abandonar as crenças ((isso é o que quero dizer com "termos práticos"))) não existe diferença entre "conhecimento" e "achar".
"*Iago:* /Concedo que "ficamos com o problema de ter que explicar qual é o nível de boas razões que nos permitem asserir conhecimento", mas isso é outro problema. /// *Cid:* Não. Isso não é outro problema. É o mesmo. Se você asserir qualquer nível de boas razões (justificativa falível) para ser conhecimento, então você teria tomado uma decisão arbitrária; a não ser que resolvesse falar que boas razões devem ser no nível da justificativa infalível. A justificativa infalível, para ser o nível correto das boas razões, não é uma escolha arbitrária, já que ele infalivelmente leva à verdade do que consideramos verdadeiro e, portanto, ao conhecimento. O ponto central do que estamos discutindo é de fato essa questão de explicar o nível das boas razões: eu falo que somente as boas razões infalíveis, você fala que justificações falíveis são o suficiente."
Continuo achando que isto é outro problema. Não quero dizer com isso que este não é um problema para meu ponto de vista. É sim um problema. Quero dizer o seguinte: primeiro resolvemos se a justificação pode ser falível ou se ela deve ser infalível. Depois que resolvermos isso, se a justificação puder ser falível, então investigaremos qual o nível de justificação suficiente (aqui realizaremos uma investigação argumentativa, e não uma determinação arbitrária). Se a justificação dever ser infalível, então não há problemas. Acredito que é possível estabelecer um nível razoável e plausivel de razões para a justificação. Mas isso deixemos para discutir mais para frente, se não vamos começar a discutir muitas coisas ao mesmo tempo.
"*Iago: */Afinal, é verdade que seu critério é mais útil? Você tem uma justificação infalível para a afirmação que seu critério é mais útil? /// *Cid:* Sim. O que é útil é útil para alguma coisa. Defendo que meu critério é mais útil para encontrar a verdade porque ele nos leva à verdade e o outro apenas nos aproxima dela, e levar a verdade é mais útil que apenas se aproximar dela. Donde é impossível que algo leve à verdade em detrimento de apenas se aproximar dela e seja menos útil que algo que apenas se aproxima em vez de levar à verdade (se o que queremos é encontrar a verdade). /// *Iago:*/ Ou a afirmação de que seu critério é mais útil também é apenas mais útil que a afirmação que seu critério é menos útil? /// *Cid:* Não. Como mostrado acima, eu tenho uma justificação infalível. E, mesmo que você encontre uma falha na justificação anterior, não parece impossível encontrar uma justificativa infalível para essa afirmação ao tornarmos um pouco mais complexa minha resposta anterior. Poderíamos dizer algo do tipo: De acordo com uma escala de valor V de utilidade de ações para um certo objetivo, as diversas qualidades dos critérios podem ser vistas como ações para tal objetivo e, assim, valoradas de acordo com V. Dado uma soma dos valores das qualidades de cada critério, cada critério teria um valor geral de utilidade. Se eu conseguisse provar que as qualidades do meu critério somadas têm um valor maior que as qualidades do seu critério somadas, então seria impossível que a minha tivesse um valor geral de utilidade maior e não fosse a mais útil. Isso seria uma possível justificação infalível da afirmação de que o meu critério é mais útil. O que mostra que não é impossível justificar infalivelmente a afirmação de que o meu critério é mais útil."
Bem, a sua justificação infalível para a afirmação "a justificação infalível é mais útil que a justificação infalível" tem um pressuposto que acredito ser falso. Quando falamos de conhecimento, concordo que um dos objetivos seja a verdade. No entanto você pressupõe que o único objetivo é a verdade, e disso eu discordo.
Quando falamos de conhecimento, também falamos de ações: um conhecimento serve para que eu interaja com mais ou menos êxito com o mundo. A justificação infalível maximiza o êxito, mas minimiza as ações, já que me sobram muitos poucos conhecimentos. Por outro lado, a justificação falível deixa o êxito em um meio termo, mas aumenta muito as ações que posso realizar, já que ela me deixa muitos conhecimentos. Portanto, o que eu tenho que levar em consideração para medir a utilidade de um conceito de justificação são duas coisas: confiabilidade (como a capacidade de garantir a verdade) e adequação (como a capacidade de me permitir interações com o mundo).
A justificação infalível maximiza a confiabilidade, mas praticamente zera a adequação, já que ela me deixa apenas com conhecimentos triviais. A justificação falível busca encontrar um meio termo entre confiabilidade e adequação. Medindo o custo beneficio (coisa que não fiz muito rigorosamente aqui) acho dificil sua justificação infalível mostrar-se mais útil. E de qualquer forma, acho bem difícil que você consiga justificar, mostrando que a afirmação "sua justificação infalível é menos útil que a justificação falível" seja uma afirmação impossível.
Rodrigo Cid:
O ponto parece ser o seguinte. Você disse:
Iago: Agora tem algo curioso em sua posição: você aceita que se um sujeito possui a crença / acredita em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), e se o sujeito possui uma JUSTIFICAÇÃO FALÍVEL para possuir a crença / acreditar em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro), então o sujeito possui uma JUSTIFICAÇÃO para possuir a crença / acreditar em P (no sentido de aceitar P como verdadeiro). No entanto, você não aceita que isso seja "conhecimento", você aceita que isso seja "achar".
Mas eu não aceito que ao possuir uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação simpliciter para aceitar P como verdadeiro. O que eu disse foi que ao possuirmos uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação para achar que P; dado que tomo as noções "achar que P" e "aceitar P como verdadeiro" como intrinsecamente diferentes. Ou seja, podemos justificar nossa aceitação da verdade de P, e dependendo dessas justificações (se forem falíveis ou infalíveis), vamos achar que P ou saber que P. Dessa forma, não é o caso que aceito que um sujeito obtém uma justificação simpliciter para tomar P como verdadeiro mas não aceito que ele conheça que P. [Desculpe o uso do termo latino simpliciter, mas não consegui achar nenhum melhor. O que quero dizer com ele é algo como "sem mais determinações"] Do modo como você colocou eu não tenho nenhum problema em aceitar a definição tri-partida do conhecimento, embora eu pense que seja desnecessário indicar que P tem que ser verdadeiro (pois isso é implicado pela justificação infalível).
Iago: No entanto, em termos práticos, não existe nenhuma diferença. Se digo: "acredito que a ameba não possui pensamento e possuo uma justificação infalível para isso", então é racional aceitar esta crença e você deve aceitar esta crença nas discussões. Agora, se digo "acredito que a ameba não possui pensamento e possuo uma justificação falível para isso", então continua sendo racional aceitar esta crença e você também deve aceitar esta crença nas discussões. (...) Se você concordar com as coisas até aqui, posso conceder o termo "conhecimento" e "achar" para as justificações infalíveis e falíveis. Mas sustento que em termos práticos (isto é, nas situações onde devo manter ou abandonar as crenças ((isso é o que quero dizer com "termos práticos"))) não existe diferença entre "conhecimento" e "achar".
Então, concordamos quanto aos termos "achar" e "conhecer", e que quando estou falando em "ter a crença que P" ou "acreditar que P", falo da mesma coisa que, por sua vez, é diferente dos outros dois termos anteriores.
Em termos práticos, a diferença é que se estou justificado falivelmente, então eu não manteria minha crença com tanta força, quanto quando estou justificado infalivelmente. Além disso, seria irracional asserir P como verdadeira se há outras alternativas possíveis e se temos apenas justificações falíveis para aceitarmos P; enquanto se me baseio em justificações infalíveis, nunca seria irracional asseri-la como verdadeira, mesmo que haja outras alternativas possíveis. Assim, se vc tem justificação para achar que as amebas têm mente (justificação falível), não se segue que eu também deva aceitar "as amebas têm mente" como verdadeira nas discussões. Essa obrigação em aceitar apenas ocorre quando temos justificações infalíveis. Por isso, defendo que há diferenças práticas substanciais entre acreditar e saber e que, portanto, não é meramente um problema linguístico.
Iago: Continuo achando que isto é outro problema. Não quero dizer com isso que este não é um problema para meu ponto de vista. É sim um problema. Quero dizer o seguinte: primeiro resolvemos se a justificação pode ser falível ou se ela deve ser infalível. Depois que resolvermos isso, se a justificação puder ser falível, então investigaremos qual o nível de justificação suficiente (aqui realizaremos uma investigação argumentativa, e não uma determinação arbitrária). Se a justificação dever ser infalível, então não há problemas.
Ok. Concordo com você que este é um problema posterior e que podemos deixá-lo para depois,se for o caso.
Iago: Quando falamos de conhecimento, também falamos de ações: um conhecimento serve para que eu interaja com mais ou menos exito com o mundo. A justificação infalível maximiza o exito, mas minimiza as ações, já que me sobram muitos poucos conhecimentos. Por outro lado, a justificação falível deixa o exito em um meio termo, mas aumenta muito as ações que posso realizar, já que ela me deixa muitos conhecimentos.
Discordo solenemente. Quando falamos de conhecimento, não estamos falando de ações. Estamos apenas falando de proposições que sabemos serem verdadeiras. Nossas ações e técnicas podem ser proporcionadas tanto por teorias verdadeiros como por teorias falsas. Embora chamemos o corpo do nosso conhecimento científico de "conhecimento", isso não significa que saibamos todas as proposições que se inserem em tal corpo; pois para saber, não podemos ter a possibilidade de estar errados. Assim, penso que se o seu problema é terminológico apenas, podemos resolvê-lo sem tornar o termo "saber" ambíguo. Poderíamos falar de saber, de achar e de ter o conhecimento científico como coisas de graus diferentes, mas pertencentes a um mesmo tipo; onde o conhecimento científico seria um "achar" justificado com muitas razões falíveis, um achar em alto grau (tendo as possibilidades de se estar errado diminuídas pela quantidade de boas razões). E o saber seria o mais alto grau nessa escala da certeza. Se aceitarmos essa gradação de graus de conhecer, tendo como ponto máximo o saber, "saber" não seria mais idêntico a "conhecer" e o "achar não-científico" seria, pelo menos em algum grau, conhecimento. E se fizermos isso, isso será uma perda menor do que dissolver a distinção entre saber e achar. Mas, lembrando, isso não permite dar justificações falíveis para justificar a asserção de saber, permite apenas para as de graus menores, como achar e ter conhecimento científico, que, por sua vez, não estão justificados como está o que sabemos.
Iago: Medindo o custo beneficio (coisa que não fiz muito rigorosamente aqui) acho dificil sua justificação infalível mostrar-se mais útil. E de qualquer forma, acho bem difícil que você consiga justificar, mostrando que a afirmação "sua justificação infalível é menos útil que a justificação falível" seja uma afirmação impossível.
É assim: não posso justificar infalivelmente o uso do critério, pois o uso não pode ser V ou F. Mas quanto à afirmação "a justificação infalível é mais útil que a justificação falível", posso justificá-la infalivelmente. Seguinte: primeiro precisamos abordar alguns dos termos dessa frase para que a explicação posterior fique mais clara. Esse é o caso do termo "útil": o que é útil é útil para alguma coisa; assim devemos tomar o termo "útil" na frase acima como significando "útil para alcançarmos a verdade", pois por mais que eu aceite que "conhecimento" não é algo tão forte, a questão persistiria: eu passaria a falar que a justificação infalível é mais útil para sabermos algo do que a justificação falível. Assim, partindo do ponto de que útil significa aqui "útil para alcançar a verdade", então parece que se a justificação infalível tem características que nos levam à verdade e a justificação falível não tem características que nos levam à verdade, e se não há mais características relevantes para falarmos com relação à capacidade das justificativas de nos levar à verdade, então a justificativa infalível é mais útil para nos levar à verdade do que a justificativa falível. Assim, é impossível que a justificação seja infalível e não seja mais útil para nos levar à verdade do que a justificação falível. Logo, a frase "não é o caso que a justificação infalível é mais útil para nos levar à verdade que a justificação falível" é algo como uma impossibilidade analítica; e, portanto, sua negação está infalivelmente justificada. Eu acho que o ponto principal de nossa discussão será se podemos falar realmente de conhecimento com outros critérios que não levem em conta a verdade.
