quinta-feira, 8 de outubro de 2020

The Machine Stops

 

The Machine Stops

No presente trabalho, pretendemos retomar a analogia com a máquina a partir da nova configuração do pensamento através das novas tecnologias. O distanciamento social pelo qual a maioria das pessoas enfrenta em algum nível devido à pandemia do vírus covid-19, fez com que a conexão do pensamento com o real se perdesse e se transportasse para o virtual. As redes sociais e novas tecnologias se tornaram o meio pelo qual o pensamento divaga, perdendo o seu contato com o ‘mundo lá fora’. Uma espécie de cogito virtual se constituiu e somente através dele passamos a ter contato com as outras pessoas. O pensamento se diluiu na internet e ganhou fluidez capaz de confundir a localização do sujeito pensante. O que chamamos aqui de cogito virtual não tem relação direta com a inteligência artificial, embora não a exclua. O cogito virtual é uma nova faceta do sujeito humano ao interagir a maior parte do seu tempo com a máquina virtual. O cogito virtual é, portanto, a fusão entre o sujeito pensante cartesiano e sua interação direta com a rede. Um novo solipsismo cartesiano se fez com isso, de modo que o cogito, isto é, o ato de pensar, se realiza apenas virtualmente, o que nos lembra do início do conto de Forster, The Machine Stops:

Uma campainha elétrica toca. A mulher tocou numa chave e a música silenciou. ‘Eu suponho que preciso ver quem é’, pensou, e pôs sua cadeira em movimento. A cadeira, como a música, era operada por mecanismos e levou-a para o outro lado do quarto onde a campainha ainda tocava importunamente. ‘Quem é?’ ela chamou. Sua voz estava irritada, pois tinha sido interrompida muitas vezes desde que a música começara. Ela conhecia vários milhares de pessoas, em certas direções as relações humanas haviam avançado enormemente. (FORSTER, 2011, p. 248.)

 

O conto retrata uma realidade futurista em que tudo é controlado pela Máquina. As pessoas moram em passagem subterrâneas à Terra, não existe vida fora. Todas as pessoas moram separadas em uma espécie de quarto que lhes fornece tudo que necessitam. A única interação é com a Máquina e através da Máquina. O conto condiz um pouco com a realidade atual e poderia ser pouco alusivo se não fosse o fato de que ele foi escrito em 1909, há 111 anos atrás.

Independentemente do fim que iremos tomar com essa pandemia, o conto tem um início muito parecido com o nosso presente: avançamos muito na velocidade e capacidade de se conhecer milhares de pessoas através das máquinas e artefatos tecnológicos, os mecanismos são muitos e as operações se tornaram fáceis demais, porém isso nos deixou cada vez mais distante fisicamente das pessoas, até mesmo daquelas que conhecemos mais proximamente. O confinamento exigido das pessoas fez com que o processo de virtualização se intensificasse ainda mais, pois, uma vez que as pessoas não poderiam mais se encontrar fisicamente, passaram a utilizar ainda mais as redes sociais. É o fim do corpo como o conhecemos, sua estrutura física foi transferida para avatares virtuais que vagueiam pela rede. Como no conto de Forster, a própria noção de espaço sumiu, já que as pessoas se mantêm em casa, interagindo somente pela internet. Somado a isso, houve um aumento do número de pessoas trabalhando em casa (home office), assim como cursos de Ensino a Distância (EaD). Tudo isso sem se avaliar o problema pelo viés político, social, econômico, logístico e educacional. Não sabemos o que está por vir, como será a situação do Brasil amanhã, como estará a saúde de alunos, trabalhadores e pessoas em geral. Há uma situação de insegurança muito grande entre pessoas próximas e familiares. Alguns não se sentem seguros, outros estão psicologicamente desestabilizados. A falta de preparo não é somente por conta do virtual em si. Há muito mais em jogo aqui do que pode parecer. Estamos atravessando um período de readaptação que vai para além de uma mera adequação ao sistema online.

Luiz Maurício Bentim

FORSTER, E. M. The Machine stops. Tradução de Celso R. Braida. (n.t.) Revista Literária em Tradução, v. 01, n. 02, p. 217-279, 2011.