quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Utopia

 


Utopia

Utopia é a junção de duas palavras gregas: = “ου” (não) + “τόπος” (lugar), formando “Ουτοπία”, que significa “não-lugar” ou, em uma concepção moderna, algo que muitas vezes pode ser tomado como ideal, fora do lugar e não alcançável. Em outras palavras, algo que só poderia ser atingido em um futuro não-temporal. A sua concepção vem da obra “Utopia” de Thomas More publicada em 1516, em que Utopia é uma ilha distante em as pessoas vivem uma vida comunitária entre elas. Essa obra pode ser considerada uma inspiração para outras obras de inspiração utópica. Entre os autores influenciados pelo utopismo socialista podemos citar Morelly, William Godwin, Saint-Simon, Robert Owen, Charles Fourrier e Etienne Cabet para citar alguns nomes, sendo esses também uma fonte de investigação e estudo para os chamados socialistas científicos representados, principalmente, por Karl Marx e Friedrich Engels.

A utopia também pode ser entendida como a tentativa de desenvolver algo novo com o intuito de mudar a realidade. Nesse caso, o real passa a ser o ponto de confronto a ser modificado e desafiado. O humano de pensamento utópico enxerga um problema na realidade e contrasta isso com uma proposta radical de transformação. Para muitos socialistas o grande mal está centrado no capitalismo e, portanto, este pode ser visto como uma forma do real a ser modificada pela inspiração socialista. É justamente nesse ponto que há uma distinção: sendo alguns socialistas a favor de um reformismo, de maneira a modificar o capitalismo aos poucos; e outros veem no reformismo uma fragilidade por ser ele incapaz de acabar com o capitalismo. Tomando nesses termos, entendemos que a utopia, por mais difícil que seja, não deixa de ser um tipo de mundo possível. Um mundo possível pós-viral, seja ele qual for, perpassa pela reconquista do real e uma ressignificação do próprio mundo. E isso pode ser a construção de uma utopia. O processo agora é de pensar como será constituída essa utopia e de que forma ela pode se tornar real.

Em nossa concepção, a utopia do porvir será construída através de um novo comunismo. Não o velho comunismo totalitário e estatal, mas um comunismo que tenha como lemas a autogestão dos indivíduos, solidariedade e autoajuda. Pode parecer estranho falar de um comunismo utópico aqui, já que no passado foi tão defendido justamente um comunismo científico. Mas creio que conseguimos nos justificar no uso da palavra utopia para indicar algo que ainda não existe e que precisa ser construído. Não estamos usando velhos modelos e nem algum que exista na realidade atual. Estamos a tratar de algo que precisa ainda ser inventado. Para isso, o capitalismo neoliberal precisa ruir e acabar definitivamente. Uma reconfiguração da sociedade precisa surgir como ideia, primeiramente, para que haja depois o combate contra a ideologia burguesa que domina o status quo. Sem isso, não há como romper com nada do que está em voga, pois aquilo que foi gravado em ferro na memória das pessoas, dificilmente se apaga com o sofrimento de uma crise. O capitalismo já atravessou diversas crises, sendo algumas delas bem catastróficas, mas sempre acaba por se recuperar e seguir em frente cada vez mais voraz. Somente uma ruptura feita em sua base ideológica poderia acabar com as consequências nefastas desse modo de produção. É preciso lidar com a pluralidade existente na classe trabalhadora que não a faz se reconhecer como una. Essa fragmentação se dá por um processo de desarticulação entre os membros de classe que não conseguem se situar como uma classe. Um problema que perpassa o sistema ideológico capitalista que se sobrepõe a todo processo exploratório. De maneira que o trabalhador não se reconhece como um explorado pelo sistema e acaba por defender o mesmo sistema que o explora, seguindo a mesma linha de raciocínio burguês. Por esse motivo, o combate à ideologia se faz essencial ao processo de construção utópico do novo comunismo.

É preciso um novo olhar sobre a natureza que permita ao homem a convivência harmônica com esta. A formação de um pós-humanismo surgirá a partir da relação humano, natureza e máquina. Mas que mundo podemos ter a partir disso é ainda uma construção em aberto. Nossa proposta de retomar um comunismo utópico perpassa por uma reinterpretação do próprio comunismo, utilizando-se de todo cabedal que já possuímos em teoria para a formulação de uma nova práxis. Isso envolve a reformulação da categoria “trabalho” tão cara a Marx como formação e transformação humana. Acabar com o trabalho como sendo a mera exploração da força do trabalhador para formação de mais-valor e lucro para os empresários, estimulado e perpetuado pelo sistema capitalista, para a construção de um trabalho como categoria existencial do humano inerente ao seu desenvolvimento. O comunismo não pode mais estar vinculado unicamente às veias totalitárias da União Soviética e demais países ditos comunistas, mas é preciso repensar a sua execução. É por isso que retomamos o termo “utopia”: para que façamos uma ressignificação do comunismo como uma via que englobe toda humanidade em um modo de produção mais coerente com aquilo que nos faz humanos.

(Luiz Maurício Bentim Menezes)