sábado, 17 de março de 2012

Nomeação e Necessidade (Saul Kripke)

Tradutor: Rodrigo Cid

Há uma doutrina bastante conhecida de John Stuart Mill, em seu livro A System of Logic, de que nomes têm uma denotação, mas não uma conotação. Para utilizar um de seus exemplos, quando usamos o nome 'Dartmouth' para descrever certa localidade na Inglaterra, esta pode ser assim chamada porque se encontrava na beira [mouth] de Dart. Porém, diz ele, que, inclusive se Dart (isto é um rio) tivesse mudado seu curso de modo que Dartmouth não mais se encontrasse na beira de Dart, poderíamos com igual propriedade chamar esse local de 'Dartmouth', mesmo que o nome possa sugerir que ele se encontre na beira de Dart. Mudando a terminologia de Mill, talvez devêssemos dizer que um nome tal qual 'Dartmouth' tem uma conotação para algumas pessoas (não para mim – eu nunca pensei tal coisa), a saber, conota que qualquer lugar chamado 'Dartmouth' encontra-se na beira de Dart. Mas, então, de algum modo, ele não tem um 'sentido'. Ao menos, não é parte do significado do nome 'Dartmouth' que a aldeia nomeada por ele encontre-se na beira de Dart. Alguém que dissesse que Dartmouth não se encontra na beira de Dart não estaria se contradizendo.



Não devemos pensar que toda sentença da forma “o x tal que Fx” é sempre usada como uma descrição em vez de como um nome, em inglês. Acho que todo mundo já ouviu sobre O Sacro Império Romano, o qual não foi nem sacro, nem romano, nem império. Atualmente temos as Nações Unidas. Pareceria aqui que, desde que tais coisas podem ser chamadas dessa forma, inclusive não sendo Sacras Nações Unidas Romanas, esses termos deveriam ser vistos antes como nomes do que como descrições definidas. No caso de alguns termos, as pessoas podem ficar em dúvida sobre se eles são nomes ou descrições; como 'Deus' – isso descreve Deus como único ser divino ou é um nome de Deus? Mas tais casos não precisam necessariamente nos incomodar.

Então, aqui, estou fazendo uma distinção que é certamente na linguagem. Porém, a tradição clássica da lógica moderna lutou fortemente contra a visão de Mill. Frege e Russel pensavam, e parecem ter chegado às suas conclusões independentemente um do outro, que Mill estava errado num sentido extremamente forte: um nome realmente próprio usado de modo apropriado era apenas uma descrição definida disfarçada ou abreviada. Frege disse especificamente que tal descrição dava o sentido do nome.1

As razões aqui contra a visão de Mill e a favor da visão alternativa adotada por Frege e Russell são bastante poderosas; e é difícil ver – embora se possa ficar suspeito desta visão, pois nomes não parecem descrições definidas disfarçadas – como a visão de Frege-Russell, ou alguma variante sutil, pode falhar em ser o caso.

Deixe-me dar um exemplo de alguns argumentos que parecem conclusivos a favor da visão de Frege-Russell. O problema básico para qualquer visão como a de Mill é como determinar o que é a referência de um nome, quando falado por um falante. De acordo com a visão descritivista, a resposta é clara. Se 'Joe Doakes' é apenas um apelido para 'o homem que corrompeu Hadleyburg', então quem quer que seja que tenha corrompido Hedleyburg de modo único é o referente do nome 'Joe Doakes'. Entretanto, se não há tal conteúdo descritivo para um nome, como é que, de alguma forma, as pessoas usam nomes para referir coisas? Bem, elas podem estar numa posição que as permite apontar certas coisas e, assim, determinar as referências de certos nomes ostensivamente. Esta era a doutrina do conhecimento de Russell, a qual ele pensava que os nomes genuínos ou próprios satisfaziam. Mas é claro que nomes comuns referem todo tipo de pessoas, como Walter Scott, para quem nós não podemos possivelmente apontar. E a nossa referência aqui parece ser determinada pelo nosso conhecimento deles. Qualquer coisa que saibamos sobre eles determina a referência do nome como a única coisa que satisfaz aquelas propriedades. Por exemplo, se eu uso o nome 'Napoleão', e alguém me pergunta 'quem é que você está referindo?', responderei algo como 'Napoleão foi o imperador da França no início do século dezenove; eventualmente, ele foi derrotado em Waterloo', dando assim uma descrição identificadora única do referente do nome. Então, Frege e Russel parecem aqui realizar a abordagem natural de como a referência é determinada; Mill não parece realizar nenhuma.