Iago Bozza:
"Mas eu não aceito que ao possuir uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação /simpliciter /para aceitar P como verdadeiro. O que eu disse foi que ao possuirmos uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação para achar que P; dado que tomo as noções "achar que P" e "aceitar P como verdadeiro" como intrinsecamente diferentes. Ou seja, podemos justificar nossa aceitação da verdade de P, e dependendo dessas justificações (se forem falíveis ou infalíveis), vamos achar que P ou saber que P. Dessa forma, não é o caso que aceito que um sujeito obtém uma justificação /simpliciter/ para tomar P como verdadeiro mas não aceito que ele conheça que P. [Desculpe o uso do termo latino / simpliciter/, mas não consegui achar nenhum melhor. O que quero dizer com ele é algo como "sem mais determinações"]"
Esta parte ficou completamente confusa. Veja bem, em um e-mail anterior você disse:
" (...) Creio que você não deve ter problemas em aceitar que quando falamos que João tem um crença P, queremos dizer que P é é uma proposição que João aceita como verdadeira. Dado uma pessoa aceitar P como verdadeira, imagina-se que ela tem justificativas para tal. Se essas justificativas forem tais que essa pessoa não possa estar errada, ela sabe; mas se ela puder estar errada, ela acredita (acha). Nesse sentido, não posso aceitar que "joão tem a crença P" é sinônimo de "João acha que P". Pois frente a ter a crença P, uma pessoa pode achá-la ou sabê-la, de acordo com o tipo de justificativa que apresenta, a saber, se a justificativa é falível ou infalível. (...)"
Segundo esta última citação, "achar que P" é o mesmo que "aceitar P como verdadeiro e possuir uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro". Agora, segundo a penúltima citação, você diz: "não aceito que ao possuir uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação /simpliciter /para aceitar P como verdadeiro", e depois diz: "o que eu disse foi que ao possuirmos uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, temos uma justificação para achar que P". Mas achar que P não é aceitar P como verdadeiro e possuir uma justificação para aceitar P como verdadeiro? Esclareça melhor esta parte: ao possuirmos uma justificação falível para possuir a crença em P (isto é, para aceitarmos P como verdadeiro), então temos uma justificação simpliciter para possuirmos a crença em P? Tome cuidado com os termos: quando digo "temos uma justificação simpliciter para possuirmos a crença em P" quero dizer "não precisamos abandonar a crença em P para sermos racionais". Não estou fazendo distinções entre justificação falível ou justificação infalível, estou apenas considerando "justificação" no sentido mais geral do termo, que é a definição do Chisholm.
"E Em termos práticos, a diferença é que se estou justificado falivelmente, então eu não manteria minha crença com tanta força, quanto quando estou justificado infalivelmente. Além disso, seria irracional asserir P como verdadeira se há outras alternativas possíveis e se temos apenas justificações falíveis para aceitarmos P; enquanto se me baseio em justificações infalíveis, nunca seria irracional asseri-la como verdadeira, mesmo que haja outras alternativas possíveis. Assim, se vc tem justificação para achar que as amebas têm mente (justificação falível), não se segue que eu também deva aceitar "as amebas têm mente" como verdadeira nas discussões. Essa obrigação em aceitar apenas ocorre quando temos justificações infalíveis. Por isso, defendo que há diferenças práticas substanciais entre acreditar e saber e que, portanto, não é meramente um problema linguístico."
Bem, concordo que podem existir diferentes graus de certeza e diferentes graus de convicção de acordo com os diferentes tipos de justificativas. Eu terei uma certeza bem maior, e terei uma convicção bem maior (e vou manter minha crença com bem mais força) quanto mais forte for minha justificação. No entanto, acredito que não seja isso que esteja em disputa aqui. A questão é: quando é racional sustentar uma crença (independente do grau de certeza, convicção ou força)? Isto é, quando estamos justificados em sustentar uma crença? As respostas podem ser: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação infalível. Ou: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação falível.
Bem, se eu estou justificado em aceitar P como verdadeiro, então você também deve aceitar P como verdadeiro. Veja bem, as opções que existem são as seguintes: posso aceitar como verdadeiro que "as amebas têm mente", posso aceitar como verdadeiro que "as amebas não têm mente" e posso suspender o juízo quanto se as amebas têm mente ou não. Se analizarmos as suas justificações e as minhas justificações, e se as justificações que as amebas têm mente são melhores que as justificações que as amebas não têm mente, então estou justificado em aceitar como verdadeiro que as amebas têm mente e você não está justificado em acreditar que as amebas não têm mente.
É claro que, se essa justificação for falível, posso estar equivocado quanto ao fato das amebas terem mentes. Mas, dispondo das informações e justificações que eu possuía e que você possuía, era racional aceitar como verdadeiro que as amebas têm mente, e irracional aceitar como verdadeiro que as amebas não têm mente.
É claro que se a justificação simpliciter exigir uma justificação infalível, então é sempre irracional aceitar como verdadeiro qualquer proposição, a menos que ela possua uma justificação infalível.
"(...) Podereíamos falar de saber, de achar e de ter o conhecimento científico como coisas de graus diferentes, mas pertencentes a um mesmo tipo; onde o conhecimento científico seria um "achar" justificado com muitas razões falíveis, um achar em alto grau (tendo as possibilidades de se estar errado diminuídas pela quantidade de boas razões). E o saber seria o mais alto grau nessa escala da certeza. Se aceitarmos essa gradação de graus de conhecer, tendo como ponto máximo o saber, "saber" não seria mais idêntico a "conhecer" e o "achar não-científico" seria, pelo menos em algum grau, conhecimento. E se fizermos isso, isso será uma perda menor do que dissolver a distinção entre saber e achar. Mas, lembrando, isso não permite dar justificações falíveis para justificar a asserção de saber, permite apenas para as de graus menores, como achar e ter conhecimento científico, que, por sua vez, não estão justificados como está o que sabemos."
Aqui você volta a falar em graus e gradações. Continuo sustentando que o ponto não é esse. Com certeza existem diferentes graus de razões, diferentes graus de certeza e diferentes graus de convicção. O que está em jogo é o que estamos chamando de "justificação simpliciter" ou de "ser racional". Isto é, temos uma justificação simpliciter em sustentar a crença em P, ou seja, é racional sustentar a crença em P (independente do nome que você dê a isso, seja "achar", seja "saber cientifico", seja "conhecimento")? Até o que você sugeriu agora, parece que você não aceita justificação falível como justificação simpliciter. Mas não tenho certeza, vou esperar sua resposta.
Agora o último ponto, quanto às coisas que importam no conhecimento. Eu defendo que sejam duas coisas que importam: confiabilidade (capacidade de levar à verdade) e adequação (utilidade prática). Você defende que confiabilidade é a única coisa que importa. Considere as duas proposições: "eu sei que raíz de maracujá mata" e "eu sei que uma raíz de maracujá é uma raíz de maracujá". A afirmação que "eu sei que raíz de maracujá mata" é uma informação sobre o mundo. A afirmação "eu sei que uma raíz de maracujá é uma raíz de maracujá" não é uma informação sobre o mundo. Com a primeira afirmação eu faço coisas, a saber, evito de morrer por envenenamento comendo raíz de maracujá. Com a segunda afirmação, não faço nada. Bem, não vejo como discordar que estes dois conhecimentos são diferentes, e que atribuímos valores diferentes aos dois. No entanto, os dois são verdadeiros. A diferença, então, não pode ser quanto a verdade. A diferença então deve ser quanto a informação que eles veículam: um veicula uma informação importante, enquanto a outra veicula uma informação trivial. A partir disso, parece bastante evidente que a verdade não é a única coisa relacionada ao conhecimento. Aquilo que eu chamei de "adequação" (e que aqui estou chamando de "informação") também importa. Se você aceitar isso, sua justificação infalível da utilidade de seu critério vai por água baixo. Se você não aceitar isso, então você precisa mostrar que "informação" é um componente sem nenhuma importância para o "conhecimento".
"Eu acho que o ponto principal de nossa discussão será se podemos falar realmente de conhecimento com outros critérios que não levem em conta a verdade."
Isso acho impossível, e isso nunca defendi. Os critérios devem sim levar em conta a verdade (é o que estou chamando de confiabilidade), mas devem também levar em conta outras coisas (que estou chamando de adequação).
Rodrigo Cid:
Não, não, não... É o seguinte: no início da nossa conversa, eu ainda estava confuso com relação aos termos que deveria usar, e acabei dizendo que deveríamos pensar em "ter a crença P" como "aceitar P como verdadeiro", e em "achar que P" como "acreditar que P" (o que é "aceitar P como verdadeiro havendo a possibilidade de P não ser verdadeiro"); o que fazia com que pensássemos em "acreditar que P" como algo diferente de "ter a crença P". E disse também que deveríamos tomar o termo "saber que P" como algo distinto de "acreditar que P" (este seria o mesmo que "achar que P"), e que "saber que P" e "achar/acreditar que P" estão numa relação semelhante com "ter a crença P": ou seja, frente a aceitar P como verdadeiro (ter a crença P), podemos saber que P ou achar/acreditar que P de acordo com nossas justificações serem infalíveis ou falíveis. Entretanto, falar dessa forma torna a conversa bastante truncada, já que usaríamos o "acreditar" e o "ter uma crença" em sentidos substantivamente diferentes. Assim, percebi que tinha que utilizar um vocabulário menos truncado para falar o que eu estava querendo. Daí, em vez de falar da forma que eu estava fazendo, a fim de facilitar um pouco mais a comunicação entre nós, resolvi tomar o "ter a crença P" como a mesma coisa que "acreditar que P", e distingui-los de "achar que P". "ter a crença que P" e "acreditar que P" significam apenas "aceitar P como verdadeiro", e "achar que P" significa apenas "aceitar P como verdadeiro havendo a possibilidade de P não ser verdadeiro" (ter justificações falíveis para a crença P). Assim, "saber que P" significaria "aceitar P como verdadeiro sem que haja possibilidades de P não ser verdadeiro" (ter justificações infalíveis para a crença P).
Esses dois modos de falar são distintos apenas na forma, pois os dois dizem a mesma coisa, a saber, que há algo que é "aceitar uma proposição P como verdadeira" e que esse é um ato fundamental, que frente a ele e dependendo de suas justificativas, podemos: "saber que P" ou "achar que P". Onde se alguém sabe que P, então não pode estar errada, e se acha que P, então pode estar errada (ou certa). Isso é o que eu quero dizer. Creio que a discussão sobre se "acreditar que P" é o mesmo "achar que P" não nos levará a lugar nenhum. Sugiro deixemos de lado os termos "ter a crença P" e "acreditar que P" e os substituamos por "aceitar P como verdadeiro", pensando "aceitar P como verdadeiro" como intrinsecamente diferente de "achar que P". Afinal precisamos de um termo neutro que sirva para falar do ato de tomar algo como verdadeiro; "neutro" no sentido de não ser algo na disputa entre "saber" e "achar". Precisamos de tal termo neutro, pois se não não seríamos aptos a dizer que algo é tomado como verdadeiro sem asserir algum grau de certeza para essa afirmação. O fato de eu falar de "grau de certeza" mostra que eu penso que "achar que P" e "saber que P" encontram-se numa escala geral de certeza, onde o "saber que P" é o topo dessa escala e o "achar que P" é o termo que varia entre o topo e a base. Se eu sei, então tenho certeza, pois não posso estar errado; se eu acho com X% de certeza, então posso estar errado e penso que tenho (100-X)% de chance de estar errado.
Acredito que você deve agora ter entendido meus termos e, portanto, posso passar ao ponto principal (me diga, caso não tenha entendido). O ponto é a definição de "conhecimento": se "conhecer" (ou seja, "ter conhecimento") é o mesmo que "saber", então "conhecer" deve ser distinto de "achar". "Conhecer" deve, portanto, fazer com que seja impossível que estejamos errados com relação a algo se conhecemos esse algo; assim como ocorre com o "saber": se sabemos, não podemos estar errados. Isto é se saber é conhecer, então se conhecemos, não podemos estar errados no que conhecemos. Mas se você disser que conhecer é algo diferente de saber e que, por exemplo, leva em conta nossa capacidade de interferir no mundo, então eu responderia de algumas maneiras:
1. se devemos dizer que conhecemos X porque conseguimos interferir em X, então devemos dizer que uma criança conhece o funcionamento de uma gangorra porque tem a capacidade de interferir no seu funcionamento, e que um ferreiro possui o conhecimento sobre o ferro porque tem a capacidade de interferir no ferro. E, rotineiramente, não dizemos que um ferreiro tem que ter conhecimento do ferro e que uma criança tem que ter o conhecimento do funcionamento das gangorras. E ainda, se sabemos que P, não há nenhuma implicação para que consigamos interferir praticamente em P: "saber que" (know that) não tem implicações para "saber como" (know how).
