quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Viva a Bolívia!




Viva a Bolívia!
  
A Bolívia passou por um recente processo eleitoral em outubro desse ano, elegendo Evo Morales para o seu quarto mandato. No entanto, o presidente foi levado a renunciar no dia 10 de novembro pelos militares, o que acabou levando-o a sair do país. O que aconteceu na Bolívia foi um golpe de Estado orquestrado por uma aliança da elite oligarca do país, as forças militares e a intervenção externa, mais especificamente EUA. E como isso aconteceu? Por quais motivos? Eis o que pretendemos falar brevemente aqui.

Evo Morales foi o primeiro indígena a comandar a Bolívia e iniciou o seu governo em 2006, tendo como partido o Movimento Al Socialismo (MAS). Em 1º de maio de 2006, Evo Morales declarou a nacionalização dos hidrocarbonetos e das refinarias, postos e distribuidores de petróleo, gás e derivados, além de tornar o governo boliviano sócio majoritário dessas indústrias, detendo 50% mais 1 das ações. Isso levou a um desentendimento irrevogável com a elite do país que detinha o controle das refinarias. Sem conseguir voltar ao governo, a elite armou um plano para retomar o poder pela força em 2019, caso o processo eleitoral não funcionasse a seu favor. Primeiramente acusando Evo Morales de fraude eleitoral, mas sem obter sucesso, ainda houve uma tentativa de assassinato com a derrubada do helicóptero presidencial e, por fim o golpe militar.
O líder da oposição ao governo Evo Morales é Luis Fernando Camacho, um cristão ultraconservador e multimilionário citado no Panama Papers. Participante desde a juventude de um grupo paramilitar fascista chamado Unión Juvenil Cruceñista (UJC), grupo esse notório por sua violência racista e com base na região separatista de Santa Cruz. Esse grupo está ligado aos planos de assassinato contra Morales. Parte da família de Camacho perdeu riqueza quando Evo Morales nacionalizou as fontes nacionais de gás natural em um fundo para programas sociais que cortaram a pobreza em 42% e a extrema pobreza em 60%.
A união entre Luis Fernando Camacho e Carlos Mesa foi o casamento perfeito do Capitalismo de Conveniência. Carlos Mesa se tornou presidente da Bolívia em outubro de 2003, após a renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada, do qual foi vice-presidente, devido à "guerra do gás". Entre 2001 e 2005, a Bolívia teve cinco presidentes. Mesa foi um deles e mal conseguiu permanecer no poder por um ano e sete meses, em razão da turbulência instalada no país sul-americano. Logo depois, Evo Morales foi eleito presidente e passou a governar a Bolívia de 2006 em diante. O retorno de Carlos Mesa como candidato à presidência é uma espécie de revanche contra Morales. Revanche esta que não teve sucesso pelas vias democráticas.
Evo Morales foi levado à renúncia antes de assumir o quarto mandado, o que significa que ele não teve como completar o seu terceiro mandato. A pressão veio logo após ele ter aceito fazer novas eleições, o que demonstra a intenção de derrubá-lo a qualquer custo e não uma retirada pelas vias democráticas. Entre os motivos por trás disso, além das refinarias de gás, haveria um interesse dos EUA nas reservas de lítio da Bolívia. O lítio é um elemento mineral essencial para a chamada “revolução verde”, pois através dele se pode construir baterias que substituiriam o petróleo como reserva energética. E, não por acaso, uma das maiores reservas de lítio no mundo está localizada na Bolívia. A demanda por lítio deve mais que dobrar até 2025. O mineral macio e leve é ​​ extraído principalmente na Austrália, Chile e Argentina. A Bolívia possui bastante – 9 milhões de toneladas – que nunca foram extraídas comercialmente.
Após a renúncia de Evo Morales e sua ida para o México, em pedido de asilo político, a senadora Jeanine Añez, da Unidade Democrática de centro-direita, se autoproclamou presidente da Bolívia, recebendo o apoio da ala militar do país. Dessa forma, o golpe na Bolívia se concretizou.
Na Bolívia, mais de 50% da população é composta de indígenas autóctones, por volta de 40% são mestiços, isto é, mistura de ameríndios e europeus, e menos de 10% da população é composta por brancos. São esses 10% agora que tentam tomar o poder de maneira golpista, negando a cultura indígena local, desrespeitando sua religião e costumes. O que não deixa de ser um paradoxo, já que a presidente interina é visivelmente mestiça. O papel da religião cristã evangélica é extremamente relevante para a disseminação do golpe. O opositor Camacho, logo após o golpe que tirou Morales do poder, leu a Bíblia colocada por cima de uma bandeira boliviana, em uma espécie de cerimônia litúrgica improvisada. Jeanine Añez teria dito que "a bíblia volta ao palácio", em uma demonstração de intolerância contra a cultura indígena da Pachamama, o espírito da Mãe Terra andino. No entanto, essa atitude não levou a pacificação do país, pois a comunidade indígena, indignada com os acontecimentos golpistas, se rebelou contra o governo interino, o que faz da Bolívia hoje uma região tomada por levante popular de proporções monumentais.
Viva a Bolívia!
(Luiz Maurício Bentim)