Existem argumentos subsidiários que, embora sejam baseados em problemas mais especializados, também são motivações para aceitar essa visão. Um deles é que, às vezes, podemos descobrir que dois nomes têm o mesmo referente, e expressamos tal coisa com uma sentença de identidade. Então, por exemplo (penso que este é um exemplo comum), você vê uma estrela ao anoitecer e ela é chamada 'Vésper' (é assim que a chamamos ao anoitecer, certo? – Espero que não seja a outra maneira). Vemos uma estrela de manhã e a chamamos 'Fósforo'. Bem, de fato, nós descobrimos que ela não é uma estrela, mas que é o planeta Vênus, e que Vésper e Fósforo são, na verdade, a mesma. Então, expressamos isso por 'Vésper é Fósforo'. Aqui com certeza não estamos dizendo que um objeto é idêntico a si mesmo, mas algo que descobrimos. Uma coisa muito natural a dizer é que o conteúdo real é que a estrela que vemos no anoitecer é a estrela que vemos de manhã (ou, mais acuradamente, que a coisa que vemos ao anoitecer é a coisa que vemos de manhã). Isto, então, dá o real significado da sentença de identidade em questão; e a análise em termos de descrição realiza tal coisa.

Podemos também levantar a questão de se um nome tem de fato referência, quando, e.g., perguntamo-nos se Aristóteles existiu de verdade. Parece natural pensar aqui que o que foi questionado não é se essa coisa (homem) existiu. Uma vez que temos a coisa, nós sabemos que ela existiu. O que realmente está em questão é se qualquer coisa responde às propriedades que associamos àquele nome – no caso de Aristóteles, se algum filósofo grego produziu certos trabalhos ou, ao menos, um número apropriado deles.

Seria ótimo responder a todos esses argumentos. Não estou completamente apto a ver como eu responderia a todo problema desse tipo que possa ser levantado. Além disso, estou bem certo de que não terei tempo para discutir todas essas questões nessas conferências. Não obstante, penso que é bastante certo que a visão de Frege e Russell é falsa.2

[. . .]

De acordo com a visão que eu advogo, então, termos para tipos naturais são muito mais próximos a nomes próprios do que comumente se supõe. O antigo termo 'nome comum' é assim bastante apropriado para predicados que marcam espécies ou tipos naturais, como 'vaca' e 'tigre'. Entretanto, minhas considerações também se aplicam a certos termos de substâncias para tipos naturais, como 'ouro', 'água' e os do mesmo tipo. É interessante comparar minhas visões com aquelas de Mill. Mill conta ambos os predicados do tipo 'vaca', descrições definidas e nomes próprios, como nomes. Ele diz dos nomes 'singulares' que eles são conotativos se são descrições definidas, mas não-conotativos se são nomes próprios. Por outro lado, Mill diz que todos os nomes 'gerais' são conotativos; um predicado tal qual 'ser humano' é definido como a conjunção de certas propriedades que formam condições necessárias e suficientes para a humanidade – racionalidade, animalidade e certas características físicas.3 A tradição lógica moderna, representada por Frege e Russell, parece sustentar que Mill estava errado sobre os nomes singulares, mas certo sobre nomes gerais. A filosofia mais recente tem seguido esse caminho, exceto em que, no caso de nomes próprios e termos para tipos naturais, frequentemente troca-se a noção de propriedades definidoras por uma de aglomerado de propriedades, onde algumas precisam ser satisfeitas em cada caso particular. Por outro lado, minha própria visão percebe Mill como mais ou menos certo sobre nomes 'singulares', mas errado sobre nomes 'gerais'. Talvez alguns nomes 'gerais' ('tolo', 'gordo', 'amarelo') expressem propriedades.4 Num sentido significante, nomes gerais tais como 'vaca' e 'tigre' não expressam; a não ser que ser uma vaca conte trivialmente como uma propriedade. Certamente 'vaca' e 'tigre' não são apelidos para uma conjunção de propriedades que um dicionário usaria para defini-los, como Mill pensava. Se a ciência pode descobrir empiricamente que certas propriedades são necessariamente das vacas, ou dos tigres, essa é outra questão, que eu responderei afirmativamente.