2. se conhecer é diferente de saber, então eu restrinjo o assunto do qual estou falando e indico que estou apenas falando de "saber", e não especificamente de "conhecer". Tudo que teríamos feito, neste caso, seria dizer que o nome "conhecimento" (ou "conhecer") refere outra coisa que não o que "saber"/"saber que P" refere. Esse parece ser o caso de quem quer que a ciência seja conhecimento e decide que aceitará justificações falíveis para considerar algo conhecimeto. Aceitar justificações falíveis para algo ser conhecimento implica que mudemos o significado de "conhecimento" para algo distinto de "saber"; e, portanto, seria apenas adiar a questão. Uma pessoa que aceite que justificações falíveis são suficiente para o conhecimento não poderá pensar que, ao definir "conhecimento" como crença verdadeira justificada falivelmente, estará falando de quando uma pessoa sabe.
3. o problema exposto em 2 mostra que, ao definirmos o "conhecimento" como crença verdadeira justificada falivelmente, ainda não estaríamos falando de quando uma pessoa sabe. Se esse é o caso, então ainda caberia falar que pode haver algo que seja uma crença verdadeira justificada infalivelmente, a qual poderíamos identificar com o "saber". Esse "saber" estaria numa escala com relação ao "conhecimento", onde o primeiro faz com que não possamos estar errados e o segundo não faz tal coisa. Assim, caberia dizer que "saber" é "conhecer de verdade" (ou "realmente"; como se preferir) e que "conhecer" é apenas "achar com proximidade à certeza".
Iago: Ao possuirmos uma justificação falível para aceitarmos P como verdadeiro, temos uma justificação simpliciter para aceitarmos P como verdadeiro? (não precisamos abandonar a crença em P para sermos racionais) [minha arrumação da sua questão]
Sim, temos. Mas uma justificação simpliciter é algo que não vale a pena, pois podemos justificar muitas coisas se a justificação for simpliciter. Por exemplo: se já vimos espíritos (ou melhor, segundo um certo ateísmo religioso, alucinações de espíritos) algumas vezes, em detrimento de pessoas que nunca viram que não há espiritos, então eu não preciso abandonar a minha crença de que há espíritos para ser racional. O que quero dizer com tudo isso é que o fato de uma justificação falível implicar que ela própria seja uma justificação simpliciter não é de grande ganho teórico para você. Muitas coisas são justificações simpliciter; inclusive coisas que não aceitaríamos que são justificações num sentido mais forte.
Iago: Bem, concordo que podem existir diferentes graus de certeza e diferentes graus de convicção de acordo com os diferentes tipos de justificativas. Eu terei uma certeza bem maior, e terei uma convicção bem maior (e vou manter minha crença com bem mais força) quanto mais forte for minha justificação. No entanto, acredito que não seja isso que esteja em disputa aqui. A questão é: quando é racional sustentar uma crença (independente do grau de certeza, convicção ou força)? Isto é, quando estamos justificados em sustentar uma crença? As respostas podem ser: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação infalível. Ou: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação falível.
Quando falamos de certeza, podemos estar querendo usar dois sentidos diferentes: a certeza subjetiva e a certeza objetiva. A certeza subjetiva dá-se justamente pelo grau de força que uma crença tem em nós, e a certeza objetiva se dá pelo fato de o que afirmamos ter certeza não poder estar errado (objetivamente) ou poder estar errado. Quando temos certeza objetiva temos também certeza subjetiva (na verdade, creio que a certeza objetiva não implica a certeza subjetiva, mas isso não vem ao caso aqui), mas quando não temos certeza objetiva, então pode ser o caso que tenhamos ou não certeza subjetiva. Quando eu falo aqui de certeza e graus de certeza para o "saber" e para o "achar" não estou falando da certeza subjetiva, mas da certeza objetiva. Se, e só se, não é possível estarmos errados, temos certeza objetiva (e, portanto, sabemos), nos outros casos, apenas achamos (com maior ou menor grau de certeza subjetiva).
Você perguntou: quando é racional sustentarmos uma crença?
Eu respondo: não é quando não precisamos abandoná-la, mas quando ela se segue daquilo que estávamos falando ou quando sua negação é impossível. O fato de eu não precisar abandonar uma crença para ser racional não é algo que torna racional sustentarmos essa crença. "Ser racional sustentarmos uma crença" e "não ser irracional não abandonarmos uma crença" não são equivalentes, pois como você mesmo indicou "não abandonar" e "sustentar" não são equivalentes. Afinal, uma pessoa que não abandona sua crença não é necessariamente uma pessoa que sustenta sua crença: desde que haja alguma razão para não abandonar a minha crença, posso não abandonar a minha crença sem me tornar irracional, mas para sustentar uma crença, tenho que fornecer muito mais do que alguma razão que não permite que minha crença se torne irracional.
Você perguntou: quando é racional sustentar uma crença? E respondeu: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação infalível. Ou: é racional (estamos justificados simpliciter) em sustentar uma crença quando possuimos uma justificação falível.
Isso parece estranho. É racional sustentar uma crença quando não precisamos abandoná-la? Isso não é muito pouco? Segundo você, devemos responder que não precisamos abandonar uma crença P tanto quando sua aceitação tem uma justificação falível, quanto quando tem uma justificação infalível. Isso faz com que seja racional não precisar abandonar a crença P frente a uma justificação falível; o que, por sua vez, faz com que seja igualmente racional não precisarmos abandonar a a crença não-P frente a uma justificação falível. E a combinação disso faz com que seja racional que não precisemos abandonar P e que seja racional que não precisemos abandonar não-P. E isso é inconsistente, pois não podemos não abandonar p e não abandonar não-P ao mesmo tempo. Dados os meus argumentos anteriores, creio que você não pode pressupor sem mais argumentos que a justificação simpliciter é uma medida racional para sustentarmos teses.
Iago: Bem, se eu estou justificado em aceitar P como verdadeiro, então você também deve aceitar P como verdadeiro. Veja bem, as opções que existem são as seguintes: posso aceitar como verdadeiro que "as amebas têm mente", posso aceitar como verdadeiro que "as amebas não têm mente" e posso suspender o juízo quanto se as amebas têm mente ou não. Se analizarmos as suas justificações e as minhas justificações, e se as justificações que as amebas têm mente são melhores que as justificações que as amebas não têm mente, então estou justificado em aceitar como verdadeiro que as amebas têm mente e você não está justificado em acreditar que as amebas não têm mente.
O problema é que se você usa a justificação simpliciter para falar disso, então você não terá o direito de impedir que eu também esteja justificado em acreditar na negação do que você acredita somente pelo fato de as minhas razões serem piores que as suas. Se eu tenho qualquer razão para crer que as amebas têm mentes, então não será irracional que eu não abandone minha crença. E você, tendo melhores razões para crer que as amebas não têm mentes, estaria também justificado na sua crença, ou seja, não seria irracional que você não abandonasse sua crença. Você poderia indicar que você tem mais razões para acreditar no que acredita, mas isso não faria diferença, pois do momento que tenho uma razão para acreditar no que acredito não sou irracional.
Além disso, uma justificativa simpliciter (no seu sentido) ainda poderia ser falível ou infalível: uma pessoa está justificada simpliciter quando ela não precisa abandonar sua crença para ser racional. Para uma pessoa não precisar abandonar sua crença (ou seja, para alguém estar justificado simpliciter) e ser racional, ela precisará de razões para tal. E essas razões poderão impedir a negação da crença acreditada ou não. Assim, as razões que permitem uma justificação ser uma justificação simpliciter podem ser falíveis ou infalíveis.
E ainda caberia dizer que a justificação simpliciter, por depender de razões falíveis ou infalíveis, não nos diz se estamos justificados em achar ou em saber o que estamos afirmando. A justificação simpliciter não nos fala nada sobre achar ou saber realmente alguma coisa; ela apenas nos fala que podemos não ser irracionais ao não abandonar uma crença. Dessa forma, não consigo ver como tal justificação possa ser de alguma ajuda. Pode não ser irracional, num certo sentido, não abandonar uma crença, mas sabemos tal crença?
Tentar mudar o foco para o "racional" parece tentar fugir das questões epistemológicas de se sabemos o que afirmamos saber e de como fazemos para saber alguma coisa. Temos uma série de crenças que não são irracionais que não as abandonemos. E daí? Isso significa que as sabemos?
Iago: Até o que você sugeriu agora, parece que você não aceita justificação falível como justificação simpliciter. Mas não tenho certeza, vou esperar sua resposta.
Não. Na verdade é o contrário. Eu posso aceitar que a justificação falível é uma justificação simpliciter; o que eu não entendo é como a justificação simpliciter muda alguma coisa no que estamos conversando? O que eu quero saber é quando e como as pessoas sabem (e não podem estar erradas em) alguma coisa; e não como abandonamos e mantemos nossas crenças.
Iago: Agora o último ponto, quanto às coisas que importam no conhecimento. Eu defendo que sejam duas coisas que importam: confiabilidade (capacidade de levar à verdade) e adequação (utilidade prática). Você defende que confiabilidade é a única coisa que importa.
Preciso saber como você define "conhecimento". Se você acha que conhecer é o mesmo que saber, então não entendo como você pode defender que o conhecimento tem utilizada prática. E se você considera que ele não é idêntico ao saber, preciso saber como você o define.
Iago: Considere as duas proposições: "eu sei que raíz de maracujá mata" e "eu sei que uma raíz de maracujá é uma raíz de maracujá". A afirmação que "eu sei que raíz de maracujá mata" é uma informação sobre o mundo. A afirmação "eu sei que uma raíz de maracujá é uma raíz de maracujá" não é uma informação sobre o mundo. Com a primeira afirmação eu faço coisas, a saber, evito de morrer por envenenamento comendo raíz de maracujá. Com a segunda afirmação, não faço nada. Bem, não vejo como discordar que estes dois conhecimentos são diferentes, e que atribuímos valores diferentes aos dois. No entanto, os dois são verdadeiros. A diferença, então, não pode ser quanto a verdade. A diferença então deve ser quanto a informação que eles veículam: um veicula uma informação importante, enquanto a outra veicula uma informação trivial. A partir disso, parece bastante evidente que a verdade não é a única coisa relacionada ao conhecimento. Aquilo que eu chamei de "adequação" (e que aqui estou chamando de "informação") também importa.
Concordo com você que essas sentenças pertencem a tipos diferentes: uma veicula informação sobre o mundo (se for verdadeira) e a outra não veicula informação sobre o mundo (é apenas uma tautologia), ou seja, uma é sintética e a outra é analítica. Mas me parece que você (ou que eu) está misturando a distinção entre sintético e analítico com a distinção entre saber que (know that) e saber como (know how). Por mais que eu saiba que maracujá cura o envenenamento e como o maracujá faz isso, pode ser o caso de eu nunca aplicar ou conseguir aplicar praticamente esse conhecimento; e é nesse sentido que neguei que o conhecimento (o que eu considero "know that") está ligado necessariamente a aplicações práticas (know how). Mas é claro que concordo com você que o que podemos considerar como possível conhecimento não são somente as frases analíticas, mas também as frases sintéticas. A única coisa que quis dizer é que o conhecimento não é know how, mas é know that, ou seja, o conhecimento é proposicional. Assim, concordo inteiramente que deve haver adequação entre a frase e o mundo referido para que ela seja verdadeira num sentido não-minimalista (não meramente formal).
