1) Apresentar
aos alunos um “objecto estranho” que, provavelmente, nenhum conhece.
2) Perguntar
“O que é?” e, face à estranheza dos alunos, reformular a pergunta para “O que é
que pode ser?” ou “Para que serve?”
3) Pedir
para explicar como acham que funciona. “Podes mostrar como isso se faz?”
4) Ouvir
as sugestões dos alunos e expô-las à consideração do grupo: “Quem concorda?
Quem não concorda?”
5) Terminar
a sessão enumerando as várias ideias apresentadas e pedir ao grupo que
identifique o seu autor (trabalho sobre a atenção dos alunos).
6) TPP
(Trabalho para os Pais): “Em casa tentem descobrir com os vossos pais o que é
este objecto e para que serve e como se faz?” Não tendo consigo uma fotografia
ou desenho do objecto os alunos terão de dar aos pais a sua descrição do
objecto trabalhando a dessa forma oralidade.
Projecto “Filósofos a Brincar: Filosofia com Crianças no
pré-escolar e 1º ciclo” na Escola Infantil A Flor, Porto (3, 4 e 5 anos).
1ª Sessão – O Objecto
Mistério
Objectivos deste
exercício
1 - Arriscar Pensar
Este é um exercício que uso com os meus alunos logo nas
primeiras sessões de Filosofia com Crianças. É um exercício muito simples e que
ajuda as crianças a sentirem-se à vontade para explorar o desconhecido (“O que
é?”) e arriscar pensar em hipóteses e alternativas (“O que pode ser?”) para
preencherem esse espaço vazio da ignorância, não esperando por uma resposta do
professor.
2 - Ginástica Conceptual
É também um excelente exercício para lançar os alunos numa
busca de conceitos e explicações para os vários objectos e usos que o grupo vai
propondo. Esta sessão teve um momento interessante dessa “ginástica conceptual”
quando o Guilherme, de 5 anos se deparou com dois conceitos que intuia serem
diferentes mas, no entanto, não conseguia explicar em que eram diferentes por
serem, na realidade, muito próximos.
- “Esse objecto não pode servir para cortar relva, como diz
o Mauro, pois não é uma máquina.”
- “Então o que é?”
- “É uma ferramenta!”
- “Qual é a diferença entre uma máquina e uma ferramenta?”
- “Não sei” – respondeu ao fim de algum tempo a pensar.
- “Uma máquina tem um motor e uma ferramanta não” – veio o
próprio Mauro em seu auxílio. Afinal aquela “coisa” não podia ser para cortar
relva pois não tinha motor, não era uma máquina.
3 - Aprender a Dialogar
Pela sua simplicidade este é um óptimo exercício para um
primeiro contacto dos alunos com o diálogo filosófico e que permite ao
professor começar a “sentir o pulso” à sua turma identificando aqueles alunos
com mais dificuldade em pensar face ao desconhecido seja por timidez, medo de
errar ou indiferença ao que se passa na sessão. Permite-lhe também descobrir aqueles
que têm mais dificuldade em ouvir os outros ou, ainda, aqueles alunos que
sentem uma ansia muito grande em falar e serem ouvidos pelo professor e pela
turma.
Contrariar subtilmente todos estes “obstáculos ao diálogo” e
ajudar os alunos a contribuirem todos para o mesmo objectivo, dialogando entre
si e pensando em grupo sobre um mesmo problema é, basicamente, tudo aquilo que
um professor de Filosofia com Crianças se deverá preocupar ao longo do ano
lectivo. Com esta sessão habituamos desde o início os nossos alunos à dura
realidade de se encontrarem sozinhos face ao problema, isto é, de serem eles
mesmos que deverão procurar por si e entre si as respostas aos problemas que o
professor lhes irá colocando. Começarão aos poucos a perceber que estas
respostas não lhes serão dadas nem facilitadas pelo professor que não cumpre
assim o papel de dispensador de conhecimentos a que estão habituados mas de
ignorante e de provocador, que não sabe e exige deles que descubram por ele.
(Ver o meu artigo “Queres
ensinar a pensar? Então cala-te.”)
4 - Habituar-se à dialéctica
Esta liberdade de pensamento, sobretudo para alguns alunos
mais habituados que outros pensem por eles, poderá parecer excessiva e, até,
perigosa. Não estando habituados a terem eles mesmos a responsabilidade de
determinar a correcção, ou incorrecção, de uma resposta poderão sentir-se de
alguma forma perdidos sem essa segurança de uma resposta que existe algures
entre a cabeça do professor e as páginas de um livro e que basta esperar um pouco
e mostrar incompreensão para que o professor, temente do silêncio e da
incompreensão dos alunos, se apresse a dar-lhes a resposta ou, na melhor das
hipóteses, a indicar-lhes subtilmente o caminho – “Não achas que isto é…”.
É natural que, para estes alunos habituados a que pensem por
eles, tanto em casa como na escola, o medo de arriscar e de errar (aliado ao
medo de serem julgados pelos outros) lhes tolde o pensamento lançando-os num
mutismo e num bloqueio cognitivo dificil de sair. Para conseguirmos que os
nossos alunos percam o medo de pensar, ganhem confiança em si mesmos e
arrisquem exprimir as suas ideias devemos mostrar que confiamos na sua
capacidade de pensar e de produzir boas ideias, mostrando entusiasmo mesmo com
aquelas ideias e sugestões que, à primeira vista nos poderão parecer absurdas
ou sem sentido.
- “Isso (um espremedor de batatas) é uma rede para apanhar
golfinhos bébés.”
- “Boa ideia, André. Essa eu nunca tinha ouvido!” – exclamamos. “Mas… alguém acha que isto não serve para apanhar golfinhos?”
