QUESTÕES: (1) O que Recanati entende por "designador direto" e por "designador rígido", e por que ele pensa que todo designador direto é rígido, mas nem todo designador rígido é direto? /// (2): (a) Como Recanati entende a distinção capital entre os modos de re de apresentação da referência e os modos de dicto (descritivos) de apresentação da referência? (b) Descreva, em pormenor, as duas características centrais dos os modos de re segundo Recanati. (c) Explique porque os modos de re psicológicos se distinguem do modos de dicto. /// (3): Em que sentido podemos entender o modo de re psicológico de apresentação da referência como um "arquivo" ou dossiê mental? Descreva e comente os diferentes níveis da arquitetura cognitiva, dos "Buffers" aos "arquivos enciclopédicos".
RESPOSTAS:
Primeiramente, devo dizer que a distinção entre designadores diretos e indiretos tende a advir de uma tentativa de marcar uma suposta distinção semântica entre nomes e indexicais por um lado e descrições definidas por outro. A suposta distinção é pensada como o fato de os primeiros referirem diretamente o objeto que fazem referência, enquanto a segunda referiria apenas por meio de uma condição de identificação – e, portanto, indiretamente. Um argumento interessante a favor da distinção surgiu com Kripke e teve muitos desenvolvimentos posteriores. O argumento de Kripke visava mostrar que há uma diferença modal entre os nomes e as descrições, a saber, que apenas os nomes referem o mesmo indivíduo em todos os mundos possíveis, enquanto as descrições referem indivíduos diferentes em mundos possíveis diferentes. Por exemplo, enquanto em todo mundo possível o nome “Pelé” refere o Pelé, a descrição “o rei do futebol mundial” refere Pelé no mundo atual e outros indivíduos em mundos possíveis onde Pelé não foi o rei do futebol mundial. Assim, a diferença modal entre nomes e descrições, se correta, resumir-se-ia ao fato de apenas os nomes serem designadores rígidos, ou seja, apenas os nomes designam o mesmo particular em todos os mundos possíveis.
Mostrar que o nome refere rigidamente, enquanto a descrição não refere rigidamente, nos indicaria que a tese do descritivista de que há sempre uma descrição associada ao nome (descrição essa que é o modo de apresentação) por meio do qual ele refere está equivocada; e, assim, seria um ponto a favor do defensor da tese de que existem termos diretamente referenciais (e que estes são, pelo menos, os nomes), ou seja, de que existem termos que referem sem mediação do modo de apresentação. Mas o descritivista tende a não aceitar tal idéia; e, para mostrar que não há diferença modal entre nomes e descrições, ele tende a formar descrições atualizadas para estarem conectadas aos nomes (como “o atual Fx”) e tende a nos lembrar das descrições rígidas das matemáticas (como “a raiz cúbica de 27”). Descrições atualizadas e descrições matemáticas seriam relevantes aqui porque mostrariam que as descrições também podem ser rígidas, de modo que a rigidez do nome não poderia marcar uma diferença entre o nome e a descrição.
Mas há outras formas de definir rigidez, investigadas por Recanati, que visam estabelecer a distinção entre nomes e descrições no que diz respeito à referência. O ponto dos teóricos investigados por Recanati é, por meio da noção de designação rígida, mostrar que há termos que designam rigidamente e que diferem das descrições definidas. Tais termos seriam os termos diretamente referenciais, com tal referencialidade direta asserida em termos de designação rígida.
Uma dessas formas de se definir rigidez é a de que um termo é rígido sse possui o maior âmbito em frases com operadores modais. Recanati rechaça essa idéia com dois argumentos: (1) podemos ter uma descrição não-rígida fora do operador modal (ou seja, com o maior âmbito) – como em “O presidente da França poderia ser alto” –; e (2) um termo pode ou não designar rigidamente fora de contextos modais – como em “O presidente da França é alto”, onde a descrição não designa rigidamente, e em “Sarcozy é alto”, onde o nome supostamente designa rigidamente.
