Inicio aqui uma série de
ensaios que tem um intuito de rediscutir questões consagradas dentro do
pensamento filosófico. Os ensaios também servem de desafios aos leitores que
queiram propor questões e discussões a partir desses ensaios.
Eu penso, logo de-xisto: ensaio
sobre o ergo
Ego cogito, ergo sum
- Descartes
Não existem escolhas ruins, somente escolhas.
Entre pensar e existir (ser) há algo que não é apenas um detalhe; tal
relação se dá pelo ‘ergo’, o logo de
nossa citação. A ligação que se faz entre pensar e existir é, de fato, penosa;
no entanto, a existência me parece ser um fardo muito maior do que o
pensamento. Existir para o homem envolve escolher. E o que é pensar se não algo
que pode não estar comprometido com o agir? A ação envolve reflexão? De tanto
refletir, podemos deixar de agir. No entanto, não é do pensamento que quero
falar, mas da existência, do pesar que é existir. Existir é difícil! E, no
entanto, não podemos deixar de existir se ainda somos (algo). Entre tantas
possibilidades que a vida nos apresenta, traçamos até o final dela um único. O
que acontece com aqueles todos que não escolhemos? Estaria a nossa felicidade
perdida em algum desses infindáveis labirintos? Poderíamos encontrar o fio que
nos leva até lá? Não seria ela o nosso minotauro que devemos encarar em nossa
existência?
Muitos tomam a vida como um jogo de xadrez sem conseguirem perceber o
essencial: não há tabuleiro para se jogar. Se não há tabuleiros não há regras
para os movimentos das peças que compõe o jogo. A vida não pode ser
racionalizada como em um xadrez de tabuleiro, joguemos fora do tabuleiro e nos
aproximaremos da verdade. Tantas e tantas coisas sem explicação. Ao olharmos
para a realidade ela nos devolve o olhar sem resposta, apenas enigmática. Para
a dor tomamos uma aspirina ou algo que corta o efeito da dor. Mas não seria o
caso de nos perguntarmos que elemento é esse que ingerimos e que oculta a nossa
dor? E que é a dor que nos vem sem aviso, como algo estranho que não podemos
entender, mas somente sentir? E tudo isso nos leva novamente para a existência,
a dificuldade de existir. Não seria, talvez, melhor não existir? Não há tanta
força no não-ser quanto no ser?
E o problema de existir não se resumiria em ter medo, em querer sempre
ter segurança em cada passo que damos? O pensar nesse caso seria essa segurança
que afasta a paixão e garante a existência (ego cogito, ergo sum). Mas não há
uma multiplicidade de coisas que podemos ser, que se ligam pelo ‘ergo’? “Escrevo, logo existo; “pinto, logo existo”; “sinto,
logo existo”... É dessa multiplicidade que surgem os diversos caminhos para se
existir. E depois de perpassarmos pelo múltiplo, podemos dizer que no fim se
forma uma unidade?
Às vezes em uma sala duas pessoas que se encontram (conhecidas ou não)
sofrem o constrangimento da palavra, de termos que algo dizer, quando talvez o
melhor seja nada dizer, prezando-se assim pelo silêncio. Não estaria nesse
encontro o peso de duas existências por demais pesadas?
Mas e quanto aos casuais encontros em que tanto acontece sem que
possamos transcrever em uma palavra sequer? Nesse caso, é como se o múltiplo
retornasse a nós, como se infindáveis portas aparecessem sem que pudéssemos
escolher uma delas. Não seria isso uma maneira de sonhar? E não seria isso uma
maneira de sonhar? E não seriam esses encontros em que deixamos algo no outro e
o outro deixa algo em nós? Nos encontramos, ergo somos, o outro está em mim e
eu estou no outro, mas o que, de fato somos? Penso, logo de-xisto, viver é
estar em uma constante de-existência, em que somos uma multiplicidade de seres.
Encontros e desencontros...
O ir e vir dos caminhos que se encontram e se tornam outros caminhos que
virarão mais outros ao infinito. Devemos conhecer o máximo possível de caminhos
ou nos ater apenas a um? Há alguma maneira de saber ou de sentir isso? Ou
estaremos fadados a nossa solidão? Seria a solidão uma espécie de antimatéria
do sentir ou, mais ousadamente, a própria matéria do nosso ser? Mas o que constitui
a nossa matéria?
Somos “ligados” por partículas fundamentais chamadas de ‘glúons’. Estes
estão no interior de prótons e nêutrons e sem eles não seria possível a
matéria. Mas que é essa partícula fundamental que liga tudo e permite a matéria
existir? Não seria ela o nosso ‘ergo’, o ergo
que tudo liga, que nos permite pensar e existir ao mesmo tempo? O ergo que tudo liga a existência humana
dando forma a nossas vidas. Sou mais do que o meu pensar, existo apesar deste
pensar. Estamos no mundo como seres plenos de existência cuja vida nos abre
diversas possibilidades. Agarremos todas aquelas que nos são possíveis. Se os
caminhos são muitos, por que nos prender a apenas um? Não há um método correto
para se viver e todo discurso sobre tal método é falso. Tal é o absurdo da
existência![i]
Luiz Maurício Bentim da Rocha Menezes
[i]Ao contrário do que se poderia
esperar, este ensaio não tem por base a obra de Descartes, mas a obra de Julio
Cortázar O Jogo da Amarelinha. As
diversas possibilidades desta obra são fantásticas para o pensamento do
múltiplo.