Venho com este texto tentar mostrar como Schopenhauer, na sua teoria do conhecimento (SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Primeiro Tomo, Livro Um. Tr.: Jair Barboza. São Paulo: UNESP. 2005.), mostra como é e como se dá a representação intuitiva. Alguns assuntos de cunho propedêutico, como a relação sujeito-objeto ou a causalidade no tempo e no espaço, foram introduzidos com a finalidade de se compreender melhor o tema proposto. Precisei esclarecer alguns termos posteriormente à sua menção, mas a compreensão do que está sendo dito não foi prejudicada. Embora o texto seja bem dividido em tópicos a leitura pode se seguir de forma direta. Pressupondo determinados conceitos kantianos, podemos, então, adentrar a teoria schopenhaueriana da representação, em específico da intuitiva.
Como as impressões da realidade nos são cognoscíveis apenas individualmente pelos nossos sentidos, temos que elas são subjetivas e nunca objetivas, pois não temos (na linguagem de Kant) acesso à coisa-em-si, somente o temos em relação ao fenômeno, que é altamente dependente da percepção do fenômeno.
Essas impressões captadas pelos sentidos chegam a nós em forma de intuição, pois estão submetidas à lei da causalidade (intuição a priori) e portanto já emergem à consciência segundo o nexo causal; e são, assim, esses objetos captados, não eles mesmos, mas a nossa representação deles.
Relação sujeito-objeto
Então quem capta essas intuições (quem conhece) é chamado de sujeito e tudo que é possível de se conhecer chama-se objeto. Sujeito e objeto se relacionam apenas indiretamente por meio do corpo do sujeito, que é chamado por Schopenhauer de objeto imediato, pois as modificações nele são sentidas imediatamente através dos sentidos. Isso nos leva a uma dupla perspectiva: a visão do corpo como objeto imediato (o próprio corpo) e a visão do corpo como mero objeto (o corpo do outro).
Assim, da perspectiva do sujeito, além dele, só há objetos, o que faz com que onde começa o sujeito termina o objeto e vice-versa. E como estamos falando não da coisa-em-si, mas da representação, temos que a relação sujeito-objeto é subjetiva e, portanto, ambos os termos possuem existência apenas por e para outro, dando-se o sujeito na medida em que conhece.
Como o objeto se dá no espaço e no tempo, está submetido ao princípio de razão de devir (inclusive o objeto imediato); diferentemente do sujeito, que está por inteiro em suas representações, fora do espaço e do tempo, não estando assim submetido às leis dos objetos.
Tendo visto a relação sujeito-objeto e o que é representação, dividiremo-na em dois tipos a fim de distinguir as diferenças e de poder passar à explanação da representação intuitiva. E são esses os tipos: representações abstratas e representações intuitivas.
Representação abstrata X Representação intuitiva
As representações abstratas tem de ser sempre relacionadas com a verdade que a relação do juízo tem com algo fora dele. Elas nascem do pensamento, que é o que forma o conceito compreendendo e abarcando os elementos comuns das intuições; diferente de Kant, que afirmava a necessidade da ação do pensamento sobre as impressões (meros dados sensíveis) para se tornarem representações, pois eis que ele supõe um “objeto-em-si” (um objeto sem sujeito sem ser a coisa-em-si), uma informação sensível pura primariamente dada.
No entanto, para falar das representações intuitivas, devemos antes explicitar as intuições a priori que todo animal tem, a falar, o espaço, o tempo e a causalidade, que, por sua vez, pressupõem a relação necessária de mútua dependência existencial entre sujeito e objeto.
Espaço Tempo Matéria
Espaço e tempo são vazios de conteúdo formal, porém são partes do principio de razão de ser, ao qual todo objeto é submetido; tendo como essência, o tempo, a sucessão, e o espaço, a posição, ou seja, a possibilidade de determinação de suas partes, onde o espaço em essência se contrapõe ao tempo, pois como apenas possibilidade de localização é imóvel, o que indica permanência, estagnação.
