segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Sobre o conceito de Biopoder


Sobre o conceito de Biopoder


A teoria do contrato social teve forte recepção no pensamento filosófico moderno e podemos atribuir à filosofia política de Thomas Hobbes o amadurecimento e disseminação dessa teoria, de grande contribuição para o pensamento político posterior. Partindo de um problema do direito natural, Hobbes irá identificar a vontade ilimitada de poder nas paixões humanas e a disputa constante entre os homens no estado de natureza. Será partindo dessa observação que ele verá a necessidade de um poder superior que regule essas paixões. O Estado é fruto desse poder, que terá sua gênese na paixão do medo da morte violenta, existente em todos os homens. Visto isso, será o medo que levará os homens a cederem seus poderes (direito a todas as coisas) através de um contrato que irá permitir a formação desse poder maior que é o corpo político (Estado). Dessa forma, o Estado adquire a soberania e o poder soberano sobre os corpos naturais dos homens, tendo, portanto, o poder sobre a vida deles. Será o poder da soberania, oriundo do referido contrato e da sujeição dos homens a esse poder, que Foucault irá criticar através de seu conceito de biopoder.

Desse modo, Foucault está interessado em entender a racionalização da violência contra o mito que diz ser a violência irracional. O Estado se constitui justamente na fórmula moderna que prevê o uso racional da violência como instrumento de controle social. Isso pode ser visto em obras como Vigiar e Punir, Microfísica do Poder, o capítulo final de A vontade de saber ou ainda na série de entrevistas encontradas em El poder, una bestia magnífica, só para dar alguns exemplos. Foucault sempre esteve interessado em estudar o poder e de que maneira ele se respalda, entendendo que o poder não se reduz ao conceito de soberano, mas também se encontra nas pequenas instâncias de atuação. Como o próprio Foucault nos diz em uma entrevista: “o que me preocupa são essas relações verdade/poder, saber/poder”. Ou seja, o poder é aquele que circunda as principais instâncias da vida humana; ter a verdade é ter poder, ter o saber é ter poder, ter razão é ter poder... é no poder que se fundamentos todas as relações sociais. Estas técnicas de dominação são de uma racionalidade extrema.
O poder soberano tem o intuito de tudo controlar, agindo por toda a parte, de maneira em que se possa consagra o controle estatal sobre todos cidadãos. Isso é um gerenciamento racional do poder para que o poder estatal possa permanecer gerenciando as pessoas mesmo na ausência de um governante físico, pois existe uma estrutura bem elaborada que possibilita isso. Em Vigiar e Punir, Foucault nos diz que “[a] prisão não pode deixar de fabricar delinquentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa”; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da natureza? A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis, e a ensinar o respeito por elas; ora, todo o seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder”.
Dessa forma, o conceito de biopoder em Foucault se fundamenta por uma posição crítica ao controle estatal totalitário. Em nosso próximo post continuaremos a discutir esse conceito, próprio do pensamento foucaultiano, relacionando-o à sociedade do controle que se constituiu nos tempos modernos.