Viva a Bolívia!
A Bolívia
passou por um recente processo eleitoral em outubro desse ano, elegendo Evo
Morales para o seu quarto mandato. No entanto, o presidente foi levado a renunciar
no dia 10 de novembro pelos militares, o que acabou levando-o a sair do país. O que aconteceu na
Bolívia foi um golpe de Estado orquestrado por uma aliança da elite oligarca do
país, as forças militares e a intervenção externa, mais especificamente EUA. E
como isso aconteceu? Por quais motivos? Eis o que pretendemos falar brevemente
aqui.
Evo Morales foi o primeiro indígena a
comandar a Bolívia e iniciou o seu governo em 2006, tendo como partido o
Movimento Al Socialismo (MAS). Em 1º de maio de 2006, Evo Morales declarou a
nacionalização dos hidrocarbonetos e das refinarias, postos e distribuidores de
petróleo, gás e derivados, além de tornar o governo boliviano sócio majoritário
dessas indústrias, detendo 50% mais 1 das ações. Isso levou a um desentendimento
irrevogável com a elite do país que detinha o controle das refinarias. Sem
conseguir voltar ao governo, a elite armou um plano para retomar o poder pela
força em 2019, caso o processo eleitoral não funcionasse a seu favor.
Primeiramente acusando Evo Morales de fraude eleitoral, mas sem obter sucesso, ainda
houve uma tentativa de assassinato com a derrubada do helicóptero presidencial e,
por fim o golpe militar.
O líder da oposição ao governo Evo
Morales é Luis Fernando Camacho, um cristão ultraconservador e multimilionário citado
no Panama Papers. Participante desde a juventude de um grupo paramilitar
fascista chamado Unión Juvenil Cruceñista (UJC), grupo esse notório por sua violência
racista e com base na região separatista de Santa Cruz. Esse grupo está ligado
aos planos de assassinato contra Morales. Parte da família de Camacho perdeu
riqueza quando Evo Morales nacionalizou as fontes nacionais de gás natural em
um fundo para programas sociais que cortaram a pobreza em 42% e a extrema
pobreza em 60%.
A união entre Luis Fernando Camacho e
Carlos Mesa foi o casamento perfeito do Capitalismo de Conveniência. Carlos
Mesa se tornou presidente da Bolívia em outubro de 2003, após a renúncia de
Gonzalo Sánchez de Lozada, do qual foi vice-presidente, devido à "guerra
do gás". Entre 2001 e 2005, a Bolívia teve cinco presidentes. Mesa foi um
deles e mal conseguiu permanecer no poder por um ano e sete meses, em razão da
turbulência instalada no país sul-americano. Logo depois, Evo Morales foi
eleito presidente e passou a governar a Bolívia de 2006 em diante. O retorno de
Carlos Mesa como candidato à presidência é uma espécie de revanche contra
Morales. Revanche esta que não teve sucesso pelas vias democráticas.
Evo Morales foi levado à renúncia antes
de assumir o quarto mandado, o que significa que ele não teve como completar o
seu terceiro mandato. A pressão veio logo após ele ter aceito fazer novas eleições,
o que demonstra a intenção de derrubá-lo a qualquer custo e não uma retirada
pelas vias democráticas. Entre os motivos por trás disso, além das refinarias de
gás, haveria um interesse dos EUA nas reservas de lítio da Bolívia. O lítio é
um elemento mineral essencial para a chamada “revolução verde”, pois através
dele se pode construir baterias que substituiriam o petróleo como reserva
energética. E, não por acaso, uma das maiores reservas de lítio no mundo está
localizada na Bolívia. A demanda por lítio deve mais que dobrar até 2025. O
mineral macio e leve é extraído principalmente na Austrália, Chile e
Argentina. A Bolívia possui bastante – 9 milhões de toneladas – que nunca foram
extraídas comercialmente.
Após a renúncia de Evo Morales e sua
ida para o México, em pedido de asilo político, a senadora Jeanine Añez, da
Unidade Democrática de centro-direita, se autoproclamou presidente da Bolívia,
recebendo o apoio da ala militar do país. Dessa forma, o golpe na Bolívia se concretizou.
Na Bolívia, mais de 50% da população é composta de indígenas autóctones, por volta de 40% são mestiços, isto é, mistura de ameríndios e europeus, e menos de 10% da população é composta por brancos. São esses 10% agora que tentam tomar o poder de maneira golpista, negando a cultura indígena local, desrespeitando sua religião e costumes. O que não deixa de ser um paradoxo, já que a presidente interina é visivelmente mestiça. O papel da religião cristã evangélica é extremamente relevante para a disseminação do golpe. O opositor Camacho, logo após o golpe que tirou Morales do poder, leu a Bíblia colocada por cima de uma bandeira boliviana, em uma espécie de cerimônia litúrgica improvisada. Jeanine Añez teria dito que "a bíblia volta ao palácio", em uma demonstração de intolerância contra a cultura indígena da Pachamama, o espírito da Mãe Terra andino. No entanto, essa atitude não levou a pacificação do país, pois a comunidade indígena, indignada com os acontecimentos golpistas, se rebelou contra o governo interino, o que faz da Bolívia hoje uma região tomada por levante popular de proporções monumentais.
Viva a Bolívia!
(Luiz Maurício Bentim)