Sobre o conceito de Biopoder
A teoria do
contrato social teve forte recepção no pensamento filosófico moderno e podemos
atribuir à filosofia política de Thomas Hobbes o amadurecimento e disseminação
dessa teoria, de grande contribuição para o pensamento político posterior.
Partindo de um problema do direito natural, Hobbes irá identificar a vontade
ilimitada de poder nas paixões humanas e a disputa constante entre os homens no
estado de natureza. Será partindo dessa observação que ele verá a necessidade
de um poder superior que regule essas paixões. O Estado
é fruto desse poder, que terá sua gênese na paixão do medo da morte violenta,
existente em todos os homens. Visto isso, será o medo que levará os homens
a cederem seus poderes (direito a todas as coisas) através de um contrato que irá
permitir a formação desse poder maior que é o corpo político (Estado). Dessa
forma, o Estado adquire a soberania e o poder soberano sobre os corpos naturais
dos homens, tendo, portanto, o poder sobre a vida deles. Será o poder da
soberania, oriundo do referido contrato e da sujeição dos homens a esse poder,
que Foucault irá criticar através de seu conceito de biopoder.
Desse modo, Foucault está interessado
em entender a racionalização da violência contra o mito que diz ser a violência
irracional. O Estado se constitui justamente na fórmula moderna que prevê o uso
racional da violência como instrumento de controle social. Isso pode ser visto
em obras como Vigiar e Punir, Microfísica do Poder, o capítulo final
de A vontade de saber ou ainda na
série de entrevistas encontradas em El
poder, una bestia magnífica, só para dar alguns exemplos. Foucault sempre
esteve interessado em estudar o poder e de que maneira ele se respalda,
entendendo que o poder não se reduz ao conceito de soberano, mas também se
encontra nas pequenas instâncias de atuação. Como o próprio Foucault nos diz em
uma entrevista: “o que me preocupa são essas relações verdade/poder,
saber/poder”. Ou seja, o poder é aquele que circunda as principais instâncias
da vida humana; ter a verdade é ter poder, ter o saber é ter poder, ter razão é
ter poder... é no poder que se fundamentos todas as relações sociais. Estas
técnicas de dominação são de uma racionalidade extrema.
O poder soberano tem o intuito de
tudo controlar, agindo por toda a parte, de maneira em que se possa consagra o
controle estatal sobre todos cidadãos. Isso é um gerenciamento racional do
poder para que o poder estatal possa permanecer gerenciando as pessoas mesmo na
ausência de um governante físico, pois existe uma estrutura bem elaborada que
possibilita isso. Em Vigiar e Punir,
Foucault nos diz que “[a] prisão não pode deixar de fabricar delinquentes.
Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem
isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual
não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em
sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa”;
queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se
dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da
natureza? A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações
violentas; ela se destina a aplicar as leis, e a ensinar o respeito por elas;
ora, todo o seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder”.
Dessa forma, o conceito de biopoder
em Foucault se fundamenta por uma posição crítica ao controle estatal
totalitário. Em nosso próximo post continuaremos a discutir esse conceito,
próprio do pensamento foucaultiano, relacionando-o à sociedade do controle que
se constituiu nos tempos modernos.