Consideremos como isso se aplica aos tipos de sentenças de identidade que expressam descobertas científicas, das quais falei anteriormente – digamos, água é H2O. Certamente representa uma descoberta água ser H2O. Originalmente, identificamos a água pelas suas características de tato, aparência e, talvez, gosto (embora o gosto seja normalmente devido a impurezas). Se houvesse uma substância, inclusive atualmente, que tivesse uma estrutura atômica completamente diferente da água, mas que parecesse água em todas as outras características, diríamos que alguma água não é H2O? Eu penso que não. Diríamos, em vez disso, que da mesma forma que há um ouro de tolo, há uma água de tolo; uma substância que, embora tenha propriedades pelas quais originalmente identificamos a água, não seria de fato água. E isto, eu penso, aplica-se não apenas ao mundo atual, mas também quando falamos de situações contrafactuais. Se tivesse havido uma substância, que fosse uma água de tolo, seria uma água de tolo e não água. Por outro lado, se essa substância pudesse tomar outra forma – como a poliágua alegadamente descoberta pela União Soviética, com características identificadoras bem diferentes das daquela a que chamamos água – seria uma forma de água, pois é a mesma substância, inclusive se não tiver a mesma aparência pela qual originalmente identificamos a água.

Consideremos a sentença 'a luz é uma torrente de fótons' ou 'o calor é o movimento das moléculas'. Ao referir-me à luz, quero dizer algo que nós temos um pouco nesta sala. Quando eu refiro o calor, eu não refiro uma sensação interna que alguém pode ter, mas a um fenômeno externo que percebemos pelo sentido de sentimento; ele produz uma sensação característica que chamamos de sensação de calor. O calor é o movimento das moléculas. Nós também descobrimos que o aumento de calor corresponde a um aumento do movimento das moléculas, ou, estritamente falando, um aumento da energia cinética média das moléculas. Então, a temperatura é identificada com a energia cinética molecular média. Entretanto, eu não falarei sobre temperaturas, pois há a questão de como a escala atual é organizada. Ela pode simplesmente ser organizada em termos de energia cinética molecular média.5 Mas o que representa uma descoberta fenomenológica interessante é que quando está mais quente, as moléculas estão se movendo mais rápido. Nós descobrimos também, sobre a luz, que ela é uma torrente de fótons; alternativamente, ela é uma forma de radiação eletromagnética. Originalmente, nós identificamos a luz pelas impressões visuais internas características que ela pode produzir em nós, o que nos torna aptos a ver. O calor, por outro lado, identificamos originalmente pelo efeito característico em um aspecto de nossas terminações nervosas ou de nosso sentido do tato.

Imagine uma situação na qual os seres humanos sejam cegos ou que seus olhos não funcionem. Eles não são afetados pela luz. Esta teria sido uma situação na qual a luz não existia? Não me parece que teria sido. Teria sido uma situação na qual nossos olhos não eram sensíveis à luz. Algumas criaturas podem ter olhos não sensíveis à luz. Entre tais criaturas existem infelizmente algumas pessoas, às quais chamamos 'cegos'. Inclusive se todas as pessoas tivessem tido um péssimo desenvolvimento e não pudessem ver nada, a luz ainda poderia estar em volta; mas não estaria apta a afetar a visão das pessoas de modo apropriado. Então, parece-me que esta seria uma situação na qual haveria luz, mas as pessoas não seriam aptas a vê-la. Então, embora possamos identificar a luz pelas impressões visuais características que ela produz em nós, este parece um bom exemplo de fixar uma referência. Nós fixamos o que a luz é pelo fato de que ela é qualquer coisa, lá fora no mundo, que afeta nossa visão de uma determinada forma. Mas então, falando de situações contrafactuais nas quais, digamos, as pessoas fossem cegas, nós não diríamos que, como nada podia afetar seus olhos, a luz não existiria; antes falaríamos que esta seria uma situação na qual a luz – a coisa que identificamos como aquela que nos torna aptos a ver – existia, mas não podia nos ajudar a ver devido a um defeito em nós.