Iago: A partir disso, parece bastante evidente que a verdade não é a única coisa relacionada ao conhecimento. Aquilo que eu chamei de "adequação" (e que aqui estou chamando de "informação") também importa. Se você aceitar isso, sua justificação infalível da utilidade de seu critério vai por água baixo. Se você não aceitar isso, então você precisa mostrar que "informação" é um componente sem nenhuma importância para o "conhecimento".
Eu aceito que a adequação é importante para o conhecimento; mas só o aceito porque a própria verdade é importante para o conhecimento e porque a adequação da frase ao mundo referido é importante para a verdade da frase, assim como, por exemplo, uma forma lógica legítima com premissas verdadeiras é importante para a verdade da conclusão. Mas, ainda assim, não entendo por que a minha justificação infalível da utilidade do meu critério vai por água abaixo. Ainda pode ser mostrado infalivelmente que o meu critério é mais útil que a justificação falível. Mas por que eu falo isso? Porque não considero que haja apenas impossibilidades lógico-analíticas: há impossibilidades lógico-analíticas e impossibilidades físicas; posso justificar infalivelmente o meu saber de uma frase sintética indicando como o estado de coisas atual impossibilita o estado de coisas representado pela negação da frase que sei.
Iago Bozza:
Olha, em seu último e-mail fiquei com a impressão que você entendeu muitas coisas que eu escrevi de maneira equivocada. Então, acho que vai ficar um pouco difícil responder ao seu último e-mail de forma pontual. O que eu vou fazer é reformular meus argumentos para tentar deixá-los mais claros.
Aceito que "saber" seja o mesmo que "aceitar que P é verdadeiro, possuir uma justificação infalível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". (Eu sei que você considera trivial a última condição, mas não faz mal mantê-la). Aceito que "achar" seja o mesmo que "aceitar que P é verdadeiro, possuir uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". (Eu sei que você considera trivial a última condição, mas não faz mal mantê-la). Agora eu pergunto: além do fato de "saber" ser uma indicação para "justificação infalível" (e disso se segue que não posso estar errado) e do fato de "achar" ser uma indicação para "justificação falível" (e disso se segue que posso estar errado), qual a diferença entre "saber" e "achar"?
Se não existir nenhuma outra diferença, então a questão é puramente terminológica e não existe disputa. Isto é, você aceita que "para aceitar que P é verdadeiro, tenho que possuir uma justificação infalível". E você também aceita que "para aceitar que P é verdadeiro, posso possuir uma justificação falível". A única diferença é puramente terminológica: no primeiro caso você usa o termo "saber" e no segundo caso você usa o termo "achar". Se for apenas esse o caso, não existe disputa: para mim tanto faz qual termo vamos usar em qual caso. Se você quiser usar o termo "XYZ" para o primeiro caso e o termo "ABC" para o segundo caso, não vou discordar.
No entanto, acredito que você parece estar sustentando uma tese mais substancial do que essa. Acredito que sua questão não seja apenas terminológica, acredito que sua questão seja algo além. A tese que você parece querer sustentar é a seguinte: "para aceitar que P é verdadeiro, tenho que possuir uma justificação infalível, e, se eu não possuir uma justificação infalível, então não posso aceitar que P é verdadeiro". Isto é, você nega que eu possa lançar mão de justificações falíveis para aceitar que P é verdadeiro.
Então vamos por partes: a sua questão é puramente terminológica ou você nega que é legitimo lançarmos mão de justificações falíveis? Suas respostas são todas contraditórias. Uma hora você diz que se temos uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, então podemos aceitar P como verdadeiro. Outra hora você diz que se temos uma justificação falível para aceitar que P é verdadeiro, então podemos também ter uma justificação falível para aceitar que P é falso e isso é incoerente e, portanto, que se temos uma justificação falível para aceitar que P é verdadeiro, então não podemos aceitar que P é verdadeiro porque a justificação falível é muito fraca.
Veja bem Rodrigo, a discussão de "se a justificação falível é legitima" é a discussão de se "aceitar que P é verdadeiro apenas com uma justificação falível é legitimo". Quando falamos de "justificar a aceitação que P é verdadeiro" falamos de "ter direito de aceitar que P é verdadeiro". Se o ponto não é puramente terminológico, então o ponto diz respeito à justificação. No entanto, se você aceitar que a justificação falível é uma justificação legítima, e, portanto, se você aceitar que a justificação falível nos dá o direito de aceitar que P é verdadeiro, então não existe nenhuma discordância substancial. Existe apenas discordancia terminológica, que, por sinal, eu nem discordo da terminologia.
Então vamos por partes: a sua questão é puramente terminológica ou você nega que é legitimo lançarmos mão de justificações falíveis? Suas respostas são todas contraditórias. Uma hora você diz que se temos uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro, então podemos aceitar P como verdadeiro. Outra hora você diz que se temos uma justificação falível para aceitar que P é verdadeiro, então podemos também ter uma justificação falível para aceitar que P é falso e isso é incoerente e, portanto, que se temos uma justificação falível para aceitar que P é verdadeiro, então não podemos aceitar que P é verdadeiro porque a justificação falível é muito fraca.
Veja bem Rodrigo, a discussão de "se a justificação falível é legitima" é a discussão de se "aceitar que P é verdadeiro apenas com uma justificação falível é legitimo". Quando falamos de "justificar a aceitação que P é verdadeiro" falamos de "ter direito de aceitar que P é verdadeiro". Se o ponto não é puramente terminológico, então o ponto diz respeito à justificação. No entanto, se você aceitar que a justificação falível é uma justificação legítima, e, portanto, se você aceitar que a justificação falível nos dá o direito de aceitar que P é verdadeiro, então não existe nenhuma discordância substancial. Existe apenas discordancia terminológica, que, por sinal, eu nem discordo da terminologia.
Minha posição: tanto a justificação falível quanto a justificação infalível são legítimas. Sobre o fato de eu poder possuir uma justificação para P e uma justificação para não-P, isso é falso. Não posso, ao mesmo tempo, possuir uma justificação para P e uma justificação para não-P. Eu posso ter razões para P e razões para não-P, e, então, eu vou pesar as razões para P, e as razões para não-P e, então, o que pesar mais é o que está justificado. Pode acontecer de eu estar justicado que P hoje e, à luz de novas informações, deixar de estar justificado que P amanhã. No entanto, isso não é problema, e só mostra um fato que todos aceitamos, a saber, que somos falíveis. Bom, quanto ao fato de você não entender como o conhecimento pode ou não ter utilidade prática, pense no seguinte: "amanhã o sol não vai nascer". Se você conhecer esta proposição, ela tem alguma utilidade prática na sua vida? Você vai mudar algo na sua vida dependendo de você saber isso ou não? Agora pense no seguinte: "O sol é o sol". Se você conhecer esta proposição, ela tem alguma utilidade prática na sua vida? Você vai mudar algo na sua vida dependendo de você saber isso ou não? É isso que chamo de utilidade prática. Ou de adequação. Vamos ver se as coisas ficam mais claras. Se não, nós podemos marcar um dia para discutirmos isso pessoalmente!
Rodrigo Cid:
Que bom que conversamos pessoalmente e conseguimos entender qual é a questão principal. Vamos lá, então. "Saber que P" é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação infalível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". "Achar que P" é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro". (P não tem que ser verdadeiro neste caso)
Iago: A tese que você parece querer sustentar é a seguinte: "para aceitar que P é verdadeiro, tenho que possuir uma justificação infalível, e, se eu não possuir uma justificação infalível, então não posso aceitar que P é verdadeiro". Isto é, você nega que eu possa lançar mão de justificações falíveis para aceitar que P é verdadeiro.
Não. Eu posso aceitar que P é verdadeiro tendo justificações falíveis ou infalíveis, mas para sustentar que P é verdadeiro e, assim, querer que outras pessoas também aceitem P, parece que teremos que pensar sobre o conhecimento. Se consideramos que as justificações falíveis são suficientes para produzir conhecimento de algo, então aceitaremos que justificações falíveis são suficiente para sustentar algo. E o mesmo ocorre para as justificações infalíveis. O problema é que sempre parece possível suspender o juízo frente a ter apenas justificações falíveis.
Não quero dizer com isso que não poderemos definir o conhecimento como crença verdadeira justificada falivelmente. É claro que podemos. Mas parece que inserir o fator "verdadeiro" na definição do que é o conhecimento não nos diz quais das crenças que aceitamos como verdadeiras são realmente conhecimento. Quando nos perguntamos o que é o conhecimento parece que queremos conseguir distinguir nossas crenças que são conhecimento das que não são. E tudo que conseguimos da definição de conhecimento como crença verdadeira justificada falivelmente é saber que se nossas crenças justificadas falivelmente forem verdadeiras, então temos o conhecimento delas. Entretanto, isso não nos ajuda a distinguir as crenças que são conhecimento das que não são. Portanto, a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada falivelmente não nos ajuda a responder a questão epistemológica com relação à distinção entre nossas crenças conhecidas e nossas crenças não-conhecidas. Eu concordo que ter uma crença verdadeira justificada é ter conhecimento, mas só é conhecimento, pois a restrição de "ser verdadeiro" faz com que seja impossível "ser falso". Mas como eu disse, não nos ajuda nem um pouco na questão epistemológica. E ainda, tende a nos confundir, já que pensaríamos (não necessariamente pensaríamos isso, mas é o que é comum pensar) que nossas crenças justificadas falivelmente seriam conhecimento. Isso é o que acontece quando aceitamos a justificação falível para sustentar P; não é porque temos uma justificação falível de P que podemos sustentar que conhecemos P, pois não sabemos se P é verdadeira (a não ser que saibamos que P é verdadeira: aí podemos sustentar que P com justificações falíveis; na verdade, aí não seriam nem justificações falíveis, pois se sabemos que P é verdadeira, então temos justificações infalíveis para P). E faz parte de conhecer que P, P ser verdadeira.
Assim, parece que devemos nos perguntar "quando sabemos que conhecemos que P?", pedindo que quem responder não responda em termos metafísicos (tipo: "P ser verdadeira"), mas em termos epistêmicos, já que estamos em busca de um critério para distinguir entre as crenças que sabemos e as que não sabemos (ou entre as que conhecemos e as que não conhecemos).
Iago: Então vamos por partes: a sua questão é puramente terminológica ou você nega que é legitimo lançarmos mão de justificações falíveis?
Minha questão é terminológica, mas envolve a letimidade do uso das justificações falíveis. Mas vamos por partes. Eu nego que possamos lançar mãos de justificações falíveis para sustentar que conhecemos que P, pois só saberíamos dois dos critérios para algo ser conhecimento. E digo que se sabemos os três critérios, então sabemos uma justificação infalível para algo ser sustentado como conhecimento. Mas é claramente legítimo, frente a não termos o conhecimento da verdade de P, falarmos que devemos aceitar as justificações falíveis provisioriamente enquanto estamos na busca do conhecimento. Assim, justificações falíveis seriam por mim aceitas para sustentar que P é muito provavelmente verdade (esse "muito" do "muito provavelmente" varia de acordo com as justificações) e que, portanto, muito provavelmente conhecemos que P. Todavia uma pessoa não tem que aceitar que P é verdade com base em justificações falíveis, pois pode ser o caso de as justificações falíveis não levarem à verdade do que se afirma. Mas, é claro, essa pessoa irá aceitar que muito provavelmente P é verdade, mas não que temos o conhecimento de P (pois não sabemos se P é verdade). Para asserirmos que algo é conhecimento, ou para sustentarmos que temos um certo conhecimento, precisamos saber que conhecemos, ou seja, além das justificações falíveis, precisamos saber que P é verdade. E não sabemos que P é verdade a partir de justificações falíveis.
Uma pessoa, então, pode querer, frente a justificações falíveis, suspender seu juízo com relação à verdade de P ou aceitar P como verdadeira. Uma pessoa que suspende o juízo não precisa esquecer de que há justificações falíveis para P; é claro que ela pensará ser mais plausível aceitar crenças com mais justificações (ou melhores) falíveis do que menos (ou piores) justificações falíveis, embora ele não aceite e nem rejeite que P é verdade (ele só afirma que não podemos, frente a justificações falíveis, afirmar que P é verdade). E se não podemos afirmar que P é verdade frente a justificações falíveis, então também não podemos dizer que temos conhecimento de P, frente a justificações falíveis, pois em última instância não podemos afirmar que sabemos que P é verdade. Assim, frente a justificações falíveis, e sem saber se P é verdade, não temos como saber se temos conhecimento de P. Para saber tal coisa, precisaremos nos perguntar "como sabemos que P é verdade?". Essa pergunta é essencial para respondermos "o que fazemos para saber que conhecemos P?". Esta última pergunta parece que se segue sempre que tentamos responder a pergunta epistemológica "o que é conhecer?" com um critério metafísico. Parece que o uso do critério metafísico não satisfaz a questão, que parece se fundamentar na dúvida sobre quais de nossas crenças são conhecimento.
