O Homem que improvisava
Muitas vezes tomamos o improvisador como um artista ou um
instrumentista, talvez ainda um político. Todos esses têm a característica de
se utilizarem da improvisação dentro de seus campos de atuação, o que parece
algo inerente a essas funções. Mas há o homem-improvisador que não corresponde
a nenhuma dessas categorias. A arte de improvisar na vida vem das adversidades
que esta nos apresenta. Improvisar é viver sem ter que planejar o dia de amanhã,
é ter que sentir cada instante como único, como um andarilho vagando pelo mundo.
O homem-improvisador é aquele que reflete e age de acordo com o momento
vivido, sem que o seu atuar pelo mundo esteja determinado, planejado ou
anteriormente pensando. Se tomarmos a famosa frase de Descartes ego cogito, ergo sum, podemos dizer que
o homem-improvisador está no “ergo”, nesse logo
que precede a existência. O ergo é
a existência desprovida do ego e do cogito, é o logo sem o lógos, é tomar a existência como única e
intransferível.
Para um existencialista esse é o principal ponto a ser tomado: não há uma
essência que preceda a existência, não há um cogito ordenador do que sou, não há ideias inatas pré-concebidas. Tudo
é o acaso da existência, tudo faz parte de uma grande improvisação que chamamos
vida. Não me refiro a vida como o despertar do ser, mas a vida vivida, a vida
agora, ou seja, é o experimentar da vida que nos é único e que permite a
multiplicidade existente no mundo. As diversas possibilidades que nos aparecem
nos caminhos são todas fruto do ergo
e não do ego. Pois o ego quer tomar tudo para si, quer fazer
do mundo e da vida um espelho de si mesmo. Mas o ergo é aquele que, desprovido do ego, permite a abertura do caminho e das múltiplas possibilidades
da existência.
O ergo também possibilita o
encontro com o outro, com o desconhecido, com aquilo que ainda não sabemos o que
é. O outro é aquele que nos defrontamos
em nossa vida, a novidade que se faz presente e cria possibilidades perante nossas
escolhas, tudo isso precedido pelo ergo que
faz a relação com conosco e possibilita o múltiplo existir.