terça-feira, 18 de junho de 2013

Por um mundo com menos briga e mais argumento

Em meio a tanta violência, dissonância e desacordo em debates políticos, científicos e filosóficos, alguns de nós passam a se perguntar se existe alguma maneira de fazermos com que haja menos conflito e mais argumentação, menos desejo de defendermos nossas idéias contra quaisquer considerações e mais atenção as razões apontadas pelo opositor. É claro, a tentativa de diminuir o conflito nos mais variados tipos de debate não é uma tentativa de unificar todos os pontos de vista numa unica opinião - é muito improvável que tal unificação ocorra dado todo o mosaico de crencas que exibe a espécie humana. No entanto, creio que possamos ter esperança em diálogos mais frutíferos e menos rancorosos, e gostaria de construir alguns pontos em torno deste tema.
Um bom ponto de partida talvez seja realizar uma distinção, mesmo que informal, entre argumento e outras maneiras por meio das quais podemos expressar o que cremos ser o caso (faz parte da sabedoria filosófica a observação de que é tortuoso tentar contra-argumentar a uma pessoa quando esta não ofereceu um argumento em primeiro lugar). Um argumento é uma estrutura que pode se manifestar de maneira dialógica, escrita ou oral. Na estrutura de um argumento temos premissas e pelo menos uma conclusão. Um exemplo pode ser:


Filósofos têm preconceito contra mulheres.
Quem tem preconceito contra mulheres nao é capaz de avaliar justamente o ponto de vista de uma mulher.
Logo, filósofos não são capazes de avaliar justamente o ponto de vista de uma mulher.
O argumento é válido: se as premissas são verdadeiras a conclusão é verdadeira (note que, do fato de que um argumento é válido não se segue que a sua conclusão é verdadeira). Há maneiras de contra-argumentar aqui: podemos dizer que a primeira premissa é falsa, que há alguns filósofos que não têm preconceito contra as mulheres; ou podemos partir da negação da conclusão, e com isso concluir que pelo menos uma das premissas é falsa (dado que o argumento é válido). Algo diferente ocorre quando dizemos que um argumento é inválido - quando mostramos que é possível para as premissas serem verdadeiras e para a conclusão ser falsa. Uma descrição completa das formas possiveis de argumentar e contra-argumentar nos levaria muito longe aqui. O ponto agora é o de que temos um argumento diante de nós quando nos defrontamos com a estrutura apresentada acima. Mas não temos um argumento quando uma pessoa ouve você falando sobre as idéias de um pensador pós-moderno e diz:
Ah! Mas este pensador é um pós-moderno, pouco me interessa o que ele diz!
Como você pode ver, a pessoa que assim reagiu ao ouvir você falando sobre as idéias do pensador pós-moderno dificilmente contribui para o dialogo. Com base em situações padrão, podemos inferir indutivamente que o falante acima implicitamente expressa sua crença de que pensadores pós-modernos não teriam algo relevante/interessante/racional a dizer. Presumivelmente, ele teria razões para não dedicar seu tempo a discutir idéias de pós-modernos. Mas um dos problemas com esta abordagem dialógica é o de que este falante não explicou porque pensadores pós-modernos seriam tão irrelevantes. Aparentemente a pessoa sequer cogitou a possibilidade de haver uma exceção neste caso, mesmo assumindo que ele tenha visto no passado frases de pós-modernos que lhe pareceram ser irrelevantes/falaciosas, etc. A situação seria ainda pior se, previamente a exasperada reação de tal falante, você apenas tivesse mencionado as idéias do pensador em questão, sem sequer defendê-las.
Dado que a pessoa nao ofereceu um argumento, como voce podê contra-argumentar a ela? A pessoa não mostrou mostrou quais são suas premissas, não tentou explicar porque ela pensa o que pensa. Imaginemos agora que você acha que o pensador pós-moderno sobre o qual voce falava tem algo relevante a dizer. Dado sua crenca, é dificil que haja um bom diálogo a partir do momento em que seu interlocutor agiu daquela forma. Podemos ter algum controle sobre como reagimos, mas em alguns casos simplesmente perdemos a paciência e nos tornamos tambem irracionais. Dada a agressividade da pessoa, é mais provável que haja uma briga entre vocês agora do que uma argumentação critica - a mente se torna turva quando afetada por emoções negativas, e dificilmente conseguiremos avaliar racionalmente o que está em questão em tal situação.

Será que podemos contornar nosso impulsos em situações dialógicas de conflito, e avaliar premissas e conclusões de maneira racional? Pesquisas em psicologia cognitiva feitas desde pelo menos os anos 70 (veja por exemplo o trabalho de Carol Tavris e Daniel Kahneman) sugere que na maior parte do tempo estamos preocupados em manter a coerência do nosso sistema de crencas e 'protegê-lo' de 'ameaças' (contra-argumentos e contra-evidências), que usamos recursos heurísticos epistemicamente não-ótimos, que somos viciados em relação a alguns costumes cognitivos, etc. Mas ainda há esperança, pois embora tenhamos pouco ou nenhum controle diante do estímulo atual que nos leva diretamente ao erro, podemos manipular o conjunto de situações nos quais vamos nos colocar. Assim, eu posso notar que interlocutores que 'argumentam' agressivamente são frequentes em algum ambiente que eu frequento, e posso tentar me distanciar de tal ambiente para que eu evite ser distraído pelas emoções negativas que nele me são causadas. Com o distanciamento, talvez eu me prepare melhor para um próximo diálogo com interlocutores agressivos que não oferecem argumentos, em que eu conseguirei fazer perguntas a eles, ao invés de tentar 'revidar'. É possível que isso seja bom não somente para mim, mas também para o próprio interlocutor agressivo - pois não estarei simplesmente querendo 'ganhar' do inimigo.
Há muito ainda o que explorar sobre maneiras como otimizar a argumentação nos mais variados meios. Acredito ser um tema relevante nestes tempos de tanta expressão de pontos de vista na web e nos outros meios de comunicação.

(Post publicado conjuntamente no blog Distropia).