Em busca da Pedra
Filosofal
Por um
momento, minha alma elevou-se acima
de seus temores degradantes e miseráveis para
contemplar as ideias divinas de liberdade e sacrifício de
que aqueles lugares eram os monumentos e recordações.
Por um instante, ousei romper meus grilhões
e olhar ao redor com um espírito livre e elevado,
mas o ferro corroera-me a pele, e eu afundei novamente,
de seus temores degradantes e miseráveis para
contemplar as ideias divinas de liberdade e sacrifício de
que aqueles lugares eram os monumentos e recordações.
Por um instante, ousei romper meus grilhões
e olhar ao redor com um espírito livre e elevado,
mas o ferro corroera-me a pele, e eu afundei novamente,
trêmulo e desesperado no miserável eu.
(Mary Shelley. Frankenstein)
Para começar, trago alguns destaques
de matérias de jornais online para a reflexão que pretendemos aqui:
“O nadador Cameron
van der Burgh, por exemplo, relatou dias difíceis após a infecção pelo
coronavírus. O sul-africano de 31 anos, com uma capacidade pulmonar que lhe
rendeu medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2012, disse estar com problemas
para executar tarefas simples”. (Folha de SP, 24/03/2020)
“Um adolescente de
14 anos morreu neste domingo (29) em Ovar, Portugal, infectado pela Covid-19,
causada pelo coronavírus. Atleta de um time de futsal da cidade, ele sofria de
psoríase, uma doença de pele autoimune”. (G1, 29/03/2020)
“O jovem de 26 anos
que morreu no sábado (28) em São Paulo com coronavírus era corredor e
participava de maratonas. Maurício Suzuki colecionava medalhas e comemorava
cada conquista. Segundo a irmã, Simone, o irmão cuidava da saúde e o rápido
avanço da Covid-19 surpreendeu”. (Isto é, 30/03/2020)
O que essas notícias têm em comum?
Todas as
notícias falam de pessoas jovens que foram afetadas (algumas mortas) pelo coronavírus.
Não só jovens como também atletas e isso não impediu que fossem infectados pelo
vírus, nem que tivessem complicações graves. Ao contrário do que se disseminou,
o vírus não mata somente pessoas idosas, mas tem uma capacidade alta de
prejudicar as pessoas mais jovens, independente do seu porte atlético. A
presente pandemia de covid-19 encerra uma geração inteira que se iniciou no
final do século XX e perdurou até então. Essa é a geração chamada de “geração
saúde”, que via na boa alimentação e exercícios físicos exagerados a solução
para a longevidade e uma vida melhor. O século XX foi ao extremo com o culto ao
corpo e o século XXI ainda carrega essa marca. Além da alimentação saudável e
vício por academias, podemos citar o uso excessivo de cosméticos, cirurgias
plásticas e crossfit. Aliás, o termo “fitness” ficou associado à saúde, como se
ser fitness fosse sinônimo de ser saudável.
O novo
coronavírus veio pôr um fim definitivo à geração saúde, mostrando o quão
frágeis somos todos nós como seres humanos, independente do quanto possamos
cuidar de nossos corpos, ele continua suscetível à morte por doenças do mesmo
jeito. A nossa complexidade biológica não impede que o nosso corpo possa ser destruído
por um ser microscópico como um vírus. Por enquanto, a melhor solução encontrada
foi o isolamento social para evitar a disseminação da doença pelo contato com
outras pessoas.
Em artigo recente
de 14 de abril, a revista Science anunciou que se não for desenvolvida
uma vacina para covid-19 em breve, o confinamento poderá durar até 2022. Quem
melhor para decidir sobre nossas vidas em uma pandemia do que a medicina? A
exceção está virando a regra e a epistemologia médica se tornou um saber incontestável.
O saber médico reivindica o seu poder em situações de emergência. É nesses
momentos de crise como uma pandemia que se recorrem aos médicos como os únicos
salvadores. Teria o médico o intuito de tomar o poder soberano? Seria o triunfo
da medicina sobre as demais ciências? Muito depende da descoberta de uma vacina.
Começa a
corrida para se encontrar a pedra filosofal. Da mesma forma que os magos
alquimistas do renascimento buscavam a pedra filosofal capaz de nos garantir a
vida eterna, a medicina moderna busca, através das mais variadas formas, perpetuar
a longevidade biológica de nossos corpos. Para que salvar almas se podemos
viver para sempre? A descoberta da vida
eterna será o triunfo da ciência? Enquanto a descoberta não vem, temendo por nossos frágeis corpos naturais, somos enclausurados em nossas casas por determinação do Leviathan médico.
Em seu
livro Frankenstein, Mary Shelley conta a história de um ávido cientista
em busca da fórmula da vida, que está oculta na natureza. Despois de atingir o ápice de
seu trabalho, criando vida através do saber científico, ele vê o seu projeto
destruído pela criatura que criou. Seria esse o mesmo fim de toda ciência que
busca ir além de suas próprias forças?
(Luiz Maurício Bentim - IFTM)
Referências
FOLHA DE SP. Histórico de atleta não impediu campeão olímpico de sofrer
com coronavírus. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2020/03/historico-de-atleta-nao-impediu-campeao-olimpico-de-sofrer-com-coronavirus.shtml. Acesso em:
11/04/2020.
G1. Adolescente de 14 anos com coronavírus morre em Portugal. Disponível
em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/29/adolescente-de-14-anos-infectado-por-coronavirus-morre-em-portugal.ghtml. Acesso em:
11/04/2020.
ISTO É. Jovem de 26 anos que morreu com coronavírus corria maratonas.
Disponível em: https://istoe.com.br/jovem-de-26-anos-que-morreu-com-coronavirus-corria-maratonas/. Acesso em:
11/04/2020.
KISSLER, S.
M. et al. Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the
postpandemic period. Science, 2020. Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793.
Acesso em: 14/04/2020.