Utopia
Utopia é a junção de duas palavras gregas: = “ου” (não) + “τόπος” (lugar), formando “Ουτοπία”, que significa “não-lugar” ou, em uma concepção moderna, algo que muitas vezes pode ser tomado como ideal, fora do lugar e não alcançável. Em outras palavras, algo que só poderia ser atingido em um futuro não-temporal. A sua concepção vem da obra “Utopia” de Thomas More publicada em 1516, em que Utopia é uma ilha distante em as pessoas vivem uma vida comunitária entre elas. Essa obra pode ser considerada uma inspiração para outras obras de inspiração utópica. Entre os autores influenciados pelo utopismo socialista podemos citar Morelly, William Godwin, Saint-Simon, Robert Owen, Charles Fourrier e Etienne Cabet para citar alguns nomes, sendo esses também uma fonte de investigação e estudo para os chamados socialistas científicos representados, principalmente, por Karl Marx e Friedrich Engels.
A utopia também pode ser entendida como a tentativa de desenvolver algo
novo com o intuito de mudar a realidade. Nesse caso, o real passa a ser o ponto
de confronto a ser modificado e desafiado. O humano de pensamento utópico enxerga
um problema na realidade e contrasta isso com uma proposta radical de transformação.
Para muitos socialistas o grande mal está centrado no capitalismo e, portanto,
este pode ser visto como uma forma do real a ser modificada pela inspiração socialista.
É justamente nesse ponto que há uma distinção: sendo alguns socialistas a favor
de um reformismo, de maneira a modificar o capitalismo aos poucos; e outros veem
no reformismo uma fragilidade por ser ele incapaz de acabar com o capitalismo.
Tomando nesses termos, entendemos que a utopia, por mais difícil que seja, não
deixa de ser um tipo de mundo possível. Um mundo possível pós-viral, seja ele
qual for, perpassa pela reconquista do real e uma ressignificação do próprio
mundo. E isso pode ser a construção de uma utopia. O processo agora é de pensar
como será constituída essa utopia e de que forma ela pode se tornar real.
Em nossa concepção, a utopia do porvir será construída através de um
novo comunismo. Não o velho comunismo totalitário e estatal, mas um comunismo
que tenha como lemas a autogestão dos indivíduos, solidariedade e autoajuda.
Pode parecer estranho falar de um comunismo utópico aqui, já que no passado foi
tão defendido justamente um comunismo científico. Mas creio que conseguimos nos
justificar no uso da palavra utopia para indicar algo que ainda não existe e
que precisa ser construído. Não estamos usando velhos modelos e nem algum que
exista na realidade atual. Estamos a tratar de algo que precisa ainda ser
inventado. Para isso, o capitalismo neoliberal precisa ruir e acabar
definitivamente. Uma reconfiguração da sociedade precisa surgir como ideia,
primeiramente, para que haja depois o combate contra a ideologia burguesa que
domina o status quo. Sem isso, não há
como romper com nada do que está em voga, pois aquilo que foi gravado em ferro
na memória das pessoas, dificilmente se apaga com o sofrimento de uma crise. O
capitalismo já atravessou diversas crises, sendo algumas delas bem
catastróficas, mas sempre acaba por se recuperar e seguir em frente cada vez
mais voraz. Somente uma ruptura feita em sua base ideológica poderia acabar com
as consequências nefastas desse modo de produção. É preciso lidar com a
pluralidade existente na classe trabalhadora que não a faz se reconhecer como
una. Essa fragmentação se dá por um processo de desarticulação entre os membros
de classe que não conseguem se situar como uma classe. Um problema que perpassa
o sistema ideológico capitalista que se sobrepõe a todo processo exploratório.
De maneira que o trabalhador não se reconhece como um explorado pelo sistema e
acaba por defender o mesmo sistema que o explora, seguindo a mesma linha de
raciocínio burguês. Por esse motivo, o combate à ideologia se faz essencial ao
processo de construção utópico do novo comunismo.
É preciso um novo olhar sobre a natureza que permita ao homem a
convivência harmônica com esta. A formação de um pós-humanismo surgirá a partir
da relação humano, natureza e máquina. Mas que mundo podemos ter a partir disso
é ainda uma construção em aberto. Nossa proposta de retomar um comunismo
utópico perpassa por uma reinterpretação do próprio comunismo, utilizando-se de
todo cabedal que já possuímos em teoria para a formulação de uma nova práxis.
Isso envolve a reformulação da categoria “trabalho” tão cara a Marx como
formação e transformação humana. Acabar com o trabalho como sendo a mera exploração
da força do trabalhador para formação de mais-valor e lucro para os
empresários, estimulado e perpetuado pelo sistema capitalista, para a
construção de um trabalho como categoria existencial do humano inerente ao seu
desenvolvimento. O comunismo não pode mais estar vinculado unicamente às veias
totalitárias da União Soviética e demais países ditos comunistas, mas é preciso
repensar a sua execução. É por isso que retomamos o termo “utopia”: para que
façamos uma ressignificação do comunismo como uma via que englobe toda
humanidade em um modo de produção mais coerente com aquilo que nos faz humanos.