quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Entrevista de Tomás Magalhães Carneiro para o Blog Investigação Φ Filosófica

Blog Investigação Φ Filosófica: Qual o seu nome, onde você nasceu, qual a sua formação e como você conheceu a Filosofia?

Tomás: Chamo-me Tomás Magalhães Carneiro, nasci em Évora, Portugal e vivo no porto há mais de trinta anos. Sou formado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto com uma pós-graduação em Filosofia Moderna e Contemporânea na mesma faculdade. Comecei a interessar-me por Filosofia por volta dos meus 17 anos quando uma professora, Dra. Teresa Macedo, me guiou os primeiros passos pela Crítica da Razão Pura do Kant. Acho que ainda hoje poucos mais passos dei na compreensão dessa obra tremenda. 

Blog Investigação Φ Filosófica: Onde você trabalha com a Filosofia?

Tomás: Tenho um projecto de Filosofia com Crianças intitulado "Filósofos a Brincar: filosofia com crianças no pré-escolar e 1º ciclo" (4 aos 10 anos). Também dou formação a professores nas áreas da Filosofia Prática e do Pensamento crítico e dinamizo as sessões de Cafés Filosóficos e Ciclos de Leituras Filosóficas do Clube Filosófico do Porto. 

Blog Investigação Φ Filosófica: De que forma você trabalha com a Filosofia?

Tomás: Procuro desenvolver e aplicar uma metodologia própria com exercícios e técnicas de facilitação do diálogo filosófico que leve as pessoas a filosofar. Para desenvolver essa metodologia procuro descobrir o que outros filósofos antes de nós deixaram de interesse à prática filosófica (não tanto "o que pensavam" mas o "como pensavam") e procuro aplicar os seus ensinamentos nas minhas sessões passando-os aos meus alunos. Por exemplo: com Sócrates, o método socrático e o "saber-se ignorante"; com Aristóteles, os princípios da lógica; com Descartes, a dúvida e as ideias claras e distintas; com Espinosa, o descentramento do Eu – a procura do ponto de vista do universo como ponto ideal para o filosofar; com Leibniz, o Princípio da Razão Suficiente; com Kant, o desafio a "ousar pensar", assim como as ideias de pensar o conceptual a partir da experiência (ideias sem intuições são vazias e intuições sem conceitos são cegas); com Nietzsche, o pensar o impensável (procurar uma transvaloração dos valores comuns); com Wittgenstein, o pensar o uso que damos aos nossos conceitos em diferentes contextos, etc. De todos eles procuro retirar ferramentas para pensar que possa utilizar e transmitir nos meus diálogos filosóficos, tanto com crianças, como com adultos. 

Blog Investigação Φ Filosófica: Que interessante. Mas especificamente com relação à Filosofia com crianças, você poderia nos fornecer algum exemplo de exercício ou técnica que você utiliza?

Tomás: Não distingo o "Filosofar com Crianças" do "Filosofar com Adultos". Com uns e com outros uso exercícios e estímulos muito simples para dar início ao processo de filosofar em Diálogo. Perguntas como "És a mesma pessoa hoje e quando nasceste?" ou "O que havia antes do Universo?" têm o mesmo dom de estimular o pensamento tanto com adultos como com crianças. Claro que com os meninos e meninas mais pequenas os exercícios são necessariamente outros ("Qual o animal mais corajoso e porquê?", "Vamos desenhar um símbolo para a amizade. Qual deve ser?", "Quais as diferenças e semelhanças entre uma bola e um balão?", etc.). Basicamente qualquer coisa serve para estimular o pensamento filosófico de um ser humano, a arte e a dificuldade está depois, em manter o Diálogo e a investigação no campo filosófico.

Blog Investigação Φ Filosófica: Qual o objetivo do trabalho de Filosofia com crianças? Por que ensinar Filosofia para crianças? Por que ensinar crianças a filosofar?

Tomás: A Filosofia com Crianças faz algo que a Filosofia (dita) Académica não faz, ou faz de uma forma pouco sistematizada: ensina a pensar através da experiência do Diálogo Filosófico. Isto permite que os alunos construam a sua identidade filosófica em conjunto e cooperando com o seus companheiros de Diálogo e que o façam a partir das suas próprias experiências e vivências concretas de conceitos filosóficos como liberdade, responsabilidade, justiça, etc., e não a partir do que leram em livros e manuais de filosofia (que é a única forma que a maioria dos estudantes universitários e professores de filosofia contacta com esta disciplina). 

Blog Investigação Φ Filosófica: Para você, qual a natureza da Filosofia? E qual a especificidade da Filosofia com crianças?

Tomás: O diálogo racional sobre problemas fundamentais ao ser humano. A meu ver aquilo a que chama "especificidade da Filosofia com Crianças" é o que a Filosofia em geral deveria ser: um saber centrado nas preocupações reais do sujeito e a partir de problemas filosóficos que lhe digam algo e não em doutrinas e problemas que, a maior parte das vezes, lhe são totalmente alheios e desinteressantes.

Blog Investigação Φ Filosófica: Quais são as dificuldades em manter o diálogo e a investigação no campo filosófico?

Tomás: São muitas as dificuldades. Listo aqui algumas: evitar pensar pelos alunos; evitar ensinar e moralizar; evitar facilitar-lhes as respostas quer por perguntas retóricas quer por linguagem corporal, tom de voz etc.; manter os alunos focados no problema, evitar que dispersem e sigam linhas divergentes de associação de ideias (manter "os pés no problema inicial"); fazer com que todos participem; não esperar por grandes resultados, nem por conclusões que nos agradem; evitar levar a discussão para um tema que nos agrada quando não é essa a vontade do grupo.

Blog Investigação Φ Filosófica: Gostaríamos ainda de te perguntar uma coisa. Qual o caminho bibliográfico que um um iniciante na Filosofia com crianças deve percorrer? Como aprender mais sobre os métodos e técnicas de ensinar as crianças a filosofar?

Tomás: Aconselho um caminho contrário a quem quer começar a praticar Filosofia com Crianças: primeiro lance-se a dinamizar sessões com crianças (pode começar com familiares e amigos e depois ir oferecer os seus serviços a uma ou duas escolas da sua zona. Depois disso, de ver o que é preciso para se dinamizar uma sessão de Diálogo Filosófico, depois de ver os prazeres e as dificuldades (gerais e próprias de cada um), depois disso pense em começar a ler livros. Talvez nessa altura não precise mais deles.


Entrevistador: Rodrigo Cid