O Prometeu Moderno
Luiz Maurício B. R. Menezes
Se
pensarmos que Prometeu trata de um legado deixado aos homens, um legado de fogo
e artes, teremos o início de uma resposta, pois será essa mesma atitude
prometeica do homem pelo avanço da ciência e das artes, que levará à gênese do
Prometeu Moderno e também a sua condenação. E quando falamos de um Prometeu
Moderno, não podemos esquecer da obra de Mary Shelley, “Frankenstein ou o Prometeu Moderno”, escrita há duzentos anos
atrás. Qual o intuito dela ao relacionar sua obra com o mito de Prometeu?
Ao
contrário da obra de seu marido, Percy Shelley, que nos apresenta um Prometeu
resistente pelo seu amor à humanidade, o Prometeu de Mary Shelley apresenta a
decadência humana, o rompimento do homem com Deus e a reminiscência do Paraíso
Perdido. Se levarmos em consideração a criatura que ganhou vida, podemos ver
nela a dor, o exílio e a condenação presentes no mito. No entanto, a nosso ver,
não é a criatura que recebe a alcunha de Prometeu Moderno, mas o criador. É o
criador que se chama Frankenstein, apesar de erroneamente associarmos o seu
nome à criatura. Através do estudo da filosofia natural, o criador se utiliza
da máxima arte para (novamente) roubar o fogo divino e dar vida a algo que ele
construiu. Frankenstein roubou algo que pertencia somente a esfera divina, ele
infringiu uma regra da natureza que dizia que os seres vivos só seriam gerados
através da procriação ou através da interferência divina. Ele caracterizou a
ruptura dessa regra e deu vida a uma criatura construída por ele apenas. Ao
fazer isso, ele rompeu irreversivelmente com Deus e se tornou ele mesmo um deus
na sua atitude criadora e vital. Frankenstein na sua ousadia divina acabou por
condenar a si mesmo aos seus próprios grilhões:
“Por um
momento, minha alma elevou-se acima de seus temores degradantes e miseráveis
para contemplar as ideias divinas de liberdade e sacrifício de que aqueles
lugares eram os monumentos e recordações. Por um instante, ousei romper meus grilhões
e olhar ao redor com um espírito livre e elevado, mas o ferro corroera-me a
pele, e eu afundei novamente, trêmulo e desesperado no meu miserável eu”.
(SHELLEY,
M. Frankenstein ou o Prometeu Moderno.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 167-8.)
Descartes
em suas “Meditações Metafísicas” irá nos
dizer que para todo efeito deve haver uma causa de poder igual ou maior ao
efeito. Isso é uma das justificativas para haver um Deus como criador (causa)
da criatura humana (efeito). No “Frankenstein”,
Mary Shelley demonstra que sem Deus
para se agarrar, o próprio homem se torna deus e, com isso, prisioneiro de si
mesmo e do seu próprio pensar. O Prometeu Moderno é a solitude do cogito, é o efeito sem causa, é a
condenação do homem à sua irreversível ação. A criatura da obra não é um ser
invocado por magia, não é um construto sobrenatural, não é fruto imagético de
uma mente desordenada, mas ela foi criada por ação da ciência humana. O criador
e a criatura se fundem como peça única do método científico. O homem moderno é aquele
que deseja o controle da natureza através do uso da ciência em princípio e fim,
eliminando todo o fabuloso, toda a magia e toda a superstição da sua vida. Eis
a sina do Prometeu Moderno.