Iago: Veja bem Rodrigo, a discussão de "se a justificação falível é legitima" é a discussão de se "aceitar que P é verdadeiro apenas com uma justificação falível é legitimo". Quando falamos de "justificar a aceitação que P é verdadeiro" falamos de "ter direito de aceitar que P é verdadeiro".
Aqui parece estar o ponto. Justificar a aceitação de P como verdadeiro não é o mesmo que justificar a obrigatoriedade em aceitar P como verdadeiro. Posso justificar por que aceito P como verdadeiro com justificações falíveis, mas não posso sustentar que P é verdadeiro (ou seja, querer que todos aceitem que P é verdadeiro, em detrimento de serem irracionais) com base apenas em justificações falíveis. Não é irracional que você não abandone sua crença em P se você tem justificações falíveis; mas também não é irracional que uma pessoa não se posicione a favor da veracidade de P se só tiver justificações falíveis. Mesmo que não seja irracional manter a crença em P tendo apenas justificações falíveis, ainda faltaria algo para que você conseguisse sustentar a obrigatoriedade de aceitarmos P com somente a justificação falível. Uma pessoa tem o direito de aceitar que P é verdadeiro com justificações falíveis, mas não está obrigada a tal. E parece que justificar a obrigatoriedade em aceitar que P é verdadeiro é exigido para afirmarmos algo como um conhecimento nosso; e essa justificação de obrigatoriedade parece exigir infalibilidade.
Iago: Sobre o fato de eu poder possuir uma justificação para P e uma justificação para não-P, isso é falso. Não posso, ao mesmo tempo, possuir uma justificação para P e uma justificação para não-P. Eu posso ter razões para P e razões para não-P, e, então, eu vou pesar as razões para P, e as razões para não-P e, então, o que pesar mais é o que está justificado.
Ok. Creio que posso concordar sem criar problemas para o que eu falei acima.
Iago: Pode acontecer de eu estar justicado que P hoje e, à luz de novas informações, deixar de estar justificado que P amanhã. No entanto, isso não é problema, e só mostra um fato que todos aceitamos, a saber, que somos falíveis.
Ok. Mas como disse, sua justificação, se permitir tal coisa, faz apenas com que vc não seja irracional ao aceitar a crença justificada, mas não faz com que seja obrigatório que todos a aceitem.
Eu penso que "utilidade prática" como você está explicando não tem nada a ver com a "adequação". Adequação é algo como conformidade ao mundo. E isso eu concordo que há, pois a verdade não está apenas na forma das proposições [ou seja, não é verdade que A=A apenas porque isso é uma frase analítica, mas porque no mundo para todo A, A=A; embora haja um sentido minimalista e meramente formal no qual A=A]. Mas acredito que você queira falar sobre adequação da frase ao mundo, e não da utilidade prática dela, pois a utilidade prática é o que fazemos com uma determinada frase, e mesmo que uma frase seja informativa com relação ao mundo, podemos não fazer nada com ela. Por isso acredito que você esteja falando, quando fala de adequação, de algo como a capacidade de informar algo sobre o mundo. E isso eu concordo com você: duas partes do conhecimento são a verdade meramente formal e a adequação com o mundo. Então, só resumindo, acho que o ponto principal que parece rodear nossa discussão agora é "como fundamentar a obrigatoriedade da aceitação de uma certa proposição como verdadeira?"
Iago Bozza:
Você parece estar fazendo uma distinção entre aceitar que P é verdadeiro e sustentar que P é verdadeiro. No primeiro caso, eu posso aceitar que P, mas não posso exigir que terceiros aceitem que P, enquanto que no segundo caso, eu posso aceitar que P e posso exigir que terceiros aceitem que P. No primeiro caso, parece que estamos falando do direito de aceitar que P é verdadeiro, enquanto que no segundo caso, parece que estamos falando do dever de aceitar que P é verdadeiro. Se for isso, aceito a distinção sem problemas!
Além disso, você sustenta que uma justificação falível é suficiente para aceitar que P é verdadeiro, mas que não é suficiente para sustentar que P é verdadeiro. O seu argumento para sustentar isso é que “sempre parece possível suspender o juízo frente a ter apenas justificações falíveis”. Se for isso, discordo solenemente! Acredito que justificações falíveis, além de serem suficientes para aceitar que P é verdadeiro, também são suficientes para sustentar que P é verdadeiro.
Antes de tratar deste assunto, que acredito ser o principal, quero tratar de outro assunto, que tem a ver com a condição “P ser verdadeiro” na definição do conhecimento.
(i) Você afirmou, sobre isso, que o que se espera de uma definição de conhecimento é que a definição nos torne capaz de distinguir entre as coisas que são conhecimento das coisas que não são conhecimento. Isto é, uma definição de conhecimento teria que nos tornar capazes de distinguir entre as crenças que são justificadas e verdadeiras das crenças que não são justificadas e verdadeiras.
(ii) Você também afirmou que a condição “P ser verdadeiro” na definição do conhecimento não nos ajuda em nada a distinguir entre as coisas que são conhecimento das coisas que não são conhecimento.
(iii) Por isso, a condição “P ser verdadeiro” não serve para nada na definição do conhecimento.
Bem, discordo de (i), aceito (ii) e discordo de (iii). O que se espera de uma definição de conhecimento não é que ela nos tone capaz de distinguir entre as coisas que são conhecimento das coisas que não são conhecimento, mas sim que ela nos torne capaz de identificar o que algo tem que ser para ser conhecimento. Da mesma maneira, o que se espera de uma definição de beleza não é que ela nos torne capaz de distinguir entre as coisas que são belas das coisas que não são belas, mas sim que ela nos torne capaz de identificar o que algo tem que ser para ser belo. Por exemplo, posso definir a beleza como harmonia. Segundo esta definição, algo é belo se e somente se é harmônico. No entanto, esta definição não me diz nada sobre como distinguir as coisas que são harmônicas das coisas que não são harmônicas e, portanto, não me diz nada sobre como distinguir as coisas que são belas das coisas não são belas. Mesmo assim, o fato de a definição não dizer nada sobre como distinguir o belo do não belo não faz com que minha definição de beleza seja uma definição deficiente de beleza. Neste sentido, tanto a definição de conhecimento como "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro", quanto na definição de beleza como harmonia, o que a definição fornece é uma condicional, e isso não é problema em nenhum dos dois casos. Na verdade, toda definição fornece apenas uma condicional (a forma lógica de uma definição, de fato, é uma bicondicional).
Outra expressão que você usou muito foi a expressão “quando sabemos que conhecemos que P”. Está um pouco confuso o que você quer dizer com isso. “Conhecer que P” é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". “Saber que P” é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação infalível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". “Saber que conheço que P” deve ser algo como “Aceitar que, possuir uma justificação infalível para , e ser verdadeiro.
Outra expressão que você usou muito foi a expressão “quando sabemos que conhecemos que P”. Está um pouco confuso o que você quer dizer com isso. “Conhecer que P” é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação falível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". “Saber que P” é "aceitar P como verdadeiro e ter uma justificação infalível para aceitar P como verdadeiro e P ser verdadeiro". “Saber que conheço que P” deve ser algo como “Aceitar que
O que você disse com a expressão “quando sabemos que conhecemos que P”, ao pé da letra, foi isso. No entanto acredito que o que você quer dizer com “quando sabemos que conhecemos que P” é algo do tipo “quando temos certeza que P é verdadeiro”. Ou, em outras palavras, “quando temos uma justificação infalível para P” De qualquer maneira, a versão complicada do que você disse, e a versão simplificada do que você parece querer dizer, são, no fundo, a mesma coisa.
Esclarecidos estes pontos, vamos à questão principal, que é responde o que é suficiente para sustentar que P é verdadeiro, ou, como você colocou, "como fundamentar a obrigatoriedade da aceitação de uma certa proposição como verdadeira?". Como já disse, acredito que justificações falíveis, além de serem suficientes para aceitar que P é verdadeiro, também são suficientes para sustentar que P é verdadeiro. Vou tentar colocar de uma maneira simples e concreta: uma pessoa aceita que a proposição “o sol vai nascer amanhã” é verdadeira e ela possui justificações falíveis para aceitar que a proposição “o sol vai nascer amanhã” é verdadeira (justificações estas que se baseiam, dentre outras coisas, no senso comum, numa indução simples e em dados científicos, astronômicos, e etc.). Se a proposição for verdadeira, ela possui conhecimento, se a proposição for falsa, ela não possui conhecimento. Parece que a proposição não pode ser justificada infalivelmente, portanto, a pessoa não tem certeza nem que a proposição é verdadeira e nem que a proposição é falsa. Minha questão: é racional suspender o juízo quanto a esta proposição ou é irracional suspender o juízo quanto a esta proposição? Se é racional suspender o juízo quanto a esta proposição, qual seria a atitude no dia a dia desta pessoa racional que não aceita nem que o sol vai nascer amanhã e nem que o sol não vai nascer amanhã? Será que a pessoa não está obrigada, do ponto de vista da racionalidade, a aceitar a proposição como verdadeira, frente a todas as evidências a favor da proposição, mesmo que estas evidências não sejam infalíveis?
Acredito que seja irracional suspender o juízo neste caso, e acredito que a única atitude racional seja aceitar que P é verdadeiro. Isso pode ser afirmado intuitivamente. Acredito que não seja claro o nível de razões para alguém ser obrigado a aceitar algo como verdadeiro. Frente a razões muito fracas, mesmo que sejam razões, elas ainda podem não ser justificações falíveis. No entanto, frente a razões muito fortes, então possuímos uma justificação falível para aceitar e para sustentar que P é verdadeiro. A simples possibilidade remota de erro não parece ser suficiente para servir de desculpa para alguém negar que o sol vá nascer amanhã e nem para alguém suspender o juízo quanto ao sol nascer amanhã.
Rodrigo Cid:
Vamos la, entao. (estou num teclado com os acentos todos trocados)
Eu posso aceitar que saber é também crenca verdadeira justificada. Mas daí meu próximo passo seria dizer que você precisa me dizer como sei que uma cren;a é verdadeira. E você precisa fazer tal coisa, pois estamos perseguindo uma teoria epistêmica da verdade, e náo uma teoria metafísica da verdade. Dizer que uma crenca é verdadeira quando corresponde a realidade (ou quando se adequa ao critério metafísico escolhido por nós) nao irá ajudar, porque o que eu quero saber é COMO SEI que uma crenca é verdadeira, e nao QUANDO uma crenca É verdadeira. Responder a última questao, em detrimento da primeira, é fugir de uma teoria epistêmica para uma teoria metafísica da verdade (ou do conhecimento). Assim, é claro que aceito que saber é ter crencas verdadeiras e justificadas (ainda que falivelmente), mas como pretendo ter mostrado, isso nao responde minha questao epistêmica de o que é o saber. Portanto, ao responder metafisicamente a uma pergunta epistêmica, você seria obrigado a responder quando sabemos que uma proposicao é verdadeira. Assim como no caso do belo. Uma pessoa que defina o belo como aquilo que é harmônico, teria criado uma teoria metafísica do belo, mas ainda nos faltaria responder a questao de como sabemos que algo é harmônico, para termos também respondido a questao epistêmica. Responder metafisicamente à questao epistêmica é apenas adiar a questao. Ainda perguntariamos ``e como sabemos que algo é harmonico? ``. Responder que algo é harmonico quando as partes estao unidas de uma certa forma só adiará a questao, pois perguntaríamos ``e como sabemos que as partes estao unidas dessa forma?``... Uma resposta metafísica nao sana nossa questão epistêmica, embora seja uma boa resposta para uma teoria metafísica.
