Tempos de Borboleta
I
"E tudo o que se sente directamente traz palavras suas"
- Alberto Caeiro
Quando
paramos para refletir sobre o nosso tempo, os “tempos modernos”, nos
perguntamos se ele pode vir a ser melhor, se há possibilidade de transformação
e acontecimentos novos. Se um dia o homem que se aprisionou na máquina virá a
sair dessa condição. Esse tempo por vir é o que chamarei de “tempos de
borboleta”. Para explicar melhor em que consiste os tempos de borboleta, cito
uma passagem de Ciro Marcondes Filho em sua obra “O rosto e a máquina”:
Assim, o ‘isso’
pode tornar-se um ‘tu’. Ele é como uma crisálida, diz Buber, de onde por surgir
uma ‘borboleta’. Em termos de comunicação, quando encontramos alguém e o saudamos
com formas desgastadas como “Olá!”, “Tudo bem?”, estaremos nos relacionando com
essa pessoa da maneira eu-isso. Em nossa terminologia, não estaremos nos
comunicando, apenas trocando sinais.
Em uma
sociedade de massa que utiliza os mesmos meios, passam pelos mesmos lugares,
compram as mesmas coisas e vibram as mesmas festividades, pouco se comunica. As
pessoas pronunciam-se apenas pela repetição, sempre as mesmas falas, tornam-se
mudas, cegas e surdas, fechadas num mundinho só, incomunicáveis. A solidão
existente de uma pessoa, cercada por diversas outras solidões, numa completa
incomunicabilidade entre elas. Como nos mostra Gabriel García Márquez em seu
livro Cem Anos de Solidão, a solidão
está nas diversas relações entre os homens sejam elas de amor, ódio, paixão ou
amizade. Ela está presente até mesmo quando parecemos rodeados por várias
pessoas, numa verdadeira solidão
partilhada. Pois a comunicação não é algo facilmente realizável, ela exige
situações particulares, talvez até mesmo íntimas, de captar (e sentir), aquilo
que o outro tenta nos transmitir.
Além do ‘eu’
há o ‘tu’. É através do tu que o eu pode vir a encarar o mundo, pois o ‘tu’
mostra ao ‘eu’ que não se está sozinho, mas que há algo além que está no mundo.
Através do olhar do outro o ‘eu’ se faz presente no aqui e no agora. Há muito
ruído na comunicação hodierna, as pessoas vivem presas em seus casulos internos
sem conseguir interagir realmente com o exterior que é o mundo. Presos no
solipsismo cartesiano do ‘cogito’,
termina-se a existência como prisioneiros de si mesmos. O ‘tu’ é a
possibilidade da relação, do encontro com o outro, da abertura para a novidade.
É a o sair do casulo como uma borboleta, pronto para conhecer as possibilidades
reais da comunicação, pronto para ser livre. Mas para que isso aconteça, é
preciso também um esforço comunicativo.
Tempos de
borboleta são tempos vindouros, tempos que aguardamos para a construção de um
mundo melhor e diferente. Quando iremos olhar para o outro que está ao nosso
lado e querer realmente comunicar-se com ele, querer sair de si mesmo para
realmente se dizer algo, ter o outro não somente em seu olhar, mas também no
seu sentir. De maneira que eu entre no tu e o tu entre no eu: quando a mensagem
se torna uma manifestação do sentir. E é por isso que esse é um tempo por vir,
que não está aqui agora.