Prometeu
Inexplicável
Luiz Maurício B. R.
Menezes
Continuando a nossa jornada através
dos textos de Prometeu, trataremos aqui sobre o “Prometeu” de Franz
Kafka. Antes propriamente de esmiuçarmos seu trabalho, colocaremos o fragmento
por inteiro abaixo:
Sobre
Prometeu dão notícia quatro lendas: Segundo a primeira, ele foi acorrentado no
Cáucaso porque havia traído os deuses aos homens, e os deuses remeteram águias
que devoravam seu fígado que crescia sem parar. De acordo com a segunda,
Prometeu, por causa da dor causada pelos bicos que o picavam, comprimiu-se cada
vez mais fundo nas rochas até se confundir com elas. Segundo a terceira, no
decorrer dos milênios sua traição foi esquecida, os deuses se esqueceram, as
águias se esqueceram, ele próprio se esqueceu. Segundo a quarta, todos se
cansaram do que havia se tornado sem fundamento. Os deuses se cansaram, as
águias se cansaram, a ferida, cansada, fechou-se. Restou a cadeia inexplicável
de rochas. A lenda tenta explicar o inexplicável. Uma vez que emerge de um
fundo de verdade, ela precisa terminar de novo no que não tem explicação.
(Kafka. Prometeu. Tradução de Modesto Carone, 2002)
O mito que
explica algo não é capaz de explicar a si mesmo. O Prometeu acorrentado é um
mito sobre a humanidade, pois trata do Titã que, para preservar a vida humana,
roubou o fogo e as artes dos deuses para dá-los aos homens. Devido a isso, foi
punido por Zeus ao eterno cárcere nas montanhas do Cáucaso. A explicação é apenas
a simplificação de uma relação complexa do que se tenta entender através das
diversas leituras possíveis do mito de Prometeu. Mas o que não se explica é o
próprio Prometeu. Figura enigmática, mítica e primordial da cultura grega,
acabou ganhando diversas faces entre aqueles que o leram e o interpretaram. No
“Prometeu” de Kafka, podemos ver o absurdo do próprio ‘ser Prometeu’ em quatro
versões diferentes. Na primeira, temos a versão tradicional sobre sua prisão e
a águia que devorava todos os dias o seu fígado; na segunda, a desaparição do
Titã junto as rochas que o aprisionavam; na terceira, o esquecimento profundo
do ser que acaba por esquecer-se; e, na quarta, o cansaço do mito transformado
na própria matéria das “inexplicáveis rochas”. Essa é uma colocação
significativa da narrativa de Kafka, pois ao falar que o mito “emerge de um
fundo de verdade”, Kafka acaba por admitir “que [o mito] não tem explicação”. E
isso é um ponto fundamental de todo mito: são inexplicáveis, isto é, ou se
acredita ou não se acredita em um mito, não há meio termo significativo o qual
poderíamos nos remeter.
Prisão,
desaparecimento, esquecimento e cansaço. Quatro versões de muitas que
poderíamos ter. Todas essas múltiplas versões exercem uma visão de conjunto
sobre o sentido do mito prometeico que nos abre as diversas possibilidades de
um mundo inexplicável em si mesmo. Por outro lado, podemos atribuir a falta de
explicação à sua condição de verdade, pois, uma vez que o mito contado tem um
“fundo de verdade”, é por isso mesmo que ele não pode ser explicado. Que fosse
todo ele falso e, possivelmente, teríamos uma explicação aceitável, mas como
possui alguma verdade, é justamente por essa verdade que distante está de todo
o resto, o que faz do mito ele mesmo inatingível, indizível e inexplicável. Porém
o que foge da explicação é rico em interpretação, e nisso o mito de Prometeu
permanece vivo em nossa própria existência.