Iago - Você parece estar fazendo uma distinção entre aceitar que P é verdadeiro e sustentar que P é verdadeiro. No primeiro caso, eu posso aceitar que P, mas não posso exigir que terceiros aceitem que P, enquanto que no segundo caso, eu posso aceitar que P e posso exigir que terceiros aceitem que P. No primeiro caso, parece que estamos falando do direito de aceitar que P é verdadeiro, enquanto que no segundo caso, parece que estamos falando do dever de aceitar que P é verdadeiro. Se for isso, aceito a distinção sem problemas!
É isso mesmo que estou falando.
Iago - Acredito que justificações falíveis, além de serem suficientes para aceitar que P é verdadeiro, também são suficientes para sustentar que P é verdadeiro.
Discordo, como parece óbvio, dada a posicao que venho assumindo. Depois explico.
Iago - Bem, discordo de (i), aceito (ii) e discordo de (iii). O que se espera de uma definição de conhecimento não é que ela nos tone capaz de distinguir entre as coisas que são conhecimento das coisas que não são conhecimento, mas sim que ela nos torne capaz de identificar o que algo tem que ser para ser conhecimento. Da mesma maneira, o que se espera de uma definição de beleza não é que ela nos torne capaz de distinguir entre as coisas que são belas das coisas que não são belas, mas sim que ela nos torne capaz de identificar o que algo tem que ser para ser belo.
Você parece discordar de (i) e de (iii), porque parece confundir uma teoria metafísica com uma teoria epistêmica do conhecimento (ou da verdade). É claro que ``P ser verdadeiro`` ajuda uma teoria metafísica da verdade, mas em nada ajuda uma teoria epistêmica da verdade. E quando nos perguntamos o que é saber, queremos uma resposta em vista a saber quais sao as crencas verdadeiras e quais sao as falsas, se estamos fazendo uma teoria epistêmica (uma teoria metafísica nao exigiria tal coisa). Assim como no caso do belo. Dizer que ele é harmonia nos ajuda numa teoria metafísica, mas nao numa teoria epistêmica da beleza.
Iago - No entanto acredito que o que você quer dizer com “quando sabemos que conhecemos que P” é algo do tipo “quando temos certeza que P é verdadeiro”. Ou, em outras palavras, “quando temos uma justificação infalível para P”. De qualquer maneira, a versão complicada do que você disse, e a versão simplificada do que você parece querer dizer, são, no fundo, a mesma coisa.
Eu acho que foi isso mesmo que quis dizer. Me compliquei um pouco com as palavras...
Iago - Parece que a proposição não pode ser justificada infalivelmente, portanto, a pessoa não tem certeza nem que a proposição é verdadeira e nem que a proposição é falsa. Minha questão: é racional suspender o juízo quanto a esta proposição ou é irracional suspender o juízo quanto a esta proposição? Se é racional suspender o juízo quanto a esta proposição, qual seria a atitude no dia a dia desta pessoa racional que não aceita nem que o sol vai nascer amanhã e nem que o sol não vai nascer amanhã? Será que a pessoa não está obrigada, do ponto de vista da racionalidade, a aceitar a proposição como verdadeira, frente a todas as evidências a favor da proposição, mesmo que estas evidências não sejam infalíveis? Acredito que seja irracional suspender o juízo neste caso, e acredito que a única atitude racional seja aceitar que P é verdadeiro. Isso pode ser afirmado intuitivamente. Acredito que não seja claro o nível de razões para alguém ser obrigado a aceitar algo como verdadeiro. Frente a razões muito fracas, mesmo que sejam razões, elas ainda podem não ser justificações falíveis. No entanto, frente a razões muito fortes, então possuímos uma justificação falível para aceitar e para sustentar que P é verdadeiro. A simples possibilidade remota de erro não parece ser suficiente para servir de desculpa para alguém negar que o sol vá nascer amanhã e nem para alguém suspender o juízo quanto ao sol nascer amanhã.
Sim. É racional suspender o juízo com relacao a essa proposicao, pois nao temos justificacoes infalíveis para ela. Assim como nao é irracional aceitar P como verdadeiro, já que temos muitas justificacoes falíveis para P, e nenhuma justificacao infalível para P ou nao-P. A atitude de uma pessoa que suspende seu juízo com relacao à proposicao ``o sol irá nascer amanha`` seria parecida com a da pessoa que aceita tal crenca. Ela faria planos para caso o sol nascesse amanha e nao faria planos caso ele nao nascesse (pois ela estaria morta). Além disso, ela nao quereria que outras pessoas se obrigassem a aceitar que o sol nasceria amanha (assim como o pode fazer uma pessoa que aceita que P, sem sustentar que P) (tomemos ``P`` como a proposicao ``o sol nascerá amanha``). Nao é irracional suspender o juízo, pois nao cometemos nenhuma contradicao ao aceitarmos todas as evidências e mesmo assim dizermos que nao aceitamos que P e nem que nao-P, dada a falibilidade das evidências. Se há a possibilidade de estarmos enganados, entao nao há obrigatoriedade em aceitar que P, mesmo que seja muito provável que P seja verdadeiro (embora talvez haja alguma irracionalidade, ou pelo menos alguma incoerência, em aceitar que nao-P em detrimento de aceitar que P). ``Ser irracional aceitar que P ou suspender o juízo sobre P`` é cometer uma contradicao ao aceitar ou suspender o juízo com relacao a P. E em nenhum momento em que suspendemos o juízo ou em que aceitamos que P cometemos contradicoes. A simples possibilidade remota de erro é suficiente para fundamentar a racionalidade da suspensao do juízo. Nao cometo nenhum erro de raciocínio ao suspender meu juízo. Mas para fundamentar a obrigatoriedade da aceitacao de P e fazer com que fosse irracional suspender o juízo om relacao a P, precisaríamos mostrar que essa possibilidade remota nao existe, ou seja, precisamos tornar a nossa justificativa infalível. A possibilidade remota nao serve para alguém aceitar que nao-P, pois há mais evidências falíveis para a crenca em P, mas serve de fundamentacao para a suspensao do juízo. Gostaria que você me mostrasse qual é a irracionalidade em aceitar as evidências falíveis (como evidências falíveis) com relacao a P e suspender o juízo com relacao a P.
E sustentar que P como base em justificativas falíveis nao parece ser irracional, mas parece ser um passo largo demais. Você nao pode me obrigar a aceitar que sua mae está no IFAC com base apenas nela ter dito isso e no fato de ela nao mentir rotineiramente. Assim como você nao pode me obrigar a aceitar que o sol nascerá amanha com base apenas em dados astronômicos e com base numa intuicao geral. A astronomia nao sabe quais sao todos os fatores do universo que influem no comportamento dos astros. A astronomia tem dados muito coerentes para afirmar que P, mas eles nao impossibilitam nao-P. Portanto, ela nao poderia me obrigar a aceitar que P, embora eu possa aceitar que P. E se eu aceitasse que P, a única coisa que estaria fazendo é achar que P com proximidade à certeza, e nao saber que P. Nao ter motivos para duvidar nao significa que nao há uma possibilidade de estarmos enganados. E se há tal possibilidade, entao nao podemos obrigar ninguém a aceitar que P. Mas uma pessoa que nega que sabe que P, ela ainda pode achar que P. O que será muito útil para sua vida, pois ela ainda poderá se guiar pelo que acha que é verdadeiro. Mas ainda que essa pessoa sustentasse que P é verdadeiro com base no que acha que é verdadeiro, as outras pessoas nao estariam obrigadas a aceitar que P.
Iago Bozza:
Bem, vou responder dois pontos sobre o que você escreveu: em primeiro lugar, sobre a definição de conhecimento, e, em segundo lugar, sobre ser racional ou irracional suspender o juízo frente à justificações fortes, ainda que falíveis.
Sobre o primeiro ponto, acredito que uma definição sempre seja algo metafísico. Quando procuramos a definição de beleza, procuramos a natureza última da beleza. Isto é, quais propriedades uma coisa deve ter para ser considerada bela. Da mesma maneira, quando procuramos a definição de conhecimento, procuramos a natureza última do conhecimento. Isto é, quais propriedades uma coisa deve ter para ser considerada conhcimento. Por outro lado, existe um diferença importante entre a definição de beleza e a definição de conhecimento. Na definição de beleza, nenhum elemento precisa ser epistêmico. Por exemplo, posso dizer: beleza é o que é harmônico, nunca vamos saber o que é e o que não é harmonico, mas isso não vem ao caso, pois mesmo assim beleza é o que é harmônico (talvez não seja assim, mas não vem ao caso). Na definição de conhecimento, precisamos de uma elemento epistêmico, a saber, a justificação.
De acordo com a definição tripartida, conhecimento é definido através de um elemento metafísico / semantico (a verdade), um elemento metafísico / psicológico (a crença) e um elemento epistêmico (a justificação). Sendo assim, não é problema que a definição de conhecimento envolva elementos metafísicos. Talvez seja um problema (e acredito que seja) a definição de justificação envolver elementos metafísicos. ((P.S.: Na verdade não acho que o problema seja bem esse, mas por hora deixa assim. )) Se for assim, evitando elementos metafísicos na definição de justificação (que é o elemento epistêmico da definição de conhecimento) não há problema.
Sobre o segundo ponto, parece que o problema na sua posição é que não está claro o que implica suspender o juízo. Eu posso suspender o juízo sobre se o Prof. Sérgio vai trabalhar Teorias da Referencia ou Wittgenstein na disciplina eletiva do próximo período. Neste caso, eu posso buscar mais justificações sobre isso, posso não ler nem sobre um assunto nem outro ou posso ler sobre os dois assuntos.
No caso do sol nascer ou não nascer amanhã, quaisquer opções parecem intuitivamente irracionais: se eu me colocar em dúvida e buscar mais informações antes de adotar uma crença ou outra a reação de qualquer pessoa seria "Você já tem bastante informações!". Se eu não adotar atitudes referentes nem a uma crença nem a outra, e esperar sentado o que vai acontecer a reação também seria a mesma. Se eu adotar atitudes referentes às duas crenças também, digamos, comprando pão para o café da manhã e construir um abrigo subterrâneo ainda hojne para tentar sobreviver, parece irracional. Suspender o juízo é isso. Não é simplesmente dizer: ah, é improvavel que o sol não nasça amanha, é provável que ele nasça, portanto voi agir como se ele fosse nascer. Isso já é adotar a crença.
Rodrigo Cid:
Ok. Uma definição pode ser sempre metafísica. Mas o que eu estou dizendo é algo como o seguinte: eu posso te perguntar "o que é o conhecimento?". Você pode me responder que "conhecer é ter uma crença verdadeira justificada". Daí eu perguntaria: e essa definição nos permite saber quando conhecemos e quando não conhecemos? Daí você teria que me responder que não. Então, eu perguntaria: mas para que, então, serve essa definição? Você falaria: oras, para formular uma teoria metafísica do conhecimento. E então eu falaria: mas não me interessa uma teoria metafísica do conhecimento: não me interessa saber o que, independente de sabermos, o conhecimento deve ter para ser conhecimento. Eu quero uma teoria que me permita saber quando tenho conhecimento de algo e quando não tenho. Se você diz que conhecimento é crença verdadeira e justificada, se eu não souber que minha crença é verdadeira (ou que é falsa), sua teoria metafísica de nada me adiantará.
Eu creio em P, digo a frase P e dou uma boa justificação falível para P, mas não sei se P é verdadeira ou falsa. Como saberei se conheço P? Um crente poderia crer em Deus (não precisa ser o Deus teísta, só precisa ser criador do mundo), dizer que ele existe e dar boas justificativas falíveis para sua existência. Ele, então, saberia ou conheceria que Deus existe? E se ele dissesse que crê e tem boas justificativas, mas mesmo assim não sabe se Deus existe? Isso não mostraria que, pelo menos, semanticamente "saber" não é "ter uma crença verdadeira e justitificada"? [Pois ainda que Deus exista, o crente não diria que sabe que Deus existe].