Talvez possamos imaginar que, por algum milagre, ondas de som possam capacitar algumas criaturas a ver. Quero dizer, elas dão à criatura as mesmas impressões visuais que teríamos, talvez até o mesmo sentido de cor. Podemos também imaginar essa mesma criatura como completamente insensível à luz (fótons). Quem sabe que sutis e impensáveis possibilidades podem existir? Diríamos que, em tal mundo possível, havia um som que era luz, que essas ondas em movimento no ar eram luz? Parece-me que, dado o nosso conceito de luz, devemos descrever a situação diferentemente. Seria uma situação em que certas criaturas, que podem ser inclusive aquelas que são chamadas de 'pessoas' e habitam este planeta, seriam sensíveis não à luz, mas às ondas de som, sensíveis a elas do mesmo modo que somos sensíveis à luz. Se isto é assim, uma vez que tenhamos descoberto o que a luz é, quando estamos falando de mundos possíveis, estamos falando sobre este fenômeno no mundo, e não usando 'luz' como um termo sinônimo de 'qualquer coisa que nos dê impressões visuais – qualquer coisa que nos ajude a ver'; pois poderia ter havido luz e ela não ter nos ajudado a ver; e, inclusive, alguma outra coisa poderia ter nos ajudado a ver. O modo como identificamos a luz fixou uma referência.

E similarmente para outros termos como 'calor'. Aqui o calor é algo que identificamos (e fixamos a referência de seu nome) por uma certa sensação que ele causa, 'a sensação de calor'. Nós não temos um outro nome especial para esta sensação do que sensação de calor. É interessante que a linguagem seja deste modo. Ao passo que você pode supô-la, a partir do que eu disse, como sendo de outro modo. Em alguma medida identificamos o calor e somos aptos a senti-lo pelo fato de que ele produz em nós uma sensação de calor. Pode aqui ser tão importante para o conceito que a sua referência tenha sido fixada desse modo, que se alguém detecta o calor por algum tipo de instrumento, mas não é apto a senti-lo, poderemos querer dizer que o conceito de calor não é o mesmo, embora o referente o seja.

Todavia, o termo 'calor' não significa 'qualquer coisa que dá às pessoas essa sensação'. Pois primeiro, as pessoas podem não estar sensíveis ao calor, e mesmo assim o calor existir no mundo externo. Segundo, se supuséssemos que, de algum modo, raios de luz, por causa da diferença nas suas terminações nervosas, causassem essas sensações. Não seria, então, o calor, mas a luz que daria às pessoas a sensação que chamamos de sensação de calor.

Podemos, então, imaginar um mundo possível no qual o calor não fosse a movimentação das moléculas? Podemos imaginar, é claro, que descobrimos que não é. Parece-me que em qualquer caso que se possa pensar, no qual em princípio pensa-se ser um caso no qual o calor – contrário ao que atualmente é o caso – teria sido outra coisa que não a movimentação molecular, ele de fato seria um caso no qual algumas criaturas com terminações nervosas diferentes das nossas habitam esse planeta (talvez inclusive nós, se for um fato contingente sobre nós que tenhamos a estrutura neural que temos) e no qual essas criaturas seriam sensíveis àquele outro algo, digamos a luz, de modo que sentissem a mesma coisa que sentimos quando sentimos calor. Mas esta não é uma situação na qual, digamos, luz teria sido calor, mas uma situação na qual uma torrente de fótons teria produzido as sensações características que nós chamamos de 'sensações de calor'.