O tempo no espaço causa matéria, que é por sua própria essência o “fazer efeito” (Wirken), ou seja, a causalidade. Ela é a união simultânea de espaço e tempo num determinado espaço, num determinado tempo. E é essa matéria que forma o mundo efetivo, que é o mundo de onde tiramos nossas representações intuitivas; então esse é o objeto da intuição, a matéria, que é esgotada como representação com o conhecimento do seu “fazer efeito”
A representação intuitiva [intuição]
Voltamos, então, à relação sujeito-objeto e tomando o objeto como o mundo efetivo (mundo do “fazer efeito”), temos que suas representações são todas dados sensíveis unidos ao seu “fazer efeito” determinado e, portanto, submetidas aos sentidos e conclusivamente relativas.
Essas intuições (representações do mundo efetivo), como eu disse antes, não são meros dados sensíveis, mas são esses mesmos dados trabalhados no nexo causal, que se dá pelo “apriorismo” do conhecimento da lei da causalidade, vale dizer, o entendimento [a ser explicado], forçando, dessa forma, a pensarmos a intuição como também intelectual, não apenas sensível. Podemos, assim sendo, definir a intuição como o puto conhecimento pelo entendimento da causa a partir do efeito, pois eis que ela também se dá pela capacidade dos objetos de fazerem efeito uns nos outros e se causarem mudanças (que é justamente o que não permanece frente ao que permanece na alteração).
Intuição (representações intuitivas) e Entendimento
Dessa maneira a intuição se assenta e está inserida no entendimento, existindo somente por e para o entendimento, sendo dependente dele, o que faz com que a experiência (dependente da intuição) seja também dependente do entendimento, pois o último, por ser o correlativo subjetivo da lei da causalidade, tem como função única conhecer essa mesma lei, portanto, primariamente na intuição (representação intuitiva), aplica o nexo causal, de onde ela mesma provém.
Como em primeira instância a representação intuitiva (e com isso todo o mundo efetivo) depende do entendimento, é portanto, subjetiva e possui “idealidade transcendental”, ou seja, é para sempre e desde sempre condicionada pelo sujeito. O entendimento não é reflexivo nem discursivo, mas direto e imediato; sua primeira função é intuir o mundo efetivo a partir da sensação dos sentidos (a consciência imediata das mudanças no corpo); e essa intuição existe, por sua vez, apenas “para”, “através de” e “no” entendimento, pois só o entendimento “organiza” as intuições, aplica o nexo causal e intui.
Por isso percebemos que o entendimento não é uma característica essencialmente humana, mas animal, pois todo animal é capaz de intuir e lidar com suas representações intuitivas. Pelo entendimento o animal intui a causa pelo efeito em seu corpo, causados por outros objetos, como objeto no espaço.
Infere-se então, que, como os animais não humanos têm entendimento, porém não razão, o entendimento é separado da razão; ficando, assim, o saber reservado à razão e o intuir ao entendimento.
O engano do entendimento [A ilusão]
E, por isso, pode haver uma carência de entendimento (estupidez, conforme o vocabulário de Schopenhauer), que não necessariamente é incluída a razão, que por ter por objeto de conhecimento as intuições da realidade, quando se sofre do engano do entendimento, tende-se a ver essas intuições como ilusões. As últimas se dão quando um efeito pode ter advindo de duas causas, uma comum, outra rara. Sem ter como discernir a causa correta, o entendimento opta pela causa mais freqüente e que, por sua atividade ser imediata e irracional, nos faz perceber a falsa causa como objeto intuído, impossível de ser eliminado inclusive por razoamento, que por sua vez (apenas como explicação) pode prevenir o erro (engano de juízo) através de um juízo verdadeiro e oposto ao juízo criado pela ilusão.
Essa separação de entendimento e da razão dá a possibilidade de, mesmo sendo iludido, saber a verdade por trás da ilusão, por mais que essa não se desfaça.