Além disso, frente a não sabermos se Deus existe ou não, a sua teoria metafísica do conhecimento não nos permitiria saber se esse crente tem conhecimento ou não tem conhecimento sobre a existência de Deus. Para que, então, precisaríamos de uma teoria metafísica do conhecimento, se ela não pode nos dar respostas satisfatórias nos casos onde temos dúvidas? Precisamos de uma teoria epistêmica do conhecimento: uma que nos dê um critério que nos permita saber, para todo caso, se conhecemos ou não conhecemos. Não acho que precisamos evitar fazer uma teoria metafísica do conhecimento, mas acho que é essencial uma teoria epistemológica do conhecimento. Nossa pergunta sobre o que é o conhecimento não é meramente uma pergunta sobre a essência do conhecimento, mas é TAMBÉM uma pergunta sobre quando temos algo que é conhecimento e quando não o temos.
O ponto ou é a definição de conhecimento (a da teoria metafísica e uma de teoria epistemológica) ou é a noção de justificação. Na verdade, tornando a justificação infalível, conseguimos uma boa noção de conhecimento (pois torna conhecer = saber). Isso porque nos diz quando temos conhecimento e quando não o temos.
Sobre suspender o juízo, vamos lá. Posso agir como se soubesse que o sol vai nascer amanhã. Posso agir como se soubesse que o sol não vai nascer amanhã. E posso agir como se não soubesse se o sol vai nascer amanhã. E agir como se não soubesse tal coisa é agir como se nunca tivesse se perguntado sobre isso e nunca tivesse tentado responder essa questão. É simplesmente dizer "não sei, mas isso não me importa para eu continuar a viver a minha vida".
Você disse: "No caso do sol nascer ou não nascer amanhã, quaisquer opções parecem intuitivamente irracionais: se eu me colocar em dúvida e buscar mais informações antes de adotar uma crença ou outra a reação de qualquer pessoa seria "Você já tem bastante informações!". Se eu não adotar atitudes referentes nem a uma crença nem a outra, e esperar sentado o que vai acontecer a reação também seria a mesma. Se eu adotar atitudes referentes às duas crenças também, digamos, comprando pão para o café da manhã e construir um abrigo subterrâneo ainda hojne para tentar sobreviver, parece irracional".
Irracionais é um termo forte, Iago. Irracional é ilógico. Por mais que as pessoas achem que eu já tenha informações o suficiente, eu posso falar "dado alguns fenômenos que não são completamente conhecidos no universo - tais como buracos negros e matéria escura - é possível que ocorra algo fora de nossa capacidade de previsão e que faça o sol não nascer amanhã". As pessoas diriam "é, pode ser... tomara que não ocorra", e continuarão vivendo suas vidas. O que mostra que as pessoas sentem que não sabem que o sol nascerá amanhã, embora acreditem que tem boníssimas razões para pensar que ele vai. Entretanto, não vejo a relevância de falar sobre o que pensam as pessoas.
Você disse: "Suspender o juízo é isso. Não é simplesmente dizer: ah, é improvavel que o sol não nasça amanha, é provável que ele nasça, portanto voi agir como se ele fosse nascer. Isso já é adotar a crença."
Ok. Posso concordar com vc. Por isso refiz o argumento e tracei a distinção entre saber que P, saber que não-P, e não saber que P ou não- P.
Iago Bozza:
Primeiro ponto: talvez não tenha ficado claro na resposta anterior, mas concordo com você sobre esse ponto de teoria metafísica e teoria epistêmica do conhecimento. Como eu disse, definições, no geral, são metafísicas, mas a definição do conhecimento, em específico, parece precisar de um componente epistêmico ao qual possuimos acesso. Só através desse componente epistêmico podemos distinguir (bem ou mal, falivel ou infalivelmente) entre conhecimento e não-conhecimento. E só se formos capazes de distinguir (falivel ou infalivelmente) entre conhecimento e não-conhecimento é que a noção de "conhecimento" tem alguma utilidade. O meu ponto é que não é problema que a definição possua componentes metafísicos (tal como crença e verdade). Ainda que seja essencial um componente epistêmico (tal como a justificação). Portanto, isso que você está chamando de teoria epistemica do conhecimento já existe, qual seja, a "teoria da justificação". O que nos permite distinguir entre conhecimento e não-conhecimento é a justificação. Ainda que conhecimento, nele mesmo, inclua elementos metafísicos. O que a jusitficação faz é permitir que identifiquemos estes elementos metafísicos, ao qual não possuímos acesso direto.
Segundo ponto: mudar a terminologia de "acreditar" para "saber" é mudar de assunto. Estamos discutindo quando é racional ou irracional acreditar em algo. Em outras palavras, quando temos o direito ou o dever de acreditar. Já tinhamos delimitado este assunto antes. Eis a passagem referente a isso:
"o que é suficiente para sustentar que P é verdadeiro, ou, como você colocou, "como fundamentar a obrigatoriedade da aceitação de uma certa proposição como verdadeira?".
A obrigatoriedade da aceitação de P como verdadeira é o que você chama de "saber". De acordo com sua posição, precisamos de justificativas infalíveis, de acordo com a minha, precisamos de justificativas falíveis.
O exemplo que você colocou não é problema. No seu sentido de saber é óbvio que não sei nem se o sol vai nascer ou se ele não vai nascer. O problema é: é racional suspender o juízo ou acreditar que o sol não vai nascer amanhã?
Rodrigo Cid:
Penso que posso concordar com o seu primeiro ponto sem muitos problemas. O único ponto que me parece duvidoso é que possa ser aceito que uma definição (digamos, a definição de X) nos permita distinguir falivelmente entre se algo é um X ou um não-X. Uma definição deve permitir que, para todo caso (exceto os casos limítrofes de atribuições de predicados vagos), consigamos distinguir se se trata do objeto definido ou não. Portanto, não acredito que a definição de algo possa ser algo falível. Talvez seja o caso que toda definição, para que seja epistemicamente útil, precise de um elemento espitêmico. Se falamos que o belo é o harmônico, essa definição parecerá inútil epistemicamente se eu não tiver uma maneira de medir, para todo objeto, se ele é harmônico ou não. A definição tripartida, se não estiver falando de justificação infalível, não serve para o propósito epistêmico descrito.
O que eu penso é que a justificação só poderá nos levar ao valor de verdade da frase que justificamos, se for infalível; pois se for falível, ela será apenas a suposição do valor de verdade da frase justificada. E se, como você concordou, é tão óbvio que eu não sei (no meu sentido) se o sol vai nascer amanhã, então é óbvio que é racional falar que eu não sei se o sol vai nascer amanhã. E isso é suspender o juízo. Quanto a consequências práticas de se fazer isso, não sei se precisa haver consequências tão graves quanto você supõe. Posso pensar: "não sei o sol vai nascer amanhã, mas se eu viver todo dia como se pensasse que ele não vai nascer, é possível que eu destoasse muito das pessoas e não conseguisse viver uma vida boa em harmonia com elas; então será melhor para mim se eu viver como elas". E isso não significa que eu acredito que o sol nascerá amanhã ou que acredito que ele não nascerá amanhã. Um outro exemplo: se marco um encontro com uma garota que conheci ontem, não sei se ela vai ou não aparecer. Suspendo meu juízo quanto a isso: penso que é possível que ela apareça e que é possível que ela não apareça, mas não acredito que irá aparecer, ou que não irá aparecer [é claro que acredito na disjunção, mas não que eu tenha em mente que uma delas em específico é verdadeira]. Penso que vale a pena apostar, dado que a garota é muito bonita. E isso, pelo menos na nossa vida cotidiana, não é considerado irracional. Assim, as consequências práticas de suspender um juízo não precisam ser catastróficas, e na verdade não costumam ser catastróficas, e nem irracionais (somente se é irracional se se decide suspender o juízo tendo justificações infalíveis para a verdade de uma das proposições da disjunção). Lembrando: suspender o juízo não é o mesmo que acreditar que o sol não vai nascer amanhã. Suspender o juízo é dizer "não sei sobre isso", é não ter a crença de que o sol vai nascer amanhã e nem ter a crença de que não vai. [Dizer "eu não sei sobre isso" não me impede de torcer para ou apostar em que certo algo ocorra.]
Com tudo isso em vista, se digo "não sei" e passo a procurar mais informações, isso nunca será irracional, pois é essa atitude que move a pesquisa científica e filosófica. Acredito também que "esperar sentado" não seja uma opção irracional. Isso porque é o que a maioria das pessoas faz no que diz respeito às teorias científicas que surgem para explicar a realidade. Por exemplo, elas diriam: "não sabemos quanto ao funcionamento dos buracos negros e da matéria escura, deixamos essas explicações para a física e tomara que esses objetos não nos destruam". Da mesma forma, eles poderiam dizer: "não sabemos se o sol vai nascer amanhã, deixemos isso para a astronomia e torçamos para que nasça". Os leigos, quando suspendem o juízo, esperam sentados até que os resultados tenham sido alcançados; e seria difícil sustentar que todos os leigos são irracionais. E também acredito que tomar atitudes com relação às duas crenças não seja algo irracional se você não se posiciona a favor de nenhuma das duas. Pois quando dizemos que "não sabemos", então pensamos que é possível tanto uma coisa quanto outra (embora apenas uma delas será o caso). No caso de "ser assaltado", não sei se serei assaltado, mas tomo certos cuidados com minha carteira (tipo, coloco uma corrente grudada na minha calça), mas ando na rua como se não houvesse o perigo para o qual eu estou me precavendo. Isso também não é irracional. (Pois sou apenas eu pensando: é, vou ter certos cuidados, mas não vou ser um medroso). De qualquer forma, suspender o juízo me dá o direito de me comportar conforme qualquer uma dessas três opções.
Portanto, defendo que temos o direito de tomar qualquer uma das três atitudes descritas quando suspendemos nosso juízo. E podemos suspender o juízo, sem cair em irracionalidade, sempre que não temos justificações infalíveis. Além disso, quando tenho justificações falíveis, posso tanto suspender o juízo, quanto acreditar na proposição justificada pela justificação falível. Em nenhum dos dois casos estarei sendo irracional. Exemplos dessas práticas perpassam o tempo todo as ciências: não é irracional acreditar em certas proposições com muitas justificações falíveis para suas verdades, e não é irracional alguém suspender seu juízo quanto a essa proposição, começar uma pesquisa e descobrir que tal proposição (justificada falivelmente) é falsa. Nada disso é irracional (nem as três opções da suspensão do juízo).
Atitudes patentemente irracionais seriam:
-Ter justificações infalíveis para acreditar em P e acreditar em não-P
-Ter justificações infalíveis para acreditar em P e não acreditar em P
-Ter justificações infalíveis para acreditar em não-P e acreditar em P
-Ter justificações infalíveis para acreditar em não-P e não acreditar em não-P
Talvez seja possível defender que estas atitudes são irracionais (embora seja difícil defender tal coisa, já que dado o que definiremos por "agir como se não-P fosse o caso", outros motivos que não a crença em não-P poderão gerar os mesmos comportamentos):
-Acreditar com justificações falíveis em P e agir como se não-P fosse o caso
-Acreditar com justificações falíveis em não-P e agir como se P fosse o caso
Mas, como disse, não são irracionais tais atitudes:
1 - Ter justificações falíveis para acreditar em P e não acreditar em P nem em não-P (ainda que acreditemos que é verdade que "P ou não-P")
2 - Ter justificações falíveis para acreditar em P e acreditar em P
Se você disser que é irracional 1 e que 2 é racional, você fará com que qualquer movimento para descobrirmos se uma crença justificada falivelmente é verdadeira seja irracional. Pois tal movimento só seria possível caso a pessoa, com justificações falíveis para P, ou acredite em não-P ou não acredite nem em P nem em não-P. Como a afirmação de que 1 é irracional nos leva a tornar irracional o movimento de revisão de crenças justificadas falivelmente, não é verdade que 1 é irracional.
Iago Bozza:
Rodrigo, acho que desta vez concordo com muito do que você disse, com algumas ressalvas. Sobre o primeiro ponto, a única ressalva é sobre uma justificação falível não ser útil em uma definição. Se tudo o que pudermos alcanaçar, do ponto de vista humano, for justificações do tipo falível, então parece legítimo uma definição incluir uma justificação falível. Concedo que se pudessemos alcançar uma justificação infalível e incluí-la na definição, seria melhor, mas dado que se fosse o caso de só pudermos alcançar justificações falíveis, então elas seriam legítimas. Ainda, uma justificação falível, nos permite distinguir com alguma chance maior ou menor de acerto, e isso já é melhor do que nada. Por isso acho que justificações falíveis são legítimas de serem incluidas em definições sim.
