Thomas Kuhn, embora não tenha sido filósofo de formação (teve formação em física e mais tarde em história da ciência), contribuiu com insights preciosos para a filosofia da ciência. Suas idéias sobre mudança teórica, progresso e racionalidade científica, subordinação teórica, incomensurabilidade, etc., foram e ainda são motivo de grande controvérsia. Muitos de seus críticos o acusaram de irracionalismo, inconsistência, vagueza, etc. Ao passo que outros viram em suas idéias aquilo que faltava para uma compreensão mais completa e exata do desenvolvimento científico. Desde a publicação de A Estrutura das Revoluções Científicas (1962) até a sua morte em 1996, suas idéias sofreram diversas reformulações e clarificações, embora tenham ainda permanecido um tanto vagas e ambíguas. Para aqueles que têm interesse em entender mais a fundo tais idéias, eis duas excelentes leituras: Reconstructing Scientific Revolutions (1993), de Paul Hoyningen-Huene, e Thomas Kuhn (2000), de Alexander Bird.
O livro de Hoyningen-Huene é uma tentativa abrangente de tornar as idéias de Kuhn consistentes e mais precisas, tendo como pano de fundo a distinção kantiana entre fenômeno e coisa em si. O autor sugere que a prática científica normal determina o modo como vemos o mundo (que corresponde ao mundo fenomênico kantiano), e que não há conhecimento para além do mundo fenomênico, i.e., conhecimento do mundo em si (ou de como é independente de qualquer representação dele). Quando ocorre uma revolução científica, muda também o modo de se categorizar o mundo, e, por conseguinte, o modo de vê-lo. Tendo em vista tal pano de fundo, a principal tese de Kuhn é interpretada como um tipo de construtivismo em que o conhecimento científico é relativo aos enquadramentos teóricos nos quais as tradições de pesquisa trabalham. O restante das teses de Kuhn, como a incomensurabilidade, a subordinação teórica, etc. são explicadas da mesma maneira. O próprio Kuhn aceitou de bom grado tal interpretação, alegando ainda que Hoyningen-Huene compreendera de maneira mais clara vários aspectos de sua obra. Reconstructing Scientific Revolutions está recheado de referências e notas de rodapé – o que dá a impressão de pedantismo acadêmico; tais notas, no entanto, são de grande valia, uma vez que nos permitem recorrer às próprias passagens dos escritos de Kuhn em que o autor usa como indícios a favor suas interpretações. Já o livro de Bird é bem mais direto do que o de Hoyningen-Huene (em parte porque amplamente o pressupõe); parte do pressuposto que o interesse histórico primário de Kuhn em compreender o desenvolvimento e a mudança científica o levou a sustentar posições filosóficas bastante radicais. Idéias como a da incomensurabilidade teórica e metodológica, por exemplo, são condições sine qua non para a perspectiva kuhniana do desenvolvimento histórico da ciência. Bird discute cada uma dessas teses detalhadamente, apresentando-as de maneira clara e direta. O resultado é uma discussão bastante empolgante e recheada de pormenores que passam despercebidos, ou que estão na entrelinhas, nos textos originais de Kuhn. Bird, além do mais, enfatiza que embora o próprio Kuhn pretendesse romper com o empirismo lógico, várias de suas perspectivas estavam bastante próximas desse último, como é o caso da distinção teoria/observação, que o fez adotar um holismo no que diz respeito ao significado dos termos teóricos (posição que Carnap, o grande expoente do empirismo lógico, acabou por adotar no decurso de suas investigações – obviamente que num tom bem menos radical).
Indispensável!