De modo similar ocorre para muitas outras identificações do tipo, por exemplo, a de que luz é eletricidade. Os lampejos de raio são lampejos de eletricidade. O raio é uma descarga elétrica. Suponho que podemos imaginar outros modos no qual o céu poderia estar iluminado à noite com os mesmos tipos de lampejos e sem nenhuma descarga elétrica presente. Aqui também estou inclinado a dizer que quando imaginamos tal coisa, imaginamos algo com todas as aparências visuais de um raio, mas que não é, de fato, um raio. Poder-se-ia dizer: isto parecia ser um raio, mas não era. Eu suponho que isso poderia acontecer inclusive agora. Alguém poderia, por algum tipo de aparato inteligente, produzir algum fenômeno no céu que faria as pessoas pensarem que havia um raio no céu, embora de fato não houvesse nenhum raio presente. E você não diria que este fenômeno é de fato um raio apenas porque parece um raio. Foi um fenômeno diferente de um raio, este é o fenômeno de uma descarga elétrica; mas aquele não era um raio, mas algo que nos fez pensar que era um raio.

O que caracteristicamente ocorre nesses casos de, digamos, 'o calor é o movimento molecular'? Há um certo referente que fixamos, para o mundo real e para todos os mundos possíveis, por uma propriedade contingente do calor, nomeadamente, a propriedade de ser apto a produzir tais e tais sensações em nós. Digamos que seja uma propriedade contingente do calor que ele produza tais e tais sensações nas pessoas. Afinal de contas é contingente que devessem ter existido pessoas neste planeta, de qualquer modo. Então, não se sabe a priori quais fenômenos físicos, descritos em outros termos – em termos básicos da teoria física –, são os fenômenos físicos que produzem tais sensações. Nós não sabemos isso, mas eventualmente nós descobrimos que este fenômeno é de fato a movimentação molecular. Quando descobrirmos isso, teremos descoberto uma identificação que nos dá uma propriedade essencial desse fenômeno. Descobriremos um fenômeno que, em todos os mundos possíveis, será o movimento molecular – que não pode falhar em ser o movimento molecular, pois é isso que o fenômeno é.6 De outro modo, a propriedade pela qual nós o identificamos originalmente, aquela de produzir tais e tais sensações em nós, não é uma propriedade necessária, mas uma propriedade contingente. Este mesmo fenômeno poderia ter existido, mas, devido a diferenças em nossas estruturas neurais entre outras coisas, falhamos em senti-lo como calor. Na verdade, quando eu digo nossas estruturas neurais, aquelas dos seres humanos, estou certamente delimitando um ponto que discuti anteriormente; pois, é claro, pode ser parte da natureza dos seres humanos que eles tenham uma estrutura neural que é sensível ao calor. Portanto, isso também poderia tornar-se necessário se investigação suficiente o mostrasse. Estou apenas ignorando isso a fim de simplificar essa discussão. Não é necessário que, em qualquer medida, eu suponha que este planeta deva ter sido habitado por criaturas sensíveis desse modo ao calor.


1Notas

1 Estritamente falando, é claro, Russell diz que nomes não abreviam descrições e que não têm nenhum sentido; mas, então, ele também fala que é apenas porque as coisas que chamamos de 'nomes' abreviam descrições, que elas não são realmente nomes. Então, desde que 'Walter Scott' abrevia uma descrição, 'Walter Scott' não é um nome; e os únicos nomes que realmente existem na linguagem comum são, talvez, os demonstrativos como 'este' ou 'aquele', usados numa ocasião particular para referir um objeto que o falante está 'familiarizado', nos termos de Russell. Como não vamos colocar as coisas como Russell o faz, podemos descrever o próprio Russell como dizendo que nomes, como costumeiramente chamados, têm realmente sentido. Eles têm sentido de um modo forte, nomeadamente, o de estarmos aptos a dar descrições definidas tais, que o referente do nome seja, por definição, o objeto que satisfaz a descrição. O próprio Russell, desde que eliminou as descrições das suas notações primárias, parece manter em 'On Denoting' que a noção de 'sentido' é ilusória. Ao reportar as visões de Russell, desviaremos dele em dois aspectos. Primeiro, estipulamos que nomes devem ser nomes como costumeiramente concebidos, e não como os 'nomes logicamente próprios' de Russell; segundo, pensamos as descrições, e suas abreviações, como tendo sentido.

2Quando falo da visão de Frege-Russell e de suas variantes, incluo apenas aquelas versões que elaboram uma teoria substantiva da referência dos nomes. Em particular, a proposta de Quine, de que em uma 'notação canônica' um nome como 'Sócrates' deva ser substituído pela descrição 'O Socratizador' (onde 'Socratizar' é um predicado inventado) e daí esta ser eliminada pelo método de Russell, não intencionava ser uma teoria da referência dos nomes, mas era uma proposta de uma reforma lingüística com certas vantagens. Os problemas discutidos aqui concernirão, mutatis mutandis, à linguagem reformada; em particular, a questão 'Como a referência de “Sócrates” é determinada?' leva-nos à questão 'Como a extensão de “Socratizar” é determinada?' Não sugiro, é claro, que Quine teria afirmado o contrário.

3MILL, J. S. A System of Logic. New York: Longman, 1961.

4Eu não darei nenhum critério do que quero dizer com 'propriedade pura' ou intensão Fregeana. É difícil encontrar exemplos inquestionáveis de o que está sendo significado. A Amarelidão certamente expressa uma propriedade física manifesta de um objeto e, relativamente à discussão anterior sobre o ouro, pode ser vista como uma propriedade no sentido requerido. Entretanto, de fato, não é sem um certo elemento referencial de si mesma, pois na presente visão, a amarelidão é distinguida e rigidamente designada como uma propriedade física externa de um objeto que sentimos por meio da impressão visual de amarelidão. A este respeito, ela se assemelha aos termos para tipos naturais. A qualidade fenomenológica da própria sensação, por outro lado, pode ser vista como um quale em algum sentido purista. Talvez eu esteja sendo vago sobre tais questões, mas uma precisão maior parece desnecessária aqui.

5É claro, há a questão da relação entre a noção de temperatura da mecânica estatística e, por exemplo, a da termodinâmica. Desejo deixar de lado tais questões na presente discussão.

6Algumas pessoas têm sido inclinadas a argumentar que, embora certamente não possamos dizer que ondas de som 'teriam sido calor' se as tivéssemos sentido como a sensação que sentimos quando sentimos calor, a situação é diferente com relação a fenômenos possíveis, não presentes no mundo atual, e distintos do movimento molecular. Talvez seja sugerido que haja outra forma de calor que não o 'nosso calor', que não o movimento molecular; inclusive se nenhum fenômeno atual que não movimento molecular, tal como as ondas sonoras, se qualificar para tal. Afirmações semelhantes têm sido feitas para o ouro e para a luz. Embora eu esteja inclinado a aceitar tais visões, elas fariam pouca diferença para o grosso das presentes conferências. Alguém que esteja inclinado a manter tais visões pode simplesmente trocar os termos 'luz', 'calor', 'dor' etc., dos exemplos, por 'nossa luz', 'nosso calor', 'nossa dor' e semelhantes. Todavia, não tomarei o espaço discutindo este assunto aqui.


Citação: Cid, Rodrigo (2012). "Tradução de KRIPKE, Saul (1972). Extratos de 'Naming and Necessity'. In: NYE, Andrea (ed). Philosophy of Language: the big questions. Oxford: Blackwell, 1998. Retirado de KRIPKE, Saul. Naming and Necessity. Cambridge MA: Harvard University Press, 1980, pp. 26-9 e 127-33.". Blog Investigação Filosófica. Artigo eletrônico acessado em xx/xx/xxxx  e encontrado em http://investigacao-filosofica.blogspot.com.br/2012/03/nomeacao-e-necessidade.html.