Sobre o segundo ponto, a sua posição parece ser algo do gênero: posso suspender o juízo quando a P, mas posso agir como se acreditasse em P no dia a dia, e isso não é irracional. Mas fora do dia a dia, por estar com o juízo suspenso quanto a P, posso pesquisar alternativas que coloquem P em questão. Disso eu diria que é o mesmo que acreditar falivelmente em P: eu adoto a crença em meu dia a dia, mas concedo a possibilidade de ela estar errada e de poder encontrar alternativas em pesquisas subsequentes.
Independente de isso significar acreditar em P ou suspender o juízo em P (que seria outra discussão, a saber, sobre o que significa "acreditar em algo") eu posso conceder esse ponto. O que não concedo é alguem agindo como se o sol não fosse nascer amanhã, ou como se ele rigorosamente não acreditasse nem que o sol vai nascer e nem que o sol não vai nascer (agindo como eu descrevi anteriormente), mesmo com todas as justificações falíveis, e ser considerado racional.
De resto parece que concordo com tudo. Só uma última nota: você escreveu que suspender o juízo é dizer "não sei nem que P e nem que não-P. Isso parece errado, suspender o juízo é dizer "eu não acredito nem que P nem que não-P. Veja bem, pode ser o caso de eu dizer: não sei nem que P e nem que não-P, mas acredito que P. E isso não é suspender o juízo.
Rodrigo Cid:
I - Sobre eu não aceitar que uma justificação falível seja útil na definição, creio que vc não entendeu o que eu disse. O que eu disse é que uma definição não é uma definição falível: toda definição é infalível, pois ela nos permite distinguir X's de não-X's. Nos permitir distinguir X's de não-X's é uma característica fundamental das definições. De fato, é para isso que elas são criadas. E não acredito que precisemos inserir justificações (falíveis ou infalíveis) em nossas definições. O que eu disse é que definições falíveis não são úteis, a não ser que se trate de um predicado vago. E eu não disse que justificações falíveis não são úteis. Na verdade, penso que elas são muito úteis para o aprimoramento do nosso conhecimento científico. O meu problema é com a definição de conhecimento.
II - Você fala que na definição de conhecimento, a justificação falível é útil e deve ou pode ser legitimamente utilizada, pois uma justificação falível, nos permite distinguir com alguma chance de acerto, e que isso já é melhor do que nada. O grande problema da justificação falível na definição de conhecimento é que tudo que nos parecerá correto, será correto. Embora sempre possamos descobrir depois que estávamos enganados. Não é que a definição de conhecimento com justificação falível permita em cada caso uma maior probabilidade de um reconhecimento do que é conhecimento e do que não é. Ela permite que determinemos o que é conhecimento e o que não é; seu problema é que o que é conhecimento se torna plástico. Seria, por exemplo, como se falássemos primeiro que é conhecimento e, por isso, é verdade que X, e depois falássemos que não é verdade que X, sem que nada tivesse havido em X (tendo havido algo apenas no modo como organizamos as inter-relações entre os nossos conhecimentos). A justificação falível permite isso, a infalível não. Além disso, a justificação falível ajudando a definir o conhecimento permite que criemos um conceito de conhecimento, superior ao conhecimento da justificação falível, que é o da justificação infalível. Então, por mais que aceitemos que podemos falar de conhecimento com justificação falíveis, teríamos sempre que falar de um real conhecimento ou um conhecimento superior (o conhecimento com justificação infalível). [Por isso, a minha distinção inicial entre saber e acreditar com proximidade à certeza]
III - Ainda tem mais um ponto, que é "o que é uma justificação falível?". Que tipo de coisa é isso? Não é uma dedução lógica com premissas verdadeiras. Uma justificação falível sempre leva o rótulo do "provavelmente". O provavelmente advém de nossa crença em algum método não-estritamente-lógico de descobrir a verdade. E teríamos que falar que tais métodos provavelmente nos levam à verdade (métodos tais como a indução). Isso é circular.
IV - Outro ponto é: como pode uma pessoa que tem conhecimento de que P é verdade continuar as pesquisas para descobrir se P é verdade? Isso parece irracional. Se uma justificação falível nos indicasse que conhecemos P, nossas atitudes deveriam ser as de quem acredita que P é o caso, e não as de quem suspendeu o juízo. Só quem suspendeu o juízo, só quem dúvidas sobre se P é o caso que pode realizar pesquisas para descobrir se P é o caso. Portanto, se por exemplo a ciência tivesse uma noção de conhecimento com justificação falível, ela não poderia rever suas próprias crenças justificadas falivelmente - pois se ela conhece que P, não faz sentido ainda se perguntar se P é o caso e nem fazer experiências para saber. Realmente, o conhecimento com justificação falível se adequa mais a como falamos sobre o conhecimento e abrange todo o nosso conhecimento científico, mas ele tem os problemas que venho descrevendo até aqui.
V - Você disse: "Mas fora do dia a dia, por estar com o juízo suspenso quanto a P, posso pesquisar alternativas que coloquem P em questão. Disso eu diria que é o mesmo que acreditar falivelmente em P: eu adoto a crença em meu dia a dia, mas concedo a possibilidade de ela estar errada e de poder encontrar alternativas em pesquisas subsequentes." ///// Eu digo: Não acredito que seja de muita ajuda discutirmos quais ações correspondem a quais crenças (ou ausência de crença). Lembre-se que vc falou que acreditar falivelmente é ter conhecimento. Se um físico pensa que conhece a lei física P, ele não pesquisará sobre a verdade da P, ele a tomará como verdadeira. Apenas se tenho dúvidas com relação a P, que posso pesquisar sua verdade. A única implicação de "acreditar falivelmente" é que se o que eu acredito vier a se mostrar falso, admitirei que isso podia ser falso desde o início. Uma pessoa que acredita falivelmente que sua mãe está em casa não iniciará uma pesquisa para saber se sua mãe está em casa. Acreditar falivelmente não é acreditar mais ou menos, é acreditar fortemente, mas sem ter justificações falíveis. Se você imagina que devemos continuar a pesquisa, já que só temos justificação falíveis, então você também imagina que o conhecimento não foi encontrado.
VI - De qualquer forma, imaginemos que acreditar falivelmente gere a atitude que você diz que gera. Então, acreditar falivelmente em P, permitiria que acreditássemos em P e pesquisássemos se P ou não-P é o caso. E acreditar falivelmente em não-P permitiria que acreditássemos em não-P e pesquisássemos se P ou não-P é o caso. Não parece, então, um problema o fato de não acreditar falivelmente em P nem em não-P permitir que não acreditemos nem em P e nem em não-P e que pesquisássemos sobre se P ou não-P é o caso.
VII - E ainda: o que eu disse anteriormente é que posso esperar pra ver se P é o caso e viver de acordo com se P fosse o caso, por outros motivos que não a crença em P. O motivo disso é que: temos muitas atitudes e algumas formas de viver a vida. Há muitos motivos para tomarmos algumas das atitudes e formas de vida. Haverá muitos outros motivos para viver uma vida como a das pessoas que acreditam que P é o caso que não envolvem a crença de P é o caso. Um desses motivos é que viver como as pessoas é mais agradável. Uma pessoa assim tentaria não tomar atitudes com relação a crença em P e nem a crença em não-P até que acreditasse em um dos dois, e tentaria tomar atitudes com base em outras coisas - como a utilidade de certos tipos de vida.
VIII - Você disse: "O que não concedo é alguem agindo como se o sol não fosse nascer amanhã, ou como se ele rigorosamente não acreditasse nem que o sol vai nascer e nem que o sol não vai nascer (agindo como eu descrevi anteriormente), mesmo com todas as justificações falíveis, e ser considerado racional." /////// Eu digo: Alguém agindo como se o sol não fosse nascer amanhã é alguém com a crença de que o sol não vai nascer amanhã, mas alguém que age conforme pudesse ocorrer P e pudesse ocorrer não-P, dado só ter justificações falíveis para P, não é irracional. E se você pensa que é, precisará de bons argumentos para afirmar isso, pois não é clara a irracionalidade que está sendo cometida. Tentei mostrar nessa resposta (e mais ainda na resposta anterior) que uma pessoa que age das três formas que eu descrevi como suspensão do juízo não é irracional. Talvez esse seja o ponto principal da nossa discussão. Mas ainda não sei quais são seus argumentos para sustentar que uma pessoa numa dessas posições é irracional, dado que a irracionalidade não é visível prima facie. [Se uma justificação de P é falível, então pode ser o caso que P seja falsa. Se isso é verdade, uma pessoa suspender o juízo com relação a P não será irracional]
IX - Você disse: "Só uma última nota: você escreveu que suspender o juízo é dizer "não sei nem que P e nem que não-P. Isso parece errado, suspender o juízo é dizer "eu não acredito nem que P nem que não- P." //////// Eu digo: Ok, concordo com isso.
No tópico V, eu disse: "Acreditar falivelmente não é acreditar mais ou menos, é acreditar fortemente, mas sem ter justificações falíveis." Mas eu queria dizer: "Acreditar falivelmente não é acreditar mais ou menos, é acreditar fortemente, mas sem ter justificações infalíveis.
Uma coisa que vc disse que me intrigou foi que uma pessoa do tipo que eu afirmei que suspendia o juízo na verdade era uma pessoa que acreditava falivelmente. Queria falar algo sobre isso: Uma pessoa que suspendeu o juízo sobre se o sol vai nascer amanhã, se questionada sobre se ela acredita falivelmente que o sol nascerá amanhã, ela dirá que não. O que é uma atitude bem diferente da pessoa que realmente acredita falivelmente que o sol nascerá amanhã. Uma pessoa que acredita falivelmente dirá que acredita que o sol nascerá amanhã e que talvez haja uma pequeníssima probabilidade de ele não nascer. Uma pessoa que suspende o juízo dirá que não tem crenças sobre isso. Se questionada sobre o motivo de ela viver sua vida como as outras que acreditam, ela poderá dar uma série de motivos, como a impossibilidade de ele fazer alguma coisa para impedir o possível desastre, o fato de que todos morreriam no planeta Terra, etc. fazem com que ele não se preocupe com a possibilidade de o sol não ser amanhã. E ele falaria que vive como se acreditasse - fazendo planos etc - porque ele acredita que essa é a melhor maneira de viver a vida - participando da natureza íntima da interação social das pessoas, mas não porque aceita alguma crença com relação a nascimento do sol amanhã. Outra coisa que poderia acontecer é uma pessoa viver como se o mundo fosse acabar simplesmente porque acredita que o sol vai nascer amanhã e que a vida é curta.
O que eu quero dizer com isso tudo é que não sei se é possível fazer essa união tão exata entre uma crença e a produção de uma ação. Na verdade, penso que crenças não produzem ações; somente se conectada a um desejo [tendo em vista a distinção humiana entre crença e desejo]. E, mais na verdade ainda, penso que é o conjunto de crenças e desejos de uma pessoa que promove as ações daquela pessoa. Uma pessoa não age por causa de uma crença, mas por causa de uma conexão de crenças e desejos. E digo tudo isso, pois não acho muito promissor enveredarmos no caminho da ação como consequência necessária de certa crença; e, por isso, não acho que devamos seguir por esse caminho para falarmos da racionalidade da adoção de crenças.
O que eu quero dizer com isso tudo é que não sei se é possível fazer essa união tão exata entre uma crença e a produção de uma ação. Na verdade, penso que crenças não produzem ações; somente se conectada a um desejo [tendo em vista a distinção humiana entre crença e desejo]. E, mais na verdade ainda, penso que é o conjunto de crenças e desejos de uma pessoa que promove as ações daquela pessoa. Uma pessoa não age por causa de uma crença, mas por causa de uma conexão de crenças e desejos. E digo tudo isso, pois não acho muito promissor enveredarmos no caminho da ação como consequência necessária de certa crença; e, por isso, não acho que devamos seguir por esse caminho para falarmos da racionalidade da adoção de crenças.
Discussão provisoriamente inacabada