segunda-feira, 29 de julho de 2013

Alguns pontos sobre o acadêmico brasileiro de filosofia.

De modo geral, o acadêmico brasileiro de filosofia é uma figura intrigante. Dois anos de mestrado são dedicados a uma dissertação “em fulano” (“em Kant”, “em Hegel”, “em Russell”, “em Platão”). Depois, mais quatro anos são dedicados a uma tese - novamente “em fulano” - mas talvez com mais notas de rodapé, mais exegese, mais descrição linha-por-linha da obra do fulano. Ao fim de ambas formações, o aluno completa a admirável façanha de ter se dedicado anos escrevendo uma obra doxográfica que no máximo sete pessoas leram.


É claro que o padrão descrito acima não se aplica a todo acadêmico brasileiro de filosofia. Mas tenho certeza que cada um de nós (estudantes de filosofia) vai reconhecer que o padrão se aplica com determinada generalidade, a ponto de ser isso o que se espera do acadêmico em filosofia. Tente figurar dois alunos da pós-graduação em filosofia se encontrando para conversar. Um pergunta para o outro: “Qual é o teu autor?”. Isto é corriqueiro em nosso meio. Será que tais acadêmicos ainda conseguem pensar criticamente? Têm eles suas próprias questões filosóficas além de considerações como “Gostaria de saber o que o Nietzsche pensa sobre isso”? Têm eles os seus próprios objetivos - os problemas que querem realmente resolver - ou seus objetivos são simplesmente escrever tais dissertações e teses enfadonhas? Conseguiriam eles fazer uma pergunta espontânea, elencar hipóteses, descrever o método de investigação e justificá-lo apontando ambos, suas vantagens teóricas e seus pontos fracos? Estou em dúvida.


Além disso, é comum que os especialistas “em fulano” só consigam se comunicar com outros especialistas no mesmo fulano. A falta de comunicação assola a academia brasileira de filosofia. O aluno aprende um idioleto, domina-o, e não consegue realizar traduções do idioleto para uma linguagem natural comum entre ele e outros falantes. O aluno se vicia no idioleto, se aninha neste ambiente intelectual protegido e cria uma muralha: nada sai, nada entra. Ele vai apresentar sua pesquisa numa semana acadêmica, pega o certificado e volta para sua poltrona. Ele não liga para um colega contando sobre a excitante contradição que descobriu na hipótese que formulara no início da pesquisa, nem recebe do colega a observação de que a contradição pode ser evitada se uma premissa do seu raciocínio for substituída por outra, igualmente útil. Ele não se arrisca a avançar teses ousadas e construir seu próprio argumento, pois pensar fora do que disse o seu autor lhe dói a cabeça, lhe tira o conforto.


Para isso ele recebe mensalmente em torno de dois mil reais da CAPES ou do CNPq. Por vezes, ele ainda acha que recebe pouco. Raramente ele pensa sobre o que está fazendo com o dinheiro que o governo lhe deposita. É claro, o pós-graduando provavelmente vai pensar neste momento que o governo é cheio de ladrões e que aqui nada funciona direito - porque ele deveria pensar no que deve retornar a este governo de meia-tigela? Independente do que o aluno pensa sobre o governo, é este que possibilita a sua maravilhosa jornada de seis anos cujo resultado são dois grossos volumes socados num banco de teses e dissertações sem utilidade. Por que não dedicar todo este tempo e energia para pelo menos tratar de assuntos relevantes à contemporaneidade, para contribuir em outros campos de pesquisa, para se comunicar com outros pesquisadores ao redor do globo na busca de respostas que os possam interessar?


O contato com academias internacionais também gera resultados curiosos. É costume na academia brasileira que haja uma certa romantização sobre ir estudar no exterior. A impressão é de que só lá que as coisas acontecem, só lá se fazem bons filósofos, só lá você vai receber um banho de luz dourada que vai criar uma aura de superioridade. Como resultado, alguns pesquisadores que vão para o exterior voltam com toda a arrogância e falta de humildade, considerando aqueles que apenas ficaram no Brasil como não sabedores do que realmente é bom em filosofia. Eles se sentem muito mais superiores pelo pouco que fizeram do que aqueles que realmente fizeram contribuições significativas para a filosofia, e viciam-se contra aqueles que não puderam ou não quiseram ir para uma instituição no exterior. Com todo este grau de arrogância e esta criação de uma imagem de superioridade, naturalmente, o estudante (ou professor) vai criar uma intolerância à quem lhe contrapor, a quem lhe mostrar que seu argumento está errado - todo seu castelo vai desmoronar se um colega que não esteve onde ele esteve lhe apresentar um ponto crítico.