Autor: Rogério Passos Severo
Este livro é um belo acréscimo à literatura filosófica brasileira, ainda muito carente de estudos sobre a obra de Quine. Apesar do seu grande impacto sobre os rumos que a filosofia tomou desde a metade do século passado, Quine é apenas muito rudimentarmente conhecido no Brasil. O livro de Marcos Bulcão Nascimento contribui para mitigar um pouco essa deficiência, explorando principalmente as relações entre o autoatribuído realismo de Quine e duas de suas doutrinas mais famosas e polêmicas: a indeterminação da tradução radical e a subdeterminação de teorias pelas observações. O livro pode ser lido como uma introdução à filosofia de Quine, uma vez que discute diversos dos seus textos mais importantes, procurando sempre apresentá-los de maneira maximamente caridosa e simpática. Contudo, e esse é o primeiro ponto que eu gostaria de discutir nas seções a seguir, trata-se de uma apresentação da obra de Quine a partir de teses e doutrinas que não são fundamentais ou centrais à sua filosofia. Na obra de Quine, realismo, subdeterminação e indeterminação são teses justificadas, ou ao menos motivadas, pelas teses mais fundamentais do naturalismo e do holismo. O segundo ponto que eu gostaria de discutir diz respeito às implicações das doutrinas da relatividade ontológica e da subdeterminação. O autor afirma que essas teses “mostram a possibilidade de diferentes ontologias com o mesmo suporte empírico” (p. 202). Eu gostaria de sugerir que esse não é o caso, pois o que a doutrina da relatividade ontológica pretende estabelecer é o estatuto relativo de qualquer ontologia (relativo ao manual de tradução que empregamos, ou, mais genericamente, relativo à linguagem que usamos). Dizer que daí se segue a possibilidade de diferentes ontologias é uma inferência inválida (ver seção 3 abaixo). E no que tange à doutrina da subdeterminação, esta só é uma tese substancial e filosoficamente interessante quando afirma a possibilidade de teorias cujas frases teóricas não são inter-traduzíveis. Mas isso não exige que essas teorias postulem ontologias alternativas. Embora esse seja um resultado no mais das vezes esperado, não é isso que caracteriza a doutrina quineana da subdeterminação. Isso, ao menos, é o que tentarei mostrar a seguir (seção 2)