Conflito Irã e EUA:
algumas considerações relevantes
O recente
conflito entre os Estados Unidos e o Irã traz fortes repercussões para a
geopolítica global. Sua gênese parte da revolução iraniana em 1979 com a
mudança do governo local e uma ampla oposição aos EUA. Se pudéssemos resumir o
conflito, poderíamos usar apenas uma palavra: petróleo. Mas, na verdade, a
tensão entre os dois estados vai muito além dessa tão cobiçada commodity e
envolve uma posição estratégica no Oriente Médio no gerenciamento político,
econômico e militar da região.
Mas vamos
aos fatos que nos levam a escrever essa coluna: o ano de 2020 praticamente teve
início com um ataque americano por drone à comitiva iraniana no Iraque matando
o general iraniano Qasem Soleimani em 03 de janeiro de 2020. Mas quem é o
general Soleimani? Que motivo os EUA teriam para matá-lo? Qual a posição do Irã
sobre isso? Será sobre essas questões que iremos tratar brevemente aqui.
Qasem Soleimani
era o chefe da força Quds, guarda revolucionária do Irã. Ele podia ser
considerado a segunda pessoa mais poderosa do país, atrás apenas do líder
supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Só por essa descrição, já podemos perceber que
o general Soleimani não é uma pessoa qualquer, muito menos em seu país, onde
tem grande importância nacional. Sua morte teve grande repercussão e levou a
uma comoção dentro do país. Soleimani é considerado um herói no Irã e tem
grande influência também entre os jovens do Hezbollah, os resistentes que lutam
no Iraque e na Síria, a Jihad islâmica na Palestina, assim como no sul global
da África, Ásia e América Latina.
O ataque a
Soleimani ou foi uma ordem direta do presidente dos EUA ou foi ordenado pelo
Deep State americano para que Trump assim agisse. O Deep State é o que podemos chamar de Estado profundo, onde acontece as verdadeiras articulações do goveno
americano para manutenção do poder na geopolítica mundial. Dessa forma, é como
se os EUA tivessem dois governos, um composto pela representatividade do presidente
e sua cúpula, e outro que controla e articula a realpolitik americana e
pretende manter o status quo favorável ao seu poder. O Deep State controla
a máquina de guerra americana através de militares e lobistas da indústria armamentista,
que, por motivos financeiros, disseminam uma política de guerra entre os
congressistas americanos. Isso leva a uma espécie de financiamento da política
externa americana, determinando os pontos de conflito e guerra que os EUA devem
agir. Soleimani estava no Iraque em uma missão diplomática articulada pelos EUA
junto aos seus aliados. Isso permitiria que o exército americano soubesse
exatamente onde ele estaria no momento do ataque drone em Bagdá. O fato de ser
uma missão diplomática deixa claro que Solemaini foi levado para uma armadilha
e eliminado com cálculo preciso. Isso acirrou as tensões no Oriente Médio,
principalmente com relação ao principal aliado dos EUA ali: o Estado de Israel.
Em resposta
ao ataque americano, o Irã atacou com mísseis a base aérea americana de Aim al
Assad no Iraque. Os EUA alegam não terem baixas no ataque, apesar do Irã ter
divulgado o número de 80 mortos. O clima de hostilidade entre os dois países
subiu em um nível altíssimo depois do ataque iraniano e algumas fontes
militares já falavam em guerra certa contra o Irã. No entanto, a situação não é
muito favorável aos americanos para uma nova guerra no Oriente Médio. Além do
problema do Iraque e da Síria, uma guerra contra o Irã poderia causar um grande
dano à reeleição do presidente Trump. Até ontem (08\01\2020) não se sabia qual
seria o posicionamento dos EUA quanto a crise instaurada contra o Irã. A Casa
Branca marcou um pronunciamento oficial do presidente Trump para o dia 08 de
janeiro, o que acabou ocorrendo depois das 13h no horário de Brasília.
Em
pronunciamento oficial sobre o conflito, Trump teria se referido a Soleimani
como um terrorista. Negou que iria entrar em guerra direta, mas disse que iria aumentar
as sanções econômicas contra o Irã e pediu uma ação mais efetiva da OTAN. Desse
modo, Trump conseguiu, de uma maneira ensaiada e articulada, escapar à guerra
real e ainda criminalizar o Irã pelas suas ações imprudentes.
O ano de
2020 abriu com grande instabilidade para a política internacional. O Brasil,
que nada tinha a ver com o conflito, declarou aliança com os EUA em nota do Itamaraty
manifestando apoio "à luta contra o flagelo do terrorismo" no dia 03
de janeiro. Isso levou à convocação do embaixador do Brasil no Irã para
explicar a nota. Uma grande imprudência das relações internacionais do Brasil
que agiu de maneira impulsiva, demonstrando a subserviência do governo
Bolsonaro aos mandos e desmandos do governo Trump. Uma política externa incauta
que pode trazer sérios danos para a diplomacia nacional.
Agora só nos
resta aguardar os rumos que irá tomar o conflito instaurado pelos dois países e
como isso irá afetar o restante do globo terrestre.
(Luiz Maurício Bentim)