Outro modo de tentar definir a rigidez, capturando o conceito de referência direta, é relacionando-a com condições de verdade. Por exemplo, o critério de Peacocke diz que um termo t é um designador rígido sse há um objeto x, tal que para qualquer sentença G(t), as condições de verdade ou falsidade para tal sentença são que, respectivamente, x satisfaz G( ) ou x não satisfaz G( ). O problema desse critério, segundo Recanati, é que haveria casos de descrições que seriam designadores rígidos – tal como “a raiz cúbica de 27” – e, assim, a rigidez de Peacocke não poderia prover uma distinção entre nomes e descrições; não podendo, portanto, nos indicar qual seria a característica essencial dos termos diretamente referenciais. Entretanto, ainda poderíamos traçar essa distinção em termos de rigidez de jure e rigidez de facto: enquanto um nome é naturalmente rígido (rígido de jure), uma descrição só é rígida por que acaba por ser o caso que o mesmo objeto cai sob o conceito expresso pela descrição em todos os mundos possíveis (rígida de facto).
A objeção que Recanati expõe é que, nos termos de Peacocke, o conceito de designação rígida torna-se bem definido e, com a distinção de jure x de facto, podemos traçar uma distinção entre descrições e nomes, embora “referir diretamente” não se torne claro. Referir diretamente não pode ser colocado nos termos do critério de Peacocke, pois seu critério permite que ambos, nomes e descrições, possam satisfazê-lo, e a distinção de jure x de facto não pode explicar o que é a referência direta. O que temos que fazer, então, é explicar a distinção de jure x de facto para que se explique a referência direta.
E é na intenção de explicar como a distinção entre as rigidezes de jure e de facto se relaciona com a referência direta, que Recanati tenta traçar uma noção de termo diretamente referencial com a noção de meta-rigidez, ou seja, como um termo que indica a sua própria rigidez, e que o próprio tipo ao qual ele pertence o torna rígido – assim rígido de jure. Para isso, ele examina o critério de Lockwood para que algo seja um termo diretamente referencial. Tal critério diz que um termo t é diretamente referencial sse há um objeto x, tal que (i) um proferimento de uma sentença qualquer G(t) é verdadeiro sse x satisfaz G( ), e tal que (ii) para entender o proferimento deve-se saber G(t) é verdadeiro sse x satisfaz G( ). A crítica de Recanati ao critério de Lockwood é que ele é por demais exigente. Ele nos diz que um termo é um designador direto quando é um designador rígido que, para que entendamos um proferimento no qual ele está presente, temos que entender que tal termo designa rigidamente – ou seja, entendermos que para toda G(t), G(t) é verdadeira sse x satisfaz G( ) – e qual objeto ele designa – qual (which) é o objeto x que o termo “t” designa. Sua exigência em demasia está no fato de necessitarmos, no critério de Lockwood, de saber qual objeto é referido pelo termo referencial para que possamos entender um proferimento com um termo diretamente referencial. E, certamente – pensa Recanati – na nossa linguagem comum entendemos proferimentos com termos diretamente referenciais mesmo que não saibamos qual objeto é o referente do termo, além de percebermos que o termo referencial (tal como um nome próprio) faz parte da categoria dos termos referenciais, mesmo que não haja um referente para ele. O ponto de Recanati é encontrar uma característica semântica – portanto, independente de fatos extra-linguísticos, como a existência ou inexistência de um referente – que distinga descrições de nomes e indexicais.
Nesse sentido, Recanati entende por “designador direto” todo termo que pertence a um certo tipo [type] cujos membros [tokens] possuem uma certa característica advinda de seu tipo, a saber, REF, uma característica de um termo diretamente referencial que pertence ao seu significado lingüístico que o faz indicar sua rigidez, ou seja, que o faz indicar que as condições de verdade do proferimento em que ocorre são singulares. Um termo que fosse um nome próprio teria tal característica como parte de seu significado lingüístico advindo de seu tipo (nome próprio). E as condições de verdade de um proferimento são singulares quando há um objeto x referido pelo nome “t”, tal que para qualquer proferimento G(t), ele é verdadeiro sse x satisfaz G( ).
Cada proposição que contém um designador direto – um termo que tem REF como uma característica de seu significado linguístico – indica que ela própria é uma proposição singular, ou seja, que apenas o objeto singular referido pelo designador direto faz parte das condições de verdade da proposição expressa, e não o modo de apresentação ligado ao designador. Para Recanati, diferentemente da maioria dos referencialistas diretos, um designador direto não precisa ter a característica de não estar conectado, em seu significado linguístico, a nenhum modo de apresentação ou conotação. Por exemplo, certamente o significado linguístico de “ele”, além de possuir REF, nos leva a identificar o referente do proferimento; entretanto, por possuir REF, tal termo seria diretamente referencial. Ele acredita que REF deva ser pensada como uma característica que os designadores diretos têm a mais que os outros termos (e não a menos) em seu significado linguístico; e que, assim, pode dar conta de, ao mesmo tempo, aceitar a existência do modo de apresentação nos termos diretamente referenciais e neutralizá-lo no que diz respeito às condições de verdade da proposição expressa.
Assim, para Recanati, um designador direto é um termo que pertence a um tipo que tem REF como uma característica linguística, ou seja, um termo cujo significado linguístico advindo do seu tipo faz o proferimento onde ele ocorre indicar que tem condições de verdade singulares. Um designador rígido é um termo cujas condições de verdade do proferimento que o contém são singulares. A diferença entre um e outro é que, enquanto uma descrição pode ser rígida na medida em que é o mesmo objeto que satisfaz as condições de verdade dos proferimentos com a descrição, a descrição não indica isso em seu significado linguístico, coisa que os termos diretamente referenciais fariam. Então, nesse sentido, um termo diretamente referencial, como um nome, possui uma característica que o torna um designador rígido – a saber, os proferimentos onde ocorre são sempre singulares – além de indicar, pelo significado linguístico advindo do tipo, que ele próprio é um designador rígido – ou seja, que ele próprio é tal que faz as condições de verdade da proposição expressa pelo proferimento serem singulares. Assim, um designador direto faz o proferimento em que ocorre ter condições de verdades singulares e expressar uma proposição singular. Nesse sentido ainda, um designador direto é um designador rígido de um certo tipo, a saber, do tipo que expressa sua própria rigidez (meta-rígido). Mas nem todo designador rígido – termos que fazem as condições de verdade da proposição expressa pelo proferimento serem singulares – são designadores diretos, dado que há descrições que são designadores rígidos, a saber, termos que fazem o proferimento em que ocorrem ter condições de verdades singulares (embora não façam tal proferimento expressar uma proposição singular).
(2)
Entretanto, tanto o critério de Lockwood, quanto o de Recanati nos fazem pensar que o designador direto implica um contato de re com o referente designado, já que se sabe da coisa que ela satisfaz G( ). Assim, um modo pelo qual a referência se apresenta é pelo modo de apresentação de re. Ele é distinto do modo de apresentação de dicto porque este último é composto por uma descrição que faz o papel das condições de identificação do referente. Enquanto os modos de re de apresentação da referência são apreendidos relacionalmente (independente de condições de identificação e em virtude de estar em uma certa relação com o referente), como no contato por acquaintance, e irrelevantes veritativamente; os modos de dicto são descritivos e sua verdade depende das condições de identificação da referência. Assim, enquanto um pensamento de dicto é determinado satisfatoriamente (de acordo com as condições de identificação), um pensamento de re é determinado relacionalmente.
Para explicar os modos de re, temos de nos mover da linguagem para o pensamento. Recanati faz isso introduzindo o puzzle de Frege sobre a diferença cognitiva nas sentenças a=a e a=b. Ele nos diz que mesmo que houvesse algo como uma referência na linguagem, o fato de podermos aceitar a=a, enquanto negar a=b, indica que há uma diferença entre tais sentenças ao menos em nosso pensamento. Um defensor da referência direta está em piores condições para dar conta desse fenômeno, já que geralmente dizem que os modos de apresentação de a e de b não fazem parte do conteúdo expresso pela sentença.
Recanati tenta salvar o referencialista direto, indicando que no pensamento, ela é um pensamento sobre a coisa sem que as condições de identificação sejam relevantes para a verdade do pensamento. Assim, mesmo se houvesse modos de apresentação de re e de dicto, e eles ocorressem em nosso pensamento, nos ajudando a rastrear o referente, eles seriam irrelevantes veritativamente, seriam externos à proposição expressa (em termos de condições de verdade). Segundo Recanati, há uma distinção entre condições de referência, condições de verdade e condições de identificação. As descrições que tenhamos associado a uma noção fazem parte apenas das condições de identificação, e não das condições de verdade ou das condições de referência. Dessas últimas, respectivamente, fazem parte o objeto e o estado de coisas representado e a isonomia entre representado e representante. Dessa forma, os modos de re de apresentação da referência, tanto quanto os modos de dicto, poderiam ser veritativamente irrelevantes, embora permanecendo relevantes no que diz respeito às condições de identificação.
Uma certa característica que distingue os modos de re dos modos de dicto é a apreensão das primeiras – que é obtida ao nos colocarmos em certas relações com o mundo – as relações estabelecidas pelos indexicais, por exemplo, enquanto as segundas são obtidas satisfatoriamente. Um conteúdo de re seria o conteúdo da minha percepção, por exemplo, quando vejo um pôr do sol; que se transformaria numa informação de dicto ao ser digitalizada na forma de uma proposição (ou várias). Cabe falar ainda de algo que ficou apenas no ar, porém não explicitado, a saber, a possível diferença entre os modos de apresentação linguístico e psicológico. Segundo o fregeano, deve haver uma diferença psicológica e/ou linguística para dar conta de explicar o seu puzzle. E, além disso, devemos ter em mente que se algo é comunicado, então esse algo é estável no processo de comunicação.
O fundamento principal para pensarmos que de fato há uma distinção entre modos de apresentação psicológicos e modos de apresentação lingüísticos é expresso em casos onde o mesmo modo de apresentação linguístico não pode explicar a diferença de valor cognitivo de dois tokens da mesma sentença contendo um termo diretamente referencial, como seria o caso de dois proferimentos sobre este barco, a saber, “este barco é a vapor” e “este barco não é a vapor”. A diferença entre esses dois tokens deve ser expressa em termos de algo externo ao modo de apresentação linguístico, já que este é o mesmo nos dois tokens. A saída foi falar de um modo de apresentação psicológico que fundamenta a diferença de valor cognitivo entre os diferentes tokens.
O modo de apresentação linguístico tem as características de ser intersubjetivo e necessariamente comunicável, enquanto o modo de apresentação psicológico é subjetivo e pode ser incomunicável. Enquanto o modo de apresentação linguístico (advindo do type) é estabelecido por convenção, tem significado constante e é díctico-reflexivo (faz referência ao próprio proferimento), o psicológico é inconstante, varia com o contexto e não se dá por convenção, mas pelo fato de algum indivíduo estar numa determinada relação. Por exemplo, eu apreendo o modo de apresentação de apresentação linguístico de “aqui” sabendo seu significado, enquanto apreendo o modo de apresentação psicológico de “aqui” (ou “hic”, conforme exponho na questão 3) só é apreendido ao estarmos numa relação com o mundo que nos cerca, a saber, a relação de estar aqui. Tal relação varia de acordo com os locais que nos encontramos, e ela só pode ser explicada em termos de um modo de apresentação psicológico.
Assim, um modo de apresentação linguístico de um designador direto é o significado linguístico que lhe atribuímos junto com a partícula REF, segundo Recanati. Portanto, partículas como “eu” teriam tanto um modo de apresentação linguístico, quanto um modo de apresentação de re psicológico – este, que permitiria a variância de objetos para “eu” (afinal eu sou eu para mim, você é eu para você etc.).
Uma diferença, então, entre um modo de apresentação linguístico do referente de um termo indexical e um modo de apresentação psicológico de tal referente é que enquanto o linguístico estabelece uma condição de satisfação para algo ser o objeto que o termo refere – e, assim, é um modo de apresentação de dicto –, o psicológico expressa diretamente os objetos sem que condições de satisfação (as condições de identificação) tenham que ser cumpridas. Por exemplo, quando penso que eu estou com sono, apreendo-me de uma certa maneira – essencialmente da primeira pessoa – que não deixaria de ocorrer por mais que eu não me visse como “o autor do proferimento”. O análogo do indexical no pensamento é um modo de apresentação de re da referência que, diferentemente do modo de apresentação linguístico, é essencialmente não descritivo.
Entretanto, ainda permanece a questão: como a linguagem se conecta com o pensamento? Como esses modos de apresentação tão distintos se relacionam (o linguístico e o psicológico), já que não seria por convenção? Para responder essa questão, Recanati se aprofunda na investigação dos pensamentos que contêm indexicais, dos pensamentos de re. Como já dissemos, análogo ao modo de apresentação linguístico, mas distinto dele, há o modo de apresentação psicológico. O modo de apresentação psicológico de re é visto por Recanati como um arquivo mental de um certo conceito. Por exemplo, o modo de apresentação de re psicológico de “eu” seria o conceito “ego”; e tal conceito representaria o papel de armazenar todo tipo de informação advinda de eu estar em certa relação com o mundo, a relação de ser eu o envolvido com a situação. Tal conceito representa uma categoria ou tipo de modo de apresentação psicológico; e, nesse sentido, se conecta com o modo de apresentação linguístico expresso no significado linguístico do indexical. No caso do “eu”, isso poderia ser visto na conexão íntima entre o conceito de ego e o de “proferidor deste proferimento”: a única forma de expressar linguisticamente ego seria por meio de “eu”. O mesmo seria o caso para outros conceitos formados a partir da perspectiva da primeira pessoa, como nunc (now, agora) e hic (here, aqui), que seriam todos modos de apresentação psicológicos indissociáveis de seus análogos modos de apresentação linguísticos.
Essa noção de modos de adquirir informação é muito importante, pois fundamenta a distinção entre os três tipos de arquivos mentais (modos de apresentação de re psicológicos) que formam nossa estrutura cognitiva: os buffers, os conceitos egocêntricos e as entradas enciclopédicas.
Os conceitos egocêntricos são os arquivos formados por conceitos que coletam dados obtidos a partir de certas relações epistêmicas fundamentais, que lhe dão o seu caráter perspectival. Os conceitos egocêntricos são geralmente dominados por dados perceptuais (ou dos sentidos). Enquanto têm apenas informações perceptuais, tais conceitos são chamados buffers, e tais buffers apenas armazenariam a informação perceptual adquirida nas relações egocêntricas epistêmicas fundamentais (estar aqui, agora, ser eu etc.). Os conceitos egocêntricos podem também não ser buffers, casos em que têm também informações não perceptuais inseridas no conceito. Por exemplo, enquanto no buffer de ego haveria apenas informações perceptuais, no conceito de ego, haveria também informações não perceptuais, como o pensamento de que eu sou um filósofo em formação. As entradas enciclopédicas, por sua vez, diferem dos conceitos egocêntricos por não serem dominantemente perceptuais. Um verbete enciclopédico, como a noção “Aristóteles”, não precisa ter nele nenhuma informação perceptual.
Diferenças fundamentais entre os buffers, conceitos egocêntricos e verbetes enciclopédicos são que enquanto os conceitos egocêntricos e verbetes enciclopédicos são orientados por objetos (são arquivos de objetos), os buffers são orientados por funções (modos de nos posicionarmos epistemicamente). E uma semelhança dos buffers e conceitos egocêntricos (que os distingue dos verbetes enciclopédicos) é a sua instabilidade e transitoriedade, dado que ambos são dominados por informação não descritiva. A passagem dos conceitos egocêntricos para os verbetes enciclopédicos ocorre a partir de uma “digitalização” dessa informação, formando arquivos estáveis (os verbetes enciclopédicos). O buffer PE momentâneo, temporário. Não conceitual, não generalizável, perceptual, com informação obtida analogicamente, além de ser orientado por função, e não por objeto. No entanto, o conceito egocêntrico é orientado por objeto, com informação perceptual e não perceptual, embora ainda perspectival. Os conceitos enciclopédicos, por sua vez, são estáveis e são o que permanece de informação (em perspectiva da terceira pessoa) quando cessa o contato visual, além de não serem dominados por informação não descritiva (toda informação descritiva contida nele é contingente).
Cabe dizer que podemos obter informação para um arquivo mental de um verbete por meio de descrições do referente e por meio de contato direto. Este último implicaria uma passagem dos buffers aos conceitos egocêntricos; que, por sua vez, “cristalizariam” digitalmente a informação nos verbetes. Enfim, o que Recanati pensa é que as condições de verdade de um pensamento em que ocorrem tais arquivos mentais são singulares, pois é indicado que há um objeto fora da mente que supostamente porta as informações. A referência direta na linguagem, segundo Recanati, seria apenas um reflexo do que ocorre no pensamento. Tal apontar do pensamento para o objeto fora dele é chamado de “intensionalidade” e seria uma contraparte mental de REF, que permitiria a irrelevância veritativa no pensamento – ao colocarmos as informações num arquivo, permitindo que elas sejam possivelmente falsas e colocando junto a essa contraparte de REF.