segunda-feira, 21 de junho de 2010

Quine em "Sobre o que há"


“Ser assumido como uma entidade é pura e simplesmente ser assumido como valor de uma variável”.


Para explicar essa afirmação, devemos nos remeter à Teoria das Descrições de Russell. Ela diz que sempre que ocorre uma descrição definida numa sentença, ela pode ser substituída por um somatório de funções proposicionais, a saber: por uma afirmação de existência de um ‘algo’ que tem uma certa propriedade definidora, uma afirmação de unicidade desse algo e uma predicação.

‘Algo’, ‘nada’, ‘tudo’ são chamados pelos lógicos de ‘variáveis ligadas’. No caso das descrições definidas, estas podem ser substituídas por aquele somatório de funções incidindo sobre a variável ligada ‘algo’. Assim:

“A rainha da Inglaterra é careca”

Isso corresponde a três conjunções:
1) Existe algo que reina na Inglaterra.
2) Se alguma coisa tem a propriedade (definidora) de reinar na Inglaterra, essa coisa é idêntica ao algo em 1.
3) Esse mesmo algo tem a propriedade de ser careca.

Em notações simbólicas isso seria assim:
(Эx) [Rx ^ (Ry → y = x) ^ Cx]
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Para Quine, um problema aparente que ocorre aqui é que só poderíamos analisar sentenças com descrições definidas ou com nomes que pudessem ser convertidos em descrições definidas. Mas ele mesmo desfaz esse problema quando afirma que em casos onde atribuir uma propriedade definidora parece impossível, há o recurso artificial de falarmos que ‘algo possui a propriedade de ser esse algo’, onde ‘a propriedade de ser esse algo’ é o somatório de funções proposicionais que define esse algo. Assim, suponhamos que definir Platão através de uma propriedade seja impossível. Faríamos, então, desta maneira:
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“Platão é grego”
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Análise:
1) Existe algo que tem a propriedade de ser Platão.
2) Se alguma coisa tem a propriedade de ser Platão, então ela é idêntica a esse algo.
3) Esse algo tem a propriedade de ser grego.
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Isso mostra, segundo Quine, que não precisamos supor que exista uma entidade simplesmente porque dizemos seu nome; afinal toda sentença que contenha algum nome próprio ou descrição definida, com a teoria de Russell, poderia ser convertida numa sentença onde nem aquele nome nem a descrição aparecem. O que refuta a motivação do pensamento de que ‘há tudo que podemos dizer que há’, que é a pressuposta impossibilidade de negarmos a existência de um objeto coerentemente. Com a teoria de Russell seria possível negar a existência de alguma coisa, pois ela nega a existência de uma variável ligada que corresponda ao somatório e não a existência de um objeto definido.
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Da mesma forma, assumir W como uma entidade definida é dizer que W corresponde ao valor que é obtido pelo somatório de funções proposicionais que incidem sobre uma variável ligada (algo); e essas funções são extraídas da descrição definida. Assim, se suponho que W é uma certa entidade, digo:
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{(Эx) [Rx ^ (Ry → y = x) ^ Cx]} = W
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Ou seja:
1) Existe X que tem a propriedade R.
2) Se Y tem a propriedade R, então ele é idêntico a X.
3) X tem a propriedade C.
4) A conjunção: ‘1 e 2 e 3’ é a entidade W.
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Uma sentença que contenha uma entidade pode ser expressa de modo a ser uma série de atribuições de propriedades à variável ligada ‘algo’ (no caso explicitado: X). Desse modo, o resultado das conjunções que atribuem propriedades a uma variável ligada, de modo a definir essa variável, é o que supomos ser uma dada entidade. Portanto, “ser assumido como uma entidade é pura e simplesmente ser assumido como valor de uma variável”.