- “Boa ideia, André. Essa eu nunca tinha ouvido!” – exclamamos. “Mas… alguém acha que isto não serve para apanhar golfinhos?”
- Eu acho que não serve para apanhar golfinhos bebés pois é
muito pequeno e os golfinhos mesmo bebés são muito grandes” – refutou a
Matilde.
Repare-se que neste curto excerto do diálogo que mantivemos nesta sessão, ao mesmo tempo que aceitei a ideia do André mostrando entusiasmo e dando-lhe para continuar a arriscar pensar sem medo da censura do professor, não deixei de me assegurar que essa mesma ideia foi escutada e compreendida pelos seus colegas (repetindo eu mesmo, neste caso, ou pedindo a algum aluno para o fazer) e de conseguir que o grupo aceite essa ideia ou sugestão como suficientemente relevante para ser analisada e, possivelmente, criticada por alguns dos colegas do André, como fez a Matilde.
É importante que desde muito cedo os alunos se habituem a
este jogo dialéctico de avançar hipóteses, ouvir os outros, compreender o que é
dito e criticar as ideias que vão surgindo no diálogo. Passada uma fase incial
de “choque” com esta nova forma de dialogar com os outros na sala de aula (um
choque de alguma forma violento, sobretudo para alguns alunos mais velhos), mesmo
os alunos mais inseguros passam a incorporar esta forma de pensar em grupo como
natural e divertida não se importando em ver as suas ideias dissecadas e criticadas
pelos outros e, por sua vez, analisando e criticando as ideias dos outros de
forma calma e respeitosa, olhando para elas pelo que valem e não como uma forma
de retaliação por terem sido criticados noutra altura por esse mesmo colega.
Uma verdadeira lição para alguns adultos que conheço (que todos conhecemos!)
que encaram um “diálogo filosófico” como uma arena de egos e um campo de
batalha argumentativo e não como aquilo que verdadeiramente é, uma oportunidade
única e, por isso mesmo, valiosa, de ouvir os outros e, com eles, avançar um
pouco mais na compreensão do que nos rodeia e no conhecimento daquilo que
somos.
5 - Diálogo vs. Debate
Neste sentido um professor de FcC deve ensinar a dialogar e
não simplesmente a debater ideias e argumentos, deve mostrar aos seus alunos
que é bom escutar o que os outros pensam, incentivando-os a comrender o que
dizem e mostrar-lhes que encarar naturalmente as críticas que lhe são feitas é
algo que os enriquece profundamente. E deve fazer isso tudo não explicando no
início ou no fim da sessão o que acabei de escrever mas, simplesmente,
colocando os seus alunos em situações de “diálogo filosófico” calmo e educado
para que sintam por eles mesmos o prazer de dialogar e aprender com os outros.
Para isso é importante que trabalhemos isso mesmo desde as primeiras sessões de
Filosofia pois, como em quase tudo, também aqui é mais difícil corrigir
posteriormente algo que começou mal desde o início. Se as crianças começam por
sentir que sobre elas e as suas opiniões existe uma “capa de protecção” do
professor (por enquanto ainda a autoridade na sala de aula) dificilmente
abdicarão dessa protecção adquirida o que impedirá qualquer diálogo futuro que
possam vir a ter, caindo este invariavelmente no mero expressar de opiniões e
no validar dessas opiniões pelo simples “direito a ter uma opinião”.
É, repito, muito importante que logo desde o início as
crianças compreendam que têm de facto esse “direito à sua opinião” mas que o
mesmo se aplica a todos os outros participantes no diálogo que, como tal, têm
também o direito a ter uma opinião mesmo que contrária à sua e a exprimi-la
quando assim acharem oportuno.
6 - “Filósofos vs.“fala-baratos”
Desta forma, dando-lhes consciência de grupo e de diálogo os
nossos alunos rapidamente percebem que um “diálogo filosófico” não é uma
conversa entre amigos mas uma investigação conjunta entre pensadores (que
também podem ser amigos, e normalmente são) onde não se fala simplesmente por
falar e não se aceita nada gratuitamente simplesmente porque se diz ou porque se
impõe ao grupo com gritos, esgares ameaçadores ou choros. É desta forma que
conseguimos ir incutindo nas nossas crianças a consciência da verdadeira função
que o grupo tem nestes “diálogos filosóficos” para que, aos poucos, comecem a
compreender e a gostar da exigência crítica dos seus colegas em relação ao que
dizem e fazem. Muito naturalmente as crianças começarão a ver o grupo não como
um adversário num debate mas um aliado numa tentativa de compreender melhor e de
pensar melhor sobre as coisas. Sabem que, ao longo do ano, poderão contar com
os seus amigos para, com eles, pensarem sobre a qualidade das suas intervenções
e ideias. É muito importante que um professor de FcC tenha consciência que não
lhe é pedido que forme “fala-baratos” que num diálogo se limitam a esperar
ansiosos, de dedo no ar, a sua vez para falar, indiferentes ao que os seus
colegas de diálogo dizem ou pensam. É-lhe pedido, ou melhor, é-lhe exigido que
forme ouvintes competentes e pensadores exigentes e críticos tanto para consigo
mesmos como com os outros, por outras palavras, é-lhe exigida a difícil e
aliciante tarefa de formar Filósofos. E para isso é necessario que ele próprio
se transforme num bom ouvinte, num bom pensador crítico, num bom filósofo e
acredite que essa mesma transformação pode acontecer também com as suas
crianças. Só indo para o “diálogo” para aprender a tornar-se filósofo é que o
professor de FcC faz aquilo que deve fazer: deixar de ser professor.