quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Conflito Irã e EUA: algumas considerações relevantes



Conflito Irã e EUA: algumas considerações relevantes



O recente conflito entre os Estados Unidos e o Irã traz fortes repercussões para a geopolítica global. Sua gênese parte da revolução iraniana em 1979 com a mudança do governo local e uma ampla oposição aos EUA. Se pudéssemos resumir o conflito, poderíamos usar apenas uma palavra: petróleo. Mas, na verdade, a tensão entre os dois estados vai muito além dessa tão cobiçada commodity e envolve uma posição estratégica no Oriente Médio no gerenciamento político, econômico e militar da região.
Mas vamos aos fatos que nos levam a escrever essa coluna: o ano de 2020 praticamente teve início com um ataque americano por drone à comitiva iraniana no Iraque matando o general iraniano Qasem Soleimani em 03 de janeiro de 2020. Mas quem é o general Soleimani? Que motivo os EUA teriam para matá-lo? Qual a posição do Irã sobre isso? Será sobre essas questões que iremos tratar brevemente aqui.

Qasem Soleimani era o chefe da força Quds, guarda revolucionária do Irã. Ele podia ser considerado a segunda pessoa mais poderosa do país, atrás apenas do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Só por essa descrição, já podemos perceber que o general Soleimani não é uma pessoa qualquer, muito menos em seu país, onde tem grande importância nacional. Sua morte teve grande repercussão e levou a uma comoção dentro do país. Soleimani é considerado um herói no Irã e tem grande influência também entre os jovens do Hezbollah, os resistentes que lutam no Iraque e na Síria, a Jihad islâmica na Palestina, assim como no sul global da África, Ásia e América Latina.
O ataque a Soleimani ou foi uma ordem direta do presidente dos EUA ou foi ordenado pelo Deep State americano para que Trump assim agisse. O Deep State é o que podemos chamar de Estado profundo, onde acontece as verdadeiras articulações do goveno americano para manutenção do poder na geopolítica mundial. Dessa forma, é como se os EUA tivessem dois governos, um composto pela representatividade do presidente e sua cúpula, e outro que controla e articula a realpolitik americana e pretende manter o status quo favorável ao seu poder. O Deep State controla a máquina de guerra americana através de militares e lobistas da indústria armamentista, que, por motivos financeiros, disseminam uma política de guerra entre os congressistas americanos. Isso leva a uma espécie de financiamento da política externa americana, determinando os pontos de conflito e guerra que os EUA devem agir. Soleimani estava no Iraque em uma missão diplomática articulada pelos EUA junto aos seus aliados. Isso permitiria que o exército americano soubesse exatamente onde ele estaria no momento do ataque drone em Bagdá. O fato de ser uma missão diplomática deixa claro que Solemaini foi levado para uma armadilha e eliminado com cálculo preciso. Isso acirrou as tensões no Oriente Médio, principalmente com relação ao principal aliado dos EUA ali: o Estado de Israel.
Em resposta ao ataque americano, o Irã atacou com mísseis a base aérea americana de Aim al Assad no Iraque. Os EUA alegam não terem baixas no ataque, apesar do Irã ter divulgado o número de 80 mortos. O clima de hostilidade entre os dois países subiu em um nível altíssimo depois do ataque iraniano e algumas fontes militares já falavam em guerra certa contra o Irã. No entanto, a situação não é muito favorável aos americanos para uma nova guerra no Oriente Médio. Além do problema do Iraque e da Síria, uma guerra contra o Irã poderia causar um grande dano à reeleição do presidente Trump. Até ontem (08\01\2020) não se sabia qual seria o posicionamento dos EUA quanto a crise instaurada contra o Irã. A Casa Branca marcou um pronunciamento oficial do presidente Trump para o dia 08 de janeiro, o que acabou ocorrendo depois das 13h no horário de Brasília.
Em pronunciamento oficial sobre o conflito, Trump teria se referido a Soleimani como um terrorista. Negou que iria entrar em guerra direta, mas disse que iria aumentar as sanções econômicas contra o Irã e pediu uma ação mais efetiva da OTAN. Desse modo, Trump conseguiu, de uma maneira ensaiada e articulada, escapar à guerra real e ainda criminalizar o Irã pelas suas ações imprudentes.
O ano de 2020 abriu com grande instabilidade para a política internacional. O Brasil, que nada tinha a ver com o conflito, declarou aliança com os EUA em nota do Itamaraty manifestando apoio "à luta contra o flagelo do terrorismo" no dia 03 de janeiro. Isso levou à convocação do embaixador do Brasil no Irã para explicar a nota. Uma grande imprudência das relações internacionais do Brasil que agiu de maneira impulsiva, demonstrando a subserviência do governo Bolsonaro aos mandos e desmandos do governo Trump. Uma política externa incauta que pode trazer sérios danos para a diplomacia nacional.
Agora só nos resta aguardar os rumos que irá tomar o conflito instaurado pelos dois países e como isso irá afetar o restante do globo terrestre.

(Luiz